Edição 377
Complexo e marcado por muita incerteza, o ano de 2024 registrou expressivo fluxo de saída de investidores estrangeiros do Brasil, principalmente no que diz respeito à bolsa, movimento que em maio e junho de 2025 começou a ser revertido. “O fluxo de estrangeiros melhorou este ano porque questões internas do País foram resolvidas e porque o contexto geopolítico global ficou mais complexo, com a perspectiva de que o Brasil seja menos impactado pelo efeito das tarifas americanas já que passou ao largo desse problema”, avalia Frederico Leonel, head de sales and services da área de securities services do Citi Brasil.
Como grande produtor de commodities, o País deve assistir a uma recuperação dos investimentos internacionais em 2025, principalmente em renda fixa. “Ainda não vemos grandes possibilidades de entrada de recursos para a bolsa. De todo modo, não ficamos parados porque há sempre espaço para avançar e, quanto mais eficiente for o mercado, maior boa vontade haverá do investidor estrangeiro”, observa Leonel.
Na agenda do banco, que mantém a liderança no ranking de custódia para não residentes no Brasil, está o trabalho contínuo junto aos reguladores do mercado para estimular o fluxo externo de recursos, fundamental para o seu negócio. “Esse trabalho constante é o nosso diferencial aqui e no mundo. Procuramos explorar a presença global do banco e o seu conhecimento dos diversos mercados, o que permite diversos intercâmbios de informações”, afirma.
Em 2025, a prioridade das discussões regulatórias do banco está na possibilidade de trazer mais investidores estrangeiros ao Brasil por meio de operações de empréstimos de ações, modalidade de negócio que ainda têm um volume reduzido, conta Leonel. “Temos conversado com a B3 para explorar o nosso conhecimento de outros mercados e criar alternativas para esses investidores aqui. A bolsa está trabalhando em um processo paralelo ao que já existe nesse sentido e que permita agregar uma alternativa para a movimentação de garantias”, diz.
A mudança resolveria o problema dos investidores que sofrem restrições ao empréstimo de ações impostas pelas regras de seus países de origem. Para solucionar isso, a intenção é criar um segundo fluxo de garantias para o estrangeiro, com registros individualizados. “Com essa segregação de garantias, eles cumpririam as exigências em seus países sem aumentar o risco porque a B3 continuaria a ter o controle do fluxo. Isso pode trazer maior volume ao nosso mercado de ações porque a segregação de garantias traz melhor visibilidade”, aponta Leonel.
A mudança, ainda em discussão entre a B3 e o regulador, não seria para o curtíssimo prazo, mas há expectativa de que possa ser viabilizada em 2026. “Trabalhamos muito na idealização da estrutura com a bolsa e os investidores”, explica. A iniciativa traria maior liquidez ao mercado brasileiro e mais rentabilidade para os portfólios de ações no longo prazo.
Os ganhos no campo regulatório do mercado de investimentos são agora apenas pontuais, diz Leonel, uma vez que a legislação brasileira já vem melhorando expressivamente desde 2017. Ele cita como exemplo a questão do voto remoto em assembléias, por exemplo, “que era uma questão fundamental para nós e foi resolvida no ano passado, um ganho para todo o mercado”.
Em 2024, esse foi o principal tema de discussão regulatória, que contou com a participação ativa do Citi na modernização da regra para facilitar o voto remoto dos acionistas em assembléias, uma reivindicação que os não-residentes faziam há tempos. “Com a edição da Resolução CVM 204, em junho de 2024, houve inovações importantes que reduziram o número de intermediários no fluxo de informações e encurtaram o caminho do voto que vinha do investidor para o custodiante”, analisa Leonel.
A Resolução, que entrou em vigor no início deste ano, alterou as regras para o uso dos boletins de voto a distância (BVD), instrumento que busca facilitar a participação dos acionistas em assembleias. Com os ajustes, o acionista tem mais tempo para enviar o BVD. “A nova norma eliminou uma etapa do processo e com isso ganhou-se tempo. Ainda estamos compilando os dados sobre as assembléias de abril, mas caiu a zero o número de rejeições de pedidos para voto a distância por falta de documentação”, afirma. Outra melhoria importante foi a mudança no número de assembleias pois agora todas as assembléias gerais oferecem a possibilidade do voto remoto.
Há ainda um item relevante para atender o institucional brasileiro que é a diversificação internacional de seus portfólios. O Citi vê essa linha da diversificação como fundamental para ampliar o foco no segmento dos institucionais. “É uma busca que existe em maior ou menor grau, e a nossa presença em 63 diferentes mercados de serviços financeiros, com estruturas diversas, contribui tanto na captação de recursos externos para investimentos locais ou o caminho inverso, levando o investidor brasileiro para novos mercados como o sudeste asiático, China e América Latina, fugindo dos mais óbvios,”, afirma.
Apoio à criatividade local - O acesso à informação relevante, tempestiva e confiável é um elemento essencial para a decisão de investir e para a seleção de custodiantes, o que faz os investidores não residentes e locais se sentirem mais confortáveis, observa Maria Luiza Gregório Paiva, líder de securities services do BNP Paribas no Brasil e líder de desenvolvimento de clientes para América Latina. “Ser provedor de custódia é parte do core business da casa, uma área que já está muito madura, com US$ 13 trilhões em ativos sob custódia em 35 países e muito focada também em serviços para fundos e na expansão internacional de clientes brasileiros”, diz.
Essa posição está embasada em primeiro lugar na qualidade do capital humano na instituição, importante para entender mudanças como a do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) que está em discussão no Brasil, por exemplo”, afirma Paiva.
Será preciso compreender como serão os ajustes de fluxos e ter no custodiante um agente confiável para ser interlocutor nas discussões com as autoridades e com a bolsa. “No momento estamos unidos no âmbito da Anbima para discutir e entender qual será o impacto da mudança do IOF sobre os serviços de custódia para investidores estrangeiros, mas ainda não há conclusões”, diz.
A governança robusta do banco europeu, que tem forte presença na América Latina, os seus controles de riscos e o DNA mais conservador nos investimentos, têm sido fatores relevantes para alavancar os serviços de administração fiduciária e custódia. “Isso cria uma apreciação também para os gestores locais”, acredita.
A instituição é hoje o maior provedor de securities services na Europa e um dos cinco maiores globais. “Para nós, essa é uma das linhas mais importantes de negócios e ela vem crescendo em ritmo acelerado globalmente”, informa.
No Brasil, a área começou a ser desenvolvida em 2010, como custódia pura para os estrangeiros, “mas os institucionais domésticos são um público criativo e atraente demais para ficarmos limitados à oferta de custódia”, admite Paiva.
O movimento em direção aos institucionais brasileiros, com foco nos gestores de recursos, pretende “apoiá-los em sua criatividade e também combinar isso com os serviços que prestamos para os fundos offshore, em estruturas combinadas”, afirma.
Hoje o banco, que ocupa a terceira posição em custódia para não-residentes, atua com serviços para fundos de todas as classes e tipos, mas tem se especializado em ETF (fundos de índices). “O ano de 2024 não foi espetacular para os ETF, mas este ano temos visto uma série de estruturas diferentes com ativos incentivados e que poderiam caber em estruturas de ETF, mas o assunto ainda está em discussão”, diz.
O objetivo é alavancar cada vez mais sua presença em securities services para o mercado doméstico. De 2024 para cá, as discussões em torno da CVM 175 deram muito trabalho e desafios mas tiveram o efeito positivo de aproximar mais os gestores de seus prestadores de serviços, afirma Paiva. “Eles passaram a se apoiar mais em nós e com isso surgiram várias propostas. Essa proximidade resultou num projeto que estamos desenvolvendo há cerca de um ano e já está bem detalhado, com o objetivo de melhorar a conectividade e usar mais sistemas e aplicativos globais, trazendo isso pouco a pouco para a experiência dos clientes no mercado doméstico”, diz.
Para os não residentes, a experiência da tecnologia global já é um apoio importante, principalmente nos fundos estruturados, com o uso de robôs, Inteligência Artificial e nas comunicações. “Mas há muitas ferramentas que estão sendo trazidas para os gestores locais que são nossos clientes”, afirma.
Investidor asiático - “Nosso fluxo reflete e é afetado pelo panorama geral do mercado para os investidores não residentes no Brasil. No segundo semestre de 2024 houve mais ingresso de recursos, decorrente do aumento de juros no País, o que nos ajudou a crescer”, afirma Joo Lee, head da mesa internacional da Mirae Asset no País, corretora do conglomerado sul-coreano.
De lá para cá, o fluxo cresceu por conta do diferencial dos juros locais e internacionais, mas esse movimento de alocação não reflete ainda a plena confiança do investidor institucional estrangeiro no País, analisa Lee. “O juro tem funcionado como um anabolizante, é um fluxo de curto e médio prazo, que pode ser facilmente perdido no momento em que o juro começar a ser reduzido”, acredita.
Embora o mercado brasileiro esteja mais atrativo no momento, o investidor coreano – principal público da Mirae – sabe que esse panorama só será sustentável com a melhora da fragilidade fiscal e garantia de estabilidade institucional do País, aponta Lee. “Ainda não há uma perspectiva otimista para atrair hedge funds e a proposta do aumento do IOF, seja ou não aprovada, acendeu um alerta para os estrangeiros, que hoje são isentos desse imposto a não ser na venda de títulos públicos com menos de 30 dias”, afirma. Uma eventual volta do IOF seria um desastre e provocaria uma forte fuga de recursos, segundo Lee.
No momento, o Brasil é atraente pelo carry-trade do juro mas também pelo contraste com a situação macro global. “Há a guerra comercial promovida pelo governo Trump, mais taxações contra a China e muito ruído global. O Brasil poderá ser beneficiado ainda pelo aumento da demanda chinesa”, afirma.
Por ser uma instituição da Coréia do Sul, com escritórios na China, em Hong-Kong e em outros países do sudeste asiático, a Mirae atende principalmente os institucionais asiáticos, com destaque para os coreanos. “A matriz tem feito um trabalho adicional no escritório do Brasil para atrair recursos desses investidores. Temos uma estrutura mais robusta e uma custódia maior, graças à grande capilaridade da casa na Coréia”, explica. Os movimentos feitos pela matriz para impulsionar a venda de ativos brasileiros têm sido direcionados mais para a renda fixa. “Para o mercado de ações, seria necessário fazer estudos de cada uma das empresas a serem investidas, mas para o investidor pessoa física o acesso a essas informações não é tão fácil como para os institucionais”, lembra.
O acesso dos investidores via plataforma de trading para operar no Brasil ainda enfrenta limitações por questões regulatórias e de sistemas.” Para operar nos EUA e na Europa, o mercado asiático tem acesso às informações na palma da mão, mas aqui ainda não é tão simples. Estamos discutindo com a CVM e com a B3 a questão da representação legal dos não residentes, como facilitar o cadastro para operação no País”, informa Lee.
A edição, em dezembro de 2024, da Resolução Conjunta nº 13, do Bacen e da CVM, que entrou em vigor no início deste ano e substituiu a Resolução CMN 4.373, criou um novo marco legal do câmbio no que diz respeito aos investimentos dos não residentes. As novas regras, diz Lee, eliminaram os impeditivos e barreiras de custos para a entrada de pessoas físicas. “Aqui já nos adaptamos a isso porque os custos altos sumiram e hoje esse investidor não paga nada pela manutenção da conta. Foi uma demonstração clara do interesse da CVM pelo assunto, mas as questões tecnológicas e a dificuldade de interligação dos sistemas ainda não permitem a inter-conectividade entre as bolsas”, diz. A expectativa é de que com o surgimento de novas bolsas no Brasil, a competição traga melhorias tecnológicas que possam estimular o ingresso de não residentes.
As 20 maiores instituições custodiantes de recursos de não residentes em abril/25