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ASG quer ir da teoria à prática
Tema segue aquecido no debate entre as EFPCs, mas ainda carece de iniciativas práticas e definições mais robustas

Edição 377

silva devanir abrapp 25fev 01Introduzido em meados dos anos 2000, o conceito dos investimentos ASG – que leva em conta os aspectos ambiental, social e de governança na tomada de decisão dos investimentos – passou a gradualmente ganhar espaço nas discussões de alocação dos fundos de pensão nas últimas duas décadas.
Desde 2006, ao menos 14 fundações brasileiras já aderiram ao PRI (sigla em inglês para os Princípios para o Investimento Responsável), iniciativa da ONU que incentiva a adoção dos aspectos ASG nos processos de investimento, ao mesmo tempo em que as gestoras de recursos começaram a lançar fundos direcionados a esse novo nicho de mercado, em especial nas estratégias de ações e crédito privado.
Diante de uma conjuntura econômica de juros altos no Brasil que desestimula a alocação de risco, contudo, as iniciativas práticas voltadas aos critérios sustentáveis ainda não deslancharam entre os investidores institucionais da forma como poderiam.
“A percepção é que o tema em si continua relevante, as entidades seguem preocupadas. Mas não vi muitas diferenças, de alguns anos para cá, na questão do quanto elas conseguem endereçar essa preocupação”, afirma Guilherme Benites, consultor da Aditus.
Segundo ele, a própria limitação do mercado brasileiro em termos de ativos e produtos relacionados acaba prejudicando uma movimentação mais incisiva das fundações nessa direção. São poucos os fundos, muitas vezes com posições repetidas entre si, assinala o consultor.
Além disso, as taxas de títulos públicos indexados à inflação acima de 7% ao ano também não favorecem a busca por estratégias ESG. “Recentemente, as entidades tiraram muito risco da carteira. Os temas mais fáceis de relacionar à questão ESG diminuíram de tamanho por uma conjuntura que estamos vivendo de juros muito elevados, com o direcionamento para a renda fixa”, afirmou Benites.

benites guilherme aditus 19jun 02Dever intergeracional - Para o presidente da Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar), Devanir Silva, os critérios ESG são elementos do dever fiduciário intergeracional, fundamentais na mitigação de riscos sistêmicos e na preservação de retornos de longo prazo, independentemente das condições de juros.
“Portanto, ainda que juros elevados desacelerem a transição para portfólios ESG mais agressivos, não a impedem, pois a inclusão desses critérios está ocorrendo tanto por questão prudencial quanto por obrigações regulatórias”, afirmou o dirigente.
Devanir lembrou que a associação introduziu formalmente a governança ASG no setor a partir de 2006, aderindo ao Carbon Disclosure Project. “Progressivamente, foram e permanecem sendo publicados guias, políticas e relatórios de sustentabilidade, promovendo integração ASG e dever fiduciário junto às EFPCs.”
Conforme o dirigente, a Abrapp mantém relatórios consolidados – estatísticos e de sustentabilidade –, permitindo acompanhamento da evolução dessa classe de ativos, embora ainda não se identifique um montante específico dedicado apenas a investimentos ASG.
“A intenção da Abrapp é de não somente aumentar a quantidade, mas principalmente aperfeiçoar a qualidade da integração ASG, por meio de políticas, indicadores, relatórios comparativos e engajamento secundário, permitindo que as alocações sejam expressivas ao longo dos anos, mas garantindo segurança e retorno adequados”, afirmou o presidente da Abrapp.
A Resolução CMN 5202/2025 estabelece que as entidades devem “avaliar e dar transparência aos impactos ambientais, sociais ou de governança da carteira de investimentos dos planos de benefícios”.

ferreira joao carlos abrapp 24junTrês níveis de risco - Já o diretor vice-presidente responsável pela área de investimentos da Abrapp, João Carlos Ferreira, classificou a abordagem proposta pelo normativo “bem inteligente, porque envolve entidades de diferentes espectros, o que permite vivenciar diversas realidades, a fim de construir algo que considere o grau e a complexidade das entidades.”
Com o intuito de trazer uma regulamentação mais objetiva sobre a adoção desses critérios, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) tem provocado as entidades para a elaboração de medidas que possam ser acrescidas na próxima atualização da Resolução 23. O órgão regulador já promoveu encontros iniciais com as maiores fundações do sistema para tratar das possíveis ações a serem adotadas, com uma consulta pública prevista para o segundo semestre.
As ideias preliminares debatidas estabelecem até três níveis na análise de riscos e impactos ASG nas carteiras, classificados por relevância e materialidade, subdivididos em crédito, ações e alternativos (private equity e imóveis). “O setor de previdência complementar fechada precisa mudar a chave, sair de uma agenda indicativa de compromissos para ações afirmativas”, afirmou Ricardo Pena, diretor-superintendente da Previc.
Signatária do PRI desde janeiro de 2024, a Petros afirmou que está “constantemente empenhada” em incorporar critérios ambientais, sociais e de governança aos seus processos de análise, decisão e monitoramento de investimentos.
“A fundação entende que companhias que adotam as melhores práticas tendem a ser mais bem-sucedidas e proporcionam desempenho sustentável, perenidade e melhor relação risco-retorno”, disse a EFPC patrocinada pela Petrobras em posicionamento enviado à Investidor Institucional.
A Petros disse ter criado recentemente o Grupo de Trabalho ASGI, formado por representantes de todas as diretorias, responsável por definir prioridades e promover ações alinhadas a esses critérios em toda a fundação.
Um mapeamento identificou 72 ações ASG implementadas ou a serem implementadas na Petros, considerando todas as áreas da fundação. Entre as ações já implementadas, está um rating de avaliação e classificação que incorpora indicadores de sustentabilidade na avaliação econômico-financeira dos investimentos. A entidade também intensificou a incorporação de aspectos qualitativos e parâmetros quantitativos, com um diagnóstico mais amplo das empresas investidas.
Em relação aos debates do órgão regulador sobre as melhores práticas ASG, a Petros disse que “sempre acompanha os debates e busca contribuir tecnicamente com a construção de um marco regulatório que promova ainda mais clareza e segurança para as entidades fechadas de previdência complementar.”

puccetti luciana vivest 25jan FdoamareloAbordagem estruturada - Segundo a gerente executiva de renda variável e análise de investimentos da Vivest, Luciana Puccetti, a entidade adota uma abordagem estruturada para integrar critérios ASG à gestão de investimentos. “Embora não tenhamos uma classificação específica e ativos rotulados como ASG, os aspectos ambientais, sociais e de governança são considerados de forma sistemática na análise, seleção de gestores e acompanhamento das carteiras de renda variável, crédito privado e investimentos imobiliários”, afirmou Luciana.
Signatária do PRI desde 2011, a Vivest faz a integração desses aspectos de três maneiras: via impacto quantitativo, a partir do “score ASG”, uma carteira teórica que avalia o risco de ações e títulos de crédito com base nesses critérios; por meio da relação com as empresas, com o desenvolvimento de metodologia para o engajamento com investidas a respeito da integração de aspectos ASG nas atividades; e através do exercício do voto.
“Essa abordagem tem como objetivo não apenas mitigar riscos, mas também identificar oportunidades de negócio e influenciar positivamente as empresas investidas, estimulando um engajamento coletivo no mercado”, afirmou.
Luciana acrescentou que a contribuição para o trabalho da Previc se dará por meio do envio de documentação interna, como política de investimentos, normas e procedimentos operacionais para evidenciar a forma de integração dos aspectos ASG na Vivest. “Entendemos como essencial que a proposta seja submetida à consulta pública, permitindo um debate amplo e transparente com a sociedade e stakeholders do setor”, disse.
Já o diretor de investimentos do Postalis, Hugo Lancarter Mol, disse que a entidade ainda não possui investimentos diretos classificados como ASG em carteira. Ele afirmou estar em andamento neste momento um processo de avaliação e implementação de critérios para identificar e incluir esses ativos no portfólio, uma vez que o Postalis aderiu ao PRI em março de 2025.
“A política de investimentos prevê a observância das boas práticas de ASG que, atualmente, são aplicadas na avaliação qualitativa dos gestores de fundos de investimentos”, disse Mol. Segundo ele, o Postalis colabora com a Previc compartilhando experiências, boas práticas e desafios enfrentados na implementação dos critérios ASG. “O Instituto participa dos debates e iniciativas que possam contribuir para o aprimoramento regulatório, promovendo uma inclusão mais efetiva de critérios ASG na regulamentação do setor de previdência complementar.”

Desafio de definir ASG - Segundo o gerente de análise, planejamento e pesquisa da Funpresp-Exe, Fabiano Soares, a entidade dos servidores do Executivo também não conta com investimentos classificados como ASG na carteira, mas tem concentrado esforços na implementação de um conjunto de iniciativas para fomentar a prática. “A organização se comprometeu em implementar nas suas decisões e atividades a agenda ASG e já iniciou os estudos necessários para incorporar esses ativos na sua carteira”, afirmou o gerente
Ele ressaltou que há um intenso debate normativo e teórico sobre o conceito de sustentabilidade, que, na prática, é interpretado e aplicado nas análises de investimentos de maneiras distintas por cada instituição. Segundo ele, essa falta de consenso mostra que não há compreensão uniforme sobre o assunto, o que dificulta a concordância no estabelecimento de critérios para avaliar propostas e ações relacionadas à sustentabilidade.
“Há o desafio de definir o que é um ativo ASG no ambiente de investimentos. Apesar dos avanços recentes na legislação brasileira, ainda existem lacunas normativas, especialmente no que se refere à definição de taxonomia que proporcione segurança às entidades, patrocinadores e participantes sobre o que é ou não considerado ativo ou fundo ASG”, afirmou Soares.
O gerente da Funpresp-Exe acrescentou que o “número ainda limitado de fundos com horizonte temporal relevante oferece barreiras adicionais para as decisões de investimentos no curto prazo.”

Prevcom tem FIP com loja de açaí no portfólio
nascimento francis prevcom 24nov 02Na Fundação de Previdência Complementar do Estado de São Paulo (Prevcom), os investimentos classificados como ASG somam cerca de R$ 334,9 milhões, o que corresponde a 7,84% da carteira. Entre os investimentos, está o VBI Prime Properties -- Fundo de Investimento Imobiliário (PVBI11), fundo de lajes corporativas prime da VBI Real Estate rotulado como ASG pela Sitawi. Ele se compromete a ter 75% do portfólio investido em ativos com certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), sistema global de classificação para construções sustentáveis.
Há também o BNP Paribas Crédito Institucional IS, que considera a pegada de carbono das empresas investidas, e o Sulamérica Crédito ESG FI RF, além do FIP BTG Pactual Investimentos de Impacto (IS), que investe em companhias que “forneçam soluções escaláveis a desafios urgentes no Brasil.”
Alguns dos investimentos do FIP são na Oakberry, empresa focada na produção e distribuição de produtos à base de açaí, e que possui ações voltadas para o desenvolvimento e gestão sustentável da cadeia extrativista do fruto; e na Bioelements, focada no desenvolvimento, produção e comercialização de produtos biológicos e renováveis.
Segundo Francis Nascimento, diretora de investimentos da Prevcom, a entidade adota uma abordagem “estruturada e criteriosa” para classificar um fundo como ASG, considerando elementos como o grau de comprometimento do gestor com as práticas sustentáveis e o objetivo declarado do fundo, independentemente do foco específico em critérios ambientais, sociais ou de governança, mas desde que haja comprovação do impacto pretendido por meio de investimentos sustentáveis ou de uma metodologia ASG robusta.
A Prevcom também avalia a consistência e a transparência das informações disponibilizadas pelo gestor, com atenção especial à forma como são mensurados e reportados os resultados ASG.
“A Prevcom entende que a incorporação de critérios ambientais, sociais e de governança nos processos de investimento deixou de ser apenas uma boa prática e passou a constituir um dever fiduciário para os gestores de ativos, especialmente no âmbito das Entidades Fechadas de Previdência Complementar. Reconhecemos a importância estratégica dessa agenda e temos promovido de forma contínua a integração dos princípios ASG às políticas e prática de investimentos”, afirmou Francis.
“Nosso compromisso é aliar retorno financeiro consistente com impacto positivo na sociedade, no meio ambiente e na governança das empresas que investimos”, acrescentou ela.

Os 6 princípios do PRI
1. Incorporar critérios ASG na análise e na decisão de investimentos;
2. Ter uma gestão ativa, em que os critérios ASG sejam incorporados nas políticas e nas práticas;
3. Buscar divulgação adequada sobre questões ASG nas empresas investidas;
4. Promover a aceitação e a implementação dos princípios na indústria de investimentos;
5. Trabalhar para aumentar a eficácia na implementação dos princípios;
6. Relatar as atividades e o progresso na implementação dos princípios.