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Excesso de regulação prejudica as EFPCs _ Flavio Martins Rodrigues

Edição 377

rodrigues flavio martins bocater 24abr 02O Brasil possui o que se denomina modelo de previdência de múltiplos pilares. De forma resumida, pode-se afirmar que o nosso primeiro pilar é o Regime Geral de Previdência Social, administrado pelo INSS. O segundo pilar é a previdência corporativa, que recebe contribuições de empregados e empregadores, administrada por entidades fechadas e abertas de previdência complementar, bem como sociedades seguradoras. Por fim, o terceiro pilar recebe aportes dos empregados, sem aportes patronais, em contas individuais, e é também administrado por entidades fechadas (sobretudo, em planos instituídos) e por entidades abertas.
Nessa estrutura, é possível uma positiva competição no segundo e terceiro pilar entres os fundos de pensão e as sociedades anônimas de previdência aberta ou as companhias seguradoras.
Não existe qualquer diferença jurídico-conceitual para a gestão desses recursos de terceiros. Nos dois segmentos, são trabalhadores, pequenos poupadores. A Lei Complementar nº 109/2001 é única para toda a previdência complementar e possui um capítulo inicial comum aos dois segmentos.
O art. 3º da referida lei complementar traz os objetivos da ação do Estado brasileiro tanto para entidades fechadas quanto para abertas. A atuação estatal se volta a “disciplinar, coordenar e supervisionar [essas] atividades reguladas”; “determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial”; “assegurar aos participantes e assistidos o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos de benefícios”; “fiscalizar as entidades de previdência complementar, suas operações e aplicar penalidades”; e “proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios”.
Embora a lei complementar à Constituição Federal não distinga a ação do Estado nos dois segmentos, a realidade nos apresenta um quadro bastante diverso. A intervenção estatal, sobretudo por meio da regulação, é muito diferente para os fundos de pensão e para as entidades abertas. Para os fundos de pensão, há critérios rigorosos para o provimento de cargos diretivos (certificação e habilitação), para a instituição de novos planos, para alteração de regulamentos de planos, para a gestão administrativa etc.. De outro lado, a gestão das entidades abertas é bastante simplificada, com elementos facilitadores de toda a ordem.
Será que a União não atua de forma adequada em relação às entidades abertas? Ou é muito rigorosa com as entidades fechadas?
A nossa prática indica que há um excesso de zelo regulatório que vem limitando a oferta de novos planos em fundos de pensão e indicando a intenção patronal de retirada de patrocínio. Em dezembro de 2024, já havia mais recursos acumulados em planos previdenciários de entidades abertas (R$ 1,6 trilhões) do que em entidades fechadas (R$ 1,2 trilhão).
Devemos lembrar que a Lei Complementar nº 109/2001 determina que as entidades fechadas devem se organizar em pessoas jurídicas, obrigatoriamente, sem finalidades lucrativas. A mais importante vertente da proteção do participante está em incrementar os resultados de suas reservas. Ao menos em tese, os fundos de pensão seriam capazes de gerar benefícios complementares de maior valor, uma vez que parte das contribuições e do resultado dos seus investimentos não seriam utilizados para o lucro empresarial. As entidades fechadas deveriam liderar as captações, mas os números indicam o contrário.
O custo e o risco regulatório são fatores que pesam muito no mundo dos negócios. É preciso pessoal qualificado na atividade meio somente para a observância regulatória, muitas vezes com áreas que conferem e refazem trabalhos.
A reforma tributária recém aprovada se fundou na necessidade de reversão do alto custo operacional regulatório tributário brasileiro. O mesmo raciocínio aplica-se para as entidades fechadas. A regulação e sua consequente observância é remédio que, aplicado sem moderação, é capaz de comprometer a vida do paciente.
O crescimento da previdência fechada tem origem, quase que exclusivamente, da instituição de planos por Estados-federados e municípios. Contudo, essa situação decorre da imposição constitucional da previdência complementar e da ausência de norma que trate de planos com patrocinadores estatais em entidades abertas. De outro lado, as empresas privadas não demonstram interesse para enfrentar o cipoal de regras aplicadas às entidades fechadas e, cada vez mais, oferecem planos de benefícios em entidades abertas de previdência como forma de fomentar sua política de recursos humanos.
Bem sabemos que o tema não é fácil. A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) percebe essa dificuldade e busca algumas soluções, como a diferenciação fiscalizatória por segmentos. Contudo, precisamos de um esforço maior para a simplificação regulatória dos fundos de pensão.
A Resolução CGPC nº 13/2004 traz o conceito de que os fundos de pensão com operação e planos mais complexos devem possuir gestão mais robusta para atingir os seus objetivos. O mesmo norte poderia ser seguido pela regulação: regras mais complexas para ambientes de maiores riscos.
A ideia não é nova (aliás, longe disso). Na visão do filósofo grego Aristóteles, para a efetivação da Princípio da Isonomia, devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade.
É tempo de colocar esse tema como prioritário para que exista regulação equivalente e competição justa entre entidades fechadas e abertas, capaz de gerar melhores benefícios previdenciários para os participantes e assistidos.

Flavio Martins Rodrigues é sócio sênior de Bocater Advogados, mestre e especialista em previdência complementar