Edição 373
As idas e vindas do mercado de investimentos sustentáveis, incluindo o movimento de gestores dos EUA que saíram de programas globais, são naturais e o processo todo evolui no tempo, avalia Maria Eugênia Buosi, sócia de ESG Finance da consultoria KPMG. “Já vimos avanços e retrocessos. Em alguns momentos o debate pode até retroceder, mas não cessa porque o risco de não falar sobre isso é maior”, afirma.
Ela lembra que o mundo já passou por um governo Trump nos EUA e o discurso na ocasião era na mesma linha. “As empresas vão precisar ocupar o espaço deixado pelo governo dos EUA porque o risco reputacional dos governos é relativamente limitado, mas para as empresas não há esse limite, até porque a pressão vem de consumidores e de investidores no mundo todo”, afirma.
Na avaliação de Buosi, os recentes avanços regulatórios europeus ajudam a reduzir o tamanho de um possível retrocesso. “Houve um setback (revés) nos EUA e alguns bancos grandes e gestores como a BlackRock decidiram sair, mas em compensação os gestores de private equity e venture capital precisam encontrar investidores âncora, que são órgãos de governo aqui e lá fora. Para esses investidores, o tema ESG é condição sine qua non”, diz. Nessas duas classes, a sustentabilidade tem sido pré-requisito para a busca de capitais e é integrada aos processos de investimento.
Outro contraponto à posição dos EUA está nos avanços da regulação ESG europeia, cita a consultora. Entre eles, as novas normas globais IFRS S1 – General Requirements for Disclosure of Sustainability-related Financial Information e IFRS S2 – Climate-related Disclosures do International Sustainability Standards Board (ISSB), divulgadas em 2023, que trazem uma transformação fundamental nos padrões seguidos pelos relatórios de sustentabilidade das companhias. Com isso, os relatórios precisam fazer uma conexão clara entre os riscos e oportunidades financeiras e os riscos e oportunidades ligados à sustentabilidade e ao clima.
Hoje as companhias abertas já divulgam métricas ambientais nos seus relatos integrados, seguindo diretrizes do Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD) e do Conselho de Padrões Contábeis de Sustentabilidade (SASB, na sigla em inglês), mas as normas do ISSB exigem que os relatórios conectem esses aspectos às demonstrações financeiras.
As novas regras, que a partir de 2026 deverão ser adotadas obrigatoriamente por todas as companhias abertas listadas, vêm com disclosure financeiro, explica Buosi.. “Isso move a pauta de sustentabilidade do ponto de vista institucional e a coloca na agenda de finanças e de RI. A divulgação dos reports, agora atrelada às variáveis econômicas e financeiras, significa que as informações sobre sustentabilidade ficam mais integradas ao modelo de valoração e de finanças”, explica Buosi.
No Brasil a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou, no dia 20/10/2023, a Resolução CVM 193 que determina que as empresas brasileiras adotem as normas estabelecidas pelo ISSB como referência padrão. Desde janeiro de 2024 as companhias no Brasil passaram a ser encorajadas a adotar os modelos IFRS S1 e S2 de maneira voluntária, mas a partir de 2026 isso será obrigatório.
O Conselho Monetário Nacional (CMN), por sua vez, aprovou em novembro de 2024 a Resolução CMN nº 5.185, que requer que as instituições financeiras de maior porte elaborem e divulguem, juntamente com suas demonstrações financeiras, o relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, em conformidade com os pronunciamentos do ISSB. O objetivo é evitar assimetria de informações entre as instituições financeiras e as entidades reguladas pela CVM.
A taxação de carbono na fronteira, também conhecida como Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, sigla em inglês), é outro marco entre as iniciativas da União Europeia, observa Buosi. Por meio desse mecanismo, a partir de 2026 a UE cobrará por emissões de gases de efeito estufa embutidas em produtos importados. O objetivo é precificar as emissões de carbono associadas aos produtos importados. Há também o Green Deal Europeu ou Pacto Verde Europeu, o EUDR (Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento), uma nova lei que pretende combater o desmatamento global ao proibir a importação, pela UE, de produtos agropecuários que provenham de áreas desmatadas. “As empresas precisam comprovar a ausência de qualquer tipo de desmatamento e a lei deve entrar em vigor no final de 2025”, explica.
Menos greenwashing - Esses avanços regulatórios trazem maior robustez ao processo. Nesse ambiente, até mesmo os retrocessos como os ocorridos nos EUA acabam tendo um lado positivo “porque tiram do ambiente o discurso oportunista e o greenwashing”, acredita Buosi. Sob o ponto de vista do risco, os desastres e as emergências climáticas, assim como os abismos sociais, estão cada vez mais presentes. “Tanto como os temas de Inteligência Artificial, crises econômicas e conflitos armados, a questão dos riscos trazidos pelos desastres climáticos e as questões sociais não podem ser afastados”,diz.
A COP30, a ser realizada em Belém (PA) no próximo mês de novembro, a expectativa de maiores avanços está no tema da adaptação à mudança climática, avalia a consultora. “Já chegamos ao ponto de ter que discutir a agenda de adaptação à mudança climática porque estamos atingindo patamares críticos de aquecimento e de desastres”, afirma.
Além disso, a questão do financiamento para as ações de transição climática é outro ponto-chave do debate, até porque a transição não pode ser financiada apenas pelos governos. “A grande meta da COP30 é mobilizar para atrair capital para a economia de baixo carbono. Um estudo global da KPMG mostra a oportunidade de crescimento do setor financeiro e a estimativa de aporte de capital da ordem de US$ 1,5 trilhão no Brasil”, diz.
A economia brasileira, assim como a biodiversidade e a diversidade no País criam uma agenda única para investimentos, sugere Buosi. “Somos um potencial target para receber esse capital e precisamos estar preparados para isso”, afirma.
Mais teoria do que prática - A atitude dos grandes bancos e gestores dos EUA, que ainda antes da posse de Trump decidiram deixar programas globais de ESG, como a BlackRock, que anunciou sua saída da Net-Zero Asset Managers, entre outras instituições, “é mais teoria do que prática”, segundo avalia Gustavo Pimentel, sócio sênior e responsável pela área de finanças sustentáveis da Consultoria ERM Nint. “Eles estão se precavendo de eventuais ações dos Republicanos que os acusam de participar de “cartéis” internacionais anti-combustíveis fósseis. Mas isso não os impede de continuar a investir em ativos ESG”, diz Pimentel.
Ele lembra que os gestores dos EUA são players enormes - os seis maiores bancos do país abandonaram o grupo Net-Zero Banking Alliance -, mas na prática não estão saindo desse mercado e, ao contrário, continuam contribuindo com investimentos. “De todo modo, a maior parte do fluxo de recursos direcionado para ativos sustentáveis segue na Europa, segundo mostra recente reportagem do jornal Financial Times”, explica.
No Brasil, a realização da COP30 no País terá um efeito positivo para o mercado local de investimentos sustentáveis. “Estaremos sob os holofotes de todo o mundo. Além disso, o grande evento global do PRI (Principles for Responsible Investment) também será sediado pelo Brasil este ano, em São Paulo, uma semana antes da COP, o que traz a comunidade internacional para cá e força o investidor nacional a olhar mais para os temas ligados à sustentabilidade”, afirma Pimentel.
Em 2025, chegou a hora de “colocar a mão na massa” e colocar produtos sustentáveis em pé. Os bancos estão com maior volume de operações de títulos e alguns pontos que foram definidos recentemente, inclusive regulatórios, deverão começar a fazer efeito a partir deste ano, avalia o consultor.
No mercado de dívida ESG, 2024 já mostrou um fluxo crescente, aponta Pimentel. De acordo com o banco de dados de dívida ESG da ERM Nint, a estimativa é de que o montante de operações nesse mercado feche o balanço de 2024 com R$ 100 bilhões, um volume recorde.
Um dos fatores que devem impulsionar ainda mais operações em 2025 é o projeto Eco Invest, criado pelo governo brasileiro em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para atrair capital estrangeiro para projetos sustentáveis de longo prazo. Em novembro de 2024 o Tesouro Nacional fez o primeiro leilão do projeto, que alavancou R$ 45 bilhões em recursos privados a partir de um aporte de R$ 7 bilhões no modelo de blended finance.
O ano também será marcado pela aprovação da Taxonomia Sustentável Brasileira e maior protagonismo do mercado de capitais nos investimentos sustentáveis, acredita Pimentel. “É o momento certo para investir de modo a capturar retorno e medir riscos”, diz.
Do lado das companhias, será um momento decisivo por conta das novas normas do IFRS para a divulgação de informações de sustentabilidade. “2025 será o ano básico para os reports que serão divulgados a partir de 2026 dentro das novas regras e as empresas precisam estar preparadas para isso”, lembra Pimentel.