Edição 373
A demanda por ativos sustentáveis no Brasil está concentrada no mercado de crédito privado à medida que os juros sobem e tiram atratividade da renda variável. “Nossas principais estratégias ESG hoje estão em crédito e, em menor escala, em renda variável, acompanhando a demanda dos investidores diante do juro alto. Na renda variável, as empresas que têm maiores ratings ESG, são mais ligadas à economia doméstica e não ao dólar, o que tem piorado os resultados do ISE, mas começamos a ver maior interesse na parte do crédito”, diz Rodrigo Santoro Geraldes, head de renda variável da Bradesco Asset Management.
“O investimento em crédito era muito focado também nas empresas de capital aberto mas conforme o mercado foi evoluindo, aumentou o número de empresas fechadas e tivemos que evoluir em nossa metodologia para avaliar essas empresas”, conta. Isso inclui identificar eventuais litígios nas áreas social e ambiental, revisando as notas das empresas anualmente.
A mudança trouxe a necessidade de buscar e analisar informações além do que as companhias divulgam, o que implica em fazer uma varredura mais ampla junto a órgãos de governo e da Justiça.“A nossa equipe de análise ESG dobrou de tamanho, passando de um analista para dois, além de termos reforçado parcerias com provedores”, explica Geraldes. Além dos fundos com o selo de Investimento Sustentável da Anbima, ele conta que todos os fundos da casa integram os princípios ESG a suas carteiras.
O ano de 2024 foi forte para o crédito e para os mandatos exclusivos ESG para investidores institucionais, afirma Geraldes. A principal demanda ficou no crédito ESG mas também houve demanda de alguns institucionais para projetos específicos de impacto ligados ao reflorestamento. “Temos visto bastante oportunidade no mercado de carbono e há alternativas viáveis de produtos nessa área, mas ainda estamos estudando”, detalha.
A asset criou seu primeiro fundo sustentável em 2007, na classe de renda variável, lançou uma metodologia própria em 2012 e em seguida aderiu ao PRI. “O tema permeia todos os produtos da casa em renda variável ou crédito”,diz Geraldes. Hoje há 12 fundos com sufixo IS aprovados na Anbima e onze esperando por aprovação. Os fundos já aprovados totalizam R$ 1 bilhão e há mais R$ 900 milhões em fundos que aguardam aprovação. Além disso, há US$ 500 milhões em fundos offshore investidos pelo público estrangeiro e que seguem a regulação europeia (artigo 8º), informa.
Nos fundos abertos que têm o sufixo IS, há uma grande diversidade de setores, com análises feitas setor a setor e empresa a empresa, diz Geraldes. “Entre os flagships há por exemplo fundos de renda fixa para o investidor local e um fundo de sustentabilidade empresarial que só investe em empresas que são best in class”, diz. Há um fundo que adapta empresas com baixa emissão de carbono ou fazem investimentos em energia limpa, voltados a institucionais e desenhados exclusivamente de acordo com o cliente.Na avaliação de Felipe Abujadi Puppi, analista de investimento ESG da Bradesco Asset Management, o apetite tende a ser cada vez maior por projetos voltados à floresta amazônica, à bioeconomia e ao mercado de carbono. “Ainda é um movimento incipiente entre as assets em geral mas a tendência é que, depois de ter surgido mais forte em 2024, esse mercado cresça em 2025 por conta da COP30 no Brasil”, diz. Reflorestamento e economia de carbono , assim como a recuperação de pastagens são os temas em alta.
A asset sempre foi muito “pé no chão” em relação ao mercado de carbono porque não havia um mercado estabelecido de fato no Brasil, diz Puppi, e agora está acompanhando de perto o que já foi desenvolvido.
“A lei aprovada no final do ano e que prevê a criação dos mercados voluntário e regulado de carbono no Brasil ainda tem um longo caminho pela frente, que deverá levar de um a dois anos até que seja possível enxergar como será estruturado esse mercado”, observa Yara Borba Formigoni, analista de investimentos ESG.
Ela lembra que já há estudos que avaliam os impactos sobre a economia e que poderão ser incorporados agora às avaliações feitas pelos gestores. “Há um artigo na nova lei do marco regulatório do mercado de carbono que trata da obrigação de criação de um fundo de reserva de carbono para as seguradoras e para entidades de previdência privada, mas ainda não se sabe se a lei será revisada e se essa obrigação será factível, estamos procurando entender como nos posicionar a respeito”, explica a analista.
No que diz respeito à taxonomia sustentável brasileira (TSB), a gestora tem participado de grupos de discussão na Anbima que buscam encontrar formas mais ágeis de endereçar os investimentos com base na taxonomia, a exemplo do que acontece na Europa, diz Formigoni. “É uma taxonomia robusta a que está em consulta pública. Além disso, a COP30 impulsiona o andamento dos assuntos ligados à sustentabilidade e abre uma oportunidade para abordar as questões ligadas às práticas agrícolas e às exportações provenientes de áreas desmatadas”, pondera.
Materializar riscos - O desafio principal de 2025 na agenda de investimento ESG da JiveMauá, asset com R$ 19 bilhões sob gestão em ativos alternativos, será dar cada vez mais transparência e acuracidade à divulgação de informações sobre os riscos socioambientais envolvidos em seu processo de decisão de investimentos e o que é feito para mitigá-los, informa Juliana Pacheco, diretora de ESG.
A casa criou o Monitor ESG, painel que identifica o nível de risco socioambiental dos ativos investidos, e em 2024 passou a divulgar informações sobre esse processo nas lâminas disponíveis nos relatórios para os investidores.
O objetivo é dar maior transparência e materialidade a esse trabalho. O monitor é usado para mostrar ao investidor tudo o que está sendo feito em relação à mitigação de riscos ,porque esse desafio vai além da precificação de eventuais prejuízos. “O nosso objetivo é tentar materializar em impacto financeiro o potencial dano de um determinado investimento, que identificamos por meio de um sistema próprio de categorização de risco. Em 2025, queremos conectar tudo isso, dar mais transparência e acuracidade ao processo”, afirma Pacheco.
O ferramental utilizado passa por duas etapas. Uma delas é o filtro da área de sustentabilidade, que participa de todos os comitês de investimentos, duas vezes por semana. “Fazemos um mapa de risco procurando identificar os prejuízos que determinados danos podem provocar à carteira”, conta.
A partir daí, são categorizados os riscos, em níveis que vão de risco baixo até crítico. Em caso de ser feita uma ressalva da área de ESG para determinada operação, o comitê de risco perde a liberalidade de decidir, que passa ao comitê de executivo para deliberar, por sua vez, se o investimento será feito apesar da ressalva.
Na segunda etapa, se o risco socioambiental for considerado médio, a liberalidade para avaliar como lidar com esse risco fica com a área. Se o risco for alto, será necessária uma diligência, mas se ele for muito alto ou crítico, será obrigatório contratar uma diligência externa. Desse modo, a asset categoriza 100% de seus ativos e carimba os diferentes níveis de materialidade do risco.
Em 2024, explica a diretora, a casa enquadrou toda a sua grade de fundos às diretrizes ditadas pela Resolução CVM 175 e obteve o selo de integração ESG da Anbima. “Os investidores institucionais, sobretudo os internacionais, nos motivam a seguir aprimorando a questão dos impactos socioambientais”,afirma.
Marco regulatório - Colocado na pauta de sustentabilidade global, o Brasil avançou em pontos importantes no ano passado, quando aprovou a lei que estabelece o mercado de carbono e, por meio de seu artigo nº 56, exige que as seguradoras, resseguradoras e entidades de previdência complementar invistam no mínimo 1% de suas reservas técnicas e provisões anuais em ativos ambientais, avalia Renato Eid Tucci, head de estratégias beta e integração ESG da Itaú Asset Management.
“ Essa lei foi um marco mas é preciso agora construir os devidos arcabouços jurídico e regulatório. 2025 será o ano para construir esses conduítes que farão o dinheiro chegar até o mercado de investimentos sustentáveis”, afirma Eid. A taxonomia sustentável, que está em consulta pública até o final de janeiro, entrará depois em uma rodada de sugestões para acertar aspectos técnicos, lembra Eid. A expectativa é de que esse mecanismo esteja pronto no segundo semestre deste ano, para entrar em vigor em 2026.
“A asset já soma quase R$ 3 bilhões em fundos sustentáveis e os últimos 12 meses permitiram comprovar que é possível aliar o ESG a um retorno de mercado, incluindo rentabilidades de 109% do CDI”, diz Tucci.
A casa lançou em novembro um fundo ESG para investir em empresas que geram externalidades socioambientais positivas em suas atividades principais, o Itaú Active Fix ESG Horizonte, como saúde, educação, saneamento, energia renovável, gestão de resíduos, entre outros. “O fundo vai investir ao menos 10% de seu patrimônio em ativos de empresas que atuem na Amazônia legal (empresas com sede na área ou que tenham mais de 30% da receita gerada em atividade na região)”, explica. “A agenda ESG deve buscar sempre a inovação, é preciso entender as novas necessidades dos investidores”, diz.
As próximas novidades devem vir do mercado de carbono, que é um desenvolvimento natural nessa temática. “Mas isso vai exigir uma agenda a ser construída por meio da Anbima e da B3, com ações de promoção do tema”, afirma Tucci.
Entre as principais expectativas de 2025, a COP 30 tem destaque. “A COP 29 ficou abaixo do esperado mas na próxima vamos com uma agenda afinada entre o setor público e o privado para atingir os recursos necessários ao financiamento dos projetos”, diz.
O principal objetivo é conectar o dinheiro à realidade do ESG, ter uma agenda que traga de fato um plano de transição. Embora a taxonomia deva entrar em vigor apenas a partir de 2026, o mercado já tem ferramental para estabelecer esse plano. “A taxonomia vai permitir que tenhamos mais dados padronizados, o que ajudará a melhorar a comparabilidade”, aponta.
Florestas plantadas - Os fundos florestais, que estão entre os pioneiros do mercado a lidar com exigências socioambientais, começam a avaliar cautelosamente sua entrada no mercado de carbono. A Copa Investimentos, criada em 2012 como gestora especializada em fundos de florestas plantadas, já nasceu signatária do PRI, explica o sócio Apolonio Sales. “Hoje expandimos o escopo e fazemos também investimentos em imóveis rurais, assim como em outras culturas agrícolas, além de avaliar com cautela a nossa possível entrada no mercado de carbono”, diz.
Em 2025, o fundo Copa 5º, lançado em 2020/21, está em etapa final de alocação e a casa prepara o Copa 6º, que será igual ao 5º, com a diferença de que poderá ou não investir em créditos de carbono. “Já passamos pelo ciclo completo de investimento e desinvestimentos e devolvemos mais de R$ 2,5 bilhões aos investidores”, afirma Sales.
Com R$ 2 bilhões em ativos sob gestão, a casa tem uma longa convivência com os critérios de responsabilidade ESG. “Não é novidade para nós e o nosso primeiro fundo já tinha exigência de certificação em seu regulamento”, observa. Hoje todas as florestas pertencentes aos fundos geridos pela asset têm o padrão de certificação mais rígido, o do FSC (Forest Stewardship Council®) para manejo florestal, atestando que as atividades relacionadas à prática são ambientalmente adequadas, socialmente benéficas e economicamente viáveis.
A certificação inclui auditorias internas e externas e as exigências vão além da legislação ambiental. “Até porque os nossos investidores têm um perfil mais preocupado com isso e há também exigências em relação ao impacto social da empresa junto à comunidade. Temos controle sobre isso porque trabalhamos com equipes das próprias comunidades”, explica.
Entre os investidores, estão as family offices, EFPC, endowments brasileiros e alguns poucos estrangeiros. Pequena e focada em um nicho de mercado, a gestora considera que “a reputação é o nosso maior patrimônio”, diz Sales, e a base de clientes, em sua maioria, está com a casa há muito tempo.
A possibilidade de incluir o mercado de carbono no escopo de investimento do Copa 6º está sendo estudada com muita cautela neste momento, explica. “Há diversos projetos em análise e acompanhamos com atenção porque há vários tipos de carbono para negociar”, afirma.
Nos fundos florestais “puros”, uma parte relevante do retorno é originada pela venda da madeira, o que dá um significado diferente para a atitude do governo Trump em relação aos critérios ESG. “As medidas dos EUA vão afetar o mercado, mas a demanda por madeira seguirá forte e continuamos com uma perspectiva otimista já que nossos investimentos, por enquanto, estão principalmente em florestas plantadas e não em carbono”, explica.
Avanços e faltas - A letra “G” de governança, assim como as questões sociais (letra “S” na sigla ESG) ainda não são levadas tão a sério como deveriam por muitas empresas e ficam sem cobrança por parte dos gestores e dos investidores institucionais no Brasil, aponta Werner Roger, sócio fundador e diretor de investimentos da Trígono Capital, asset com foco em sustentabilidade.
A quarta edição do relatório de sustentabilidade divulgado pela casa no final de 2024 relata um resultado positivo sob o ponto de vista ambiental ao mostrar que houve uma redução de 34% nas emissões de carbono das empresas investidas por seus fundos no ano de 2023 em comparação com o ano anterior.
Em 2023, a emissão relativa de carbono das empresas investidas foi reduzida para 43,98 tCO2e por milhão de reais sob gestão, comparada a 66,91 tCO2e em 2022. Essa melhoria reflete os esforços de empresas como a Ferbasa, São Martinho e Tupy, segundo o levantamento.
“O relatório nos deixa bem na foto com esses dados, mas o ESG é muito mais do que isso. Também demos ênfase no relatório aos dados sobre os princípios de responsabilidade social, assim como os de governança, mas a realidade é que as empresas não se importam e ninguém fala nessas duas letras a não ser para inglês ver”, afirma.
O levantamento mostra avanços em governança. A Trígono indicou 27 conselheiros de administração e fiscais em 11 empresas, reforçando a presença de representantes independentes e a diversidade nos conselhos. Mas ainda há um longo caminho a percorrer pelas empresas, principalmente em relação à atuação dos conselhos e comitês, diz Roger.
Entre os aspectos que merecem mais atenção em governança ele cita a questão da remuneração, a necessidade de garantir a independência dos conselheiros e o problema do número excessivo de comitês em alguns casos. “Há os dois extremos: empresas com comitês demais e outras com nenhum. Há também alguns casos em que não se encontra mulheres nas diretorias”, diz.
Os investidores institucionais, acredita Roger, precisam começar a cobrar isso dos gestores e das companhias investidas. “Algumas empresas foram provocadas por nós e hoje têm seus relatórios de sustentabilidade, então a cobrança dos gestores funciona”, diz ele.
A consultoria ATA, que faz o relatório da Trígono, questionou algumas iniciativas sociais das empresas que não estão nos relatórios, explica Roger, e ele precisou interferir junto a elas para conseguir os dados. “Às vezes isso acontece por questões burocráticas, que poderiam ser facilmente resolvidas”, observa. “Se o mercado não cobrar itens de governança, as informações ESG ficarão muito concentradas no E de ambiental, especialmente nas emissões”, diz.
Entre as prioridades em questões de governança, ele aponta a representação adequada nos conselhos, porque faltam conselheiros que representem os minoritários, considerados “espiões” por alguns controladores. Outro ponto é ter pessoas com qualificação e competência nos conselhos; evitar ter conselheiros que atuam em vários conselhos, quando o ideal é que cada um deles esteja no máximo em três empresas.
“Os comitês são um apoio importante mas as pessoas não conseguem entender tudo e às vezes são os mesmos que rodam entre conselhos e comitês”, afirma. Falta ainda ter maior representação feminina, o que segundo Roger poderia até mesmo ajudar a dar uma visão diferenciada das questões sociais. “As EFPC e os RPPS raramente enviam mulheres aos conselhos e comitês, o que deveria mudar”, acredita.