Edição 376
Um grupo entre 30 e 40 regimes próprios de previdência social (RPPS) certificados pelo programa Pró-Gestão do Ministério da Previdência Social estão investindo ativamente em fundos de investimentos em participações (FIPs). Com limites que variam de 5% do patrimônio (níveis 1 e 2), 10% (nível 3) a até 15% (nível 4), este grupo de institutos de previdência municipais ou estaduais representam a principal fonte de captação de recursos dos gestores destes fundos estruturados.
A postura ativa dos regimes próprios destoa dos investimentos das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC). Com um patrimônio total muito maior, cerca de R$ 1,3 trilhão, segundo dados da Previc, os fundos de pensão praticamente travaram as aplicações neste tipo de veículo nos últimos anos. Já os institutos de previdência dos estados e municípios, mesmo com um patrimônio total muito menor, cerca de R$ 320 bilhões, estão muito mais ativos no segmento.
Um dos principais gestores do mercado de FIPs, a Vinci Compass, vem registrando forte apetite pelos regimes próprios. A captação de seu último fundo somou cerca de R$ 700 milhões em recursos de investidores institucionais, dos quais R$ 660 milhões foram provenientes dos RPPS. Apenas R$ 40 milhões vieram das entidades fechadas.
Marcelo Rabbat, sócio responsável pelo relacionamento do investidores institucionais locais da Vinci Compass, explica algumas das razões para o fenômeno. “O perfil atuarial dos RPPS é realmente de longo prazo. Eles ainda estão na fase de crescimento. Irão pagar benefícios lá na frente. Ainda estão subindo a montanha”, diz o gestor. Muitos institutos começaram a capitalizar recursos há apenas 5 ou 10 anos e possuem poucos compromissos com pagamento de benefícios.
É certo que muitos institutos apostam na aquisição de NTN-Bs com marcação a vencimento. Porém, existe o risco de reinvestimento dos pagamentos intermediários e do próprio vencimento dos títulos. “Os FIPs aparecem como alternativa para mitigar o risco de reinvestimento das NTN-Bs”, comenta Rabbat. Ele prevê que as “Bs” não devem manter os mesmos prêmios lá na frente na época do vencimento.
Já os fundos de pensão são entidades mais maduras em que os compromissos atuais com pagamentos de benefícios são mais elevados. “Uma grande parte dos fundos de pensão já está em fase de desacumulação”, diz.
Marcelo Gengo, sócio da Vinci Compass responsável pelo relacionamento com RPPS, lembra que os institutos também contam com regras mais claras para o investimento em FIPs. Ele informa que a gestora possui atualmente cerca de R$ 1 bilhão de recursos dos regimes próprios investidos em seus fundos de participações. O gestor lembra ainda das experiências mal-sucedidas dos fundos de pensão nos investimentos das safras de 2012 e 2013 em alguns FIPs.
Forte fluxo de aplicações - Keslley Romanelli Crispim, RI da Kinea PE, confirma o forte fluxo das aplicações dos RPPS em fundos estruturados. Atualmente, a gestora possui R$ 1,3 bilhão de recursos dos institutos estaduais e municipais de um total de R$ 5,4 bilhões investidos em seus FIPs. Outro R$ 1,8 bilhão é proveniente dos fundos do BNDES, totalizando R$ 7,2 bilhões nesses produtos da Kinea PE.
O fundo 4 da Kinea captou R$ 319 milhões junto a 14 RPPS. Já o fundo 5 da gestora recebeu recursos de 17 regimes próprios, totalizando compromissos de R$ 396 milhões desses investidores. Outros R$ 453 milhões foram captados desses institutos para um recente fundo de infraestrutura. Já as entidades fechadas representam cerca de R$ 700 milhões em ativos sob gestão da Kinea, a maior parte, representada por fundos mais antigos. “A procura pelos fundos de pensão praticamente está travada”, comenta Crispim.
O gestor da Kinea prevê que o apelo dos FIPs deve continuar em crescimento, pois o ciclo dos juros deve começar a fechar a partir de 2026. “O problema das NTN-Bs é o reinvestimento do cupom e o próprio vencimento”, aponta. Ele também coincide que o atuarial dos RPPS tem um horizonte de prazo muito maior que as entidades fechadas, o que permite a diversificação na direção dos fundos estruturados pelos regimes próprios.
Casos concretos - O Instituto de Previdência de Itajaí (IPI) de Santa Catarina é um exemplo de entidade que tem se movimentado na direção dos FIPs. O RPPS possui atualmente aplicações em FIPs de quatro gestores, que são os seguintes: Kinea, BTG Pactual, Vinci Compass e Pátria (distribuído pela XP). “Em 2023 começamos com o credenciamento dos gestores. E no ano passado iniciamos as aplicações nos primeiros FIPs”, comenta Jean Polidoro, diretor de investimentos do IPI.
Com um patrimônio de R$ 1,78 bilhão, os compromissos em FIPs representam 2%, ou seja, cerca de R$ 35 milhões. Até o momento, foram aportados R$ 20 milhões nos fundos. O Instituto de Itajaí possui a certificação Pró-Gestão nível 2 e, por isso, pode chegar a até 5% do patrimônio neste tipo de fundo. Em 2024, o instituto apresentou retorno global de 12,50% ante uma meta de 10,19%. O resultado positivo foi puxado pela carteira imunizada de NTN-Bs, que representa 75% dos recursos do fundo.
“Vamos alcançar o ponto de equilíbrio apenas em 2035. Então, podemos alongar nossas aplicações, pois contamos com maior horizonte de acumulação”, diz Polidoro. Ele conta que o instituto pode investir em produtos com horizonte de 10 anos sem problemas de liquidez. No momento, o gestor diz que não pretende ampliar os investimentos em FIPs, pois os prêmios das NTN-Bs e das LFs estão muito atrativos. Contudo, quando os juros começarem a ceder, devem voltar a entrar em novos FIPs.
Dos 4 fundos de participações investidos pelo RPPS de Itajaí, dois deles são de infraestrutura, e outros dois, são livres (multiestratégia). Cita o resultado positivo de um fundo da Kinea, com investimentos no setor de saneamento, cujas cotas dobraram de valor em menos de um ano após o início das aplicações, que aconteceu em março de 2024. Em outros FIPs, o gestor de Itajaí aponta que se sente os efeitos da curva J, mas que os retornos devem chegar mais adiante.
Jean Polidoro aponta que para a seleção dos fundos realiza-se a avaliação da capacidade e do histórico do gestor, além da análise do setor investido. Em alguns casos, o regime próprio tem realizado processo de due diligence para conhecer as empresas investidas pelos FIPs.
Navegantes - Com um patrimônio de R$ 468 milhões, o Instituto do município de Navegantes (SC) possui experiência com aplicações em FIPs desde 2019, quando selecionou um fundo do BTG Pactual. Até o final de 2024, o regime próprio mantinha o nível 2 do Pró-Gestão, o que permitia a aplicação de até 5% do patrimônio neste tipo de fundos. Agora, o instituto acabou de alcançar o nível 3, o que amplia o limite para até 10%. Alessandra Hoehn, Assessoria Financeira do Navegantes Prev, aponta as vantagens de se investir em FIPs. “A diversificação dos investimentos com a inclusão dos FIPs contribui para reduzir a volatilidade da carteira como um todo”, explica. Com um processo adequado de seleção dos gestores, ela indica que os FIPs em geral, têm grande potencial de rentabilidade a partir dos investimentos na reestruturação de empresas.
O próprio FIP do BTG Pactual escolhido pelo Navegantesprev apresentou retorno de 92% em dois anos. A forte valorização provocou até um problema “positivo” para o instituto que se viu em situação de desenquadramento. Agora que passou para o nível 3, o fundo se encontra abaixo do limite de FIPs, com cerca de 7,5% nesta modalidade de fundos. E pretende utilizar todo o limite, pois está selecionando novos produtos.
“Gostamos bastante do segmento de FIPs. Estamos analisando três novos fundos deste tipo neste momento. Percebemos que é um produto que oferece menor risco no longo prazo”, comenta Alessandra. “Também verificamos grandes avanços na regulação e fiscalização desses produtos nos últimos anos”, comenta. A entidade também promove a diversificação para multimercados estruturados, que representam atualmente cerca de 7,5% do patrimônio.
Outro RPPS que está alocando recursos em FIPs é o de São Vicente (SP). O instituto selecionou três fundos no ano passado dos seguintes gestores: Kinea, Vinci Compass e XP Investimentos. O nível de alocação atual é mínimo porque ainda ocorreram poucas chamadas de capital. O total comprometido com essa classe de ativos até o momento é de 1%. Na política de investimentos, o RPPS deixou um limite de até 2% em 2025.
O diretor superintendente do instituto de São Vicente, Marcelo Menegatti, ressalta que as análises são muito criteriosas e que até a finalização do processo de seleção, são realizadas inúmeras reuniões. Atualmente, a equipe do regime próprio está analisando outros três FIPs com possibilidade de serem selecionados.