Edição 376
O Fundiágua, fundo de pensão dos funcionários da empresa de saneamento de Brasília (Caesb), está tentando virar a página dos seguidos equacionamentos de déficit que marcaram o seu passado recente e avançar em temas mais estratégicos para o seu futuro. “Primeiro a gente tinha que reestruturar a casa para depois pensar em crescer, mas acho que conseguimos avançar bastante nesse processo de reestruturação e já podemos pensar em planos novos”, diz a presidente da entidade, Roberta Alves Zanatta, que assumiu o cargo em março do ano passado.
Ela veio da patrocinadora, a Caesb, onde exerceu por quatro anos o cargo de diretora de suporte a negócios. Era pela sua área que transitavam os normativos e os relatórios de auditorias da fundação, assim como os processos referentes aos vários planos de equacionamento de déficit da entidade. “Eu conhecia bem a entidade, mesmo antes de ser indicada para dirigi-la”, explica.
O Fundiágua possui três planos de benefícios. O plano I, de Benefício Definido (BD), com patrimônio de R$ 28 milhões e um pequeno equacionamento ainda em aberto, projetado para terminar em breve. O plano II, Saldado, é o mais problemático, com patrimônio de cerca de R$ 350 milhões e um passivo de R$ 600 milhões, carregando atualmente quatro equacionamentos em aberto, trazidos dos anos 2015, 2017, 2018 e 2019. Já o plano III, de Contribuição Definida (CD), possui patrimônio de R$ 900 milhões e foi criado nessa modalidade justamente para fugir do fantasma dos equacionamentos que assombra o Fundiágua e seus participantes há quase uma década. É o único aberto à entrada de novos participantes, atualmente.
O grande problema do Fundiágua, que resultou em seguidos anos de déficit atuarial e planos de equacionamento foram os investimentos mal-sucedidos, resultantes de análises inconsistentes, tomadas de decisões baseadas em processos frágeis e acompanhamento descuidado. Para Zanatta, que além de presidente da entidade é também a ARGR (Administradora Responsável pela Gestão de Riscos), a implementação de processos robustos de análise, de tomada de decisão e de acompanhamento é requisito “sine qua non” para uma carteira de investimentos rentável.
Dupla missão - Felizmente, quando Zanatta chegou à fundação, em 2024, esse processo de melhoria dos processos já estava em andamento. Dois anos antes, em 2022, a entidade havia contratado um novo diretor de investimentos cuja missão era dupla: ao mesmo tempo em que deveria buscar reorganizar e rentabilizar as carteiras da fundação também deveria estruturar um arcabouço interno de normativos para garantir processos claros de investimentos e desinvestimentos, seleção transparente de gestoras, de custodiantes, de administradoras e de corretoras, e separação das áreas de compliance e risco.“Temos atualmente cinco normativos disciplinando esses processos. E nossa política de alçadas para decisão já está em sua décima primeira versão”, explica o diretor financeiro da fundação e também AETQ (Administrador Estatutário Tecnicamente Qualificado), Rodrigo Souza Araújo. Ele veio da Funcef, onde esteve por 10 anos, nove dos quais na posição de gerente de renda variável. “Eu falei para a antiga diretoria, quando fui contratado, não adianta querer resolver os equacionamentos atuais sem reestruturar a área da gestão, senão esses equacionamentos acabam e a gente entra em novos”, relembra.
Juntamente com a normatização dos processos de investimento Araújo tem se dedicado reestruturar carteira de investimentos da entidade. Uma das suas prioridades tem sido se desfazer de ativos ilíquidos, muitos deles com problemas judiciais ou risco de incumbência, que geraram prejuízos para a entidade. São debêntures, CCB (Cédula de Crédito Bancário) CCI (Cédula de Crédito Imobiliário), além de imóveis. Muitos estão provisionados, e à medida que vão sendo liberados a entidade os tem vendido, alguns com deságio inclusive.
Grande parte dos imóveis foram recebido pela entidade, no passado, em pagamento de dívidas problemáticas. “Um deles, inclusive, era na minha cidade, Curitiba. Um dia fiquei curiosa e resolvi visitá-lo. Era um prédio excelente, tinha ótima localização, mas tinha uma dificuldade muito grande de comercialização devido à baixa liquidez do setor numa conjuntura de juros altos”, diz Zanatta. O oferecimento de deságios têm sido a maneira de livrar-se deles.
Os recursos obtidos com a venda desses ativos ilíquidos tem sido, invariavelmente, a compra de títulos públicos a serem marcados na curva ou, até mesmo, serem mantidos em caixa rendendo acima da meta atuarial. A liberação desses ativos ilíquidos para a comercialização não foi um trabalho simples nem rápido. Ao contrário, foi complexo e demorado. “É resultado de um trabalho de reestruturação feito nos últimos três anos, entendendo as peculiaridades de cada um desses ilíquidos, adequando-os ao mercado e a seguir buscando potenciais compradores”, explica Araújo. “Todo ano conseguimos vender dois ou três deles”, explica Araújo.
Rentabilidade - Juntamente com o retorno normal das carteiras, a venda desses ilíquidos têm conseguido incrementar a rentabilidades dos planos. No acumulado de 12 meses, o BD rendeu 10,44% contra 10,33% de meta, enquanto o Saudado rendeu 13,68% contra uma meta de 10,29%. “Quando a gente recupera um ativo, a rentabilidade do plano fica muito boa. É isso que explica a ótima performance do plano Saudado no período”, explica Araújo. Ainda em 12 meses, a rentabilidade do CD ficou em 8,95% contra índice referencial de 9,62%. “No CD, a gente tinha uma parte em multimercados, que foi afetada tanto pela Bolsa quanto pela renda fixa marcada a mercado”.
Nos 12 meses do ano calendário de 2024, o Fundiágua teve uma rentabilidade de 9,93% no BD, de 13,98% no Saudado e de 8,05% no CD, para metas 9,86%, 9,84% e 9,17%, respectivamente. No primeiro trimestre deste ano, o retorno foi de 3,4% no BD, 3,11% no Saudado e 3,28% no CD, contra metas e índice de referência de 3,23%, 3,21% e 3,05%, respectivamente.
Em termos de alocação, o plano BD tem hoje 90% em títulos públicos marcados na curva e cerca de 10% em caixa e empréstimos ao participante. No plano Saudado, são 80% de títulos públicos marcados na curva, cerca de 8% em ativos ilíquidos problemáticos e mais 12% em caixa. “Essa aplicação em caixa facilita demais a nossa vida, sempre que eu preciso de recursos para pagar benefícios eu lanço mão desses investimentos”, explica Araújo. Já no plano CD são 40% da carteira em caixa, 35% em títulos marcados a mercado e cerca de 15% em multimercados estruturados, que embutem ativos de risco como renda variável, moedas etc.
Novos planos - Apesar do conservadorismo da carteira, o Fundiágua não está absolutamente tranquilo com essa distribuição dos ativos. “Quando você roda a fronteira eficiente, o modelo manda colocar tudo em caixa, gerando ganhos de 14,75% ao ano com volatilidade zero, mas isso não dura para sempre. Então, dependendo do cenário, em uns seis meses a gente começa a reduzir essa nossa posição de caixa e volta a fazer novas alocações de risco novamente”.
Outra coisa que está no radar do Fundiágua é a ampliação do número de participantes, uma vez que a patrocinadora já sinalizou com a possibilidade de contratar até 300 pessoas nos próximos dois anos. Segundo Zanatta, “não serão contrações de nível chão de fábrica”, mas em cargos “relevantes”. Ela diz que, embora a adesão automática seja um recurso importante para trazer novos participantes para o sistema de previdência complementar, não é o mais importante no caso do Fundiágua. “O mais importante pra nós é o incentivo dado pela patrocinadora, que paga a maior parte do plano de saúde dos funcionários desde que ele faça parte da fundação, que abriga o plano de saúde”.
Além disso, a fundação está desenvolvendo estudos para criar um plano instituído, e já está em busca de novos patrocinadores para ele. “Nós já estamos buscando outros patrocinadores, trabalhando na constituição do novo plano, investindo em sistemas para modernizar o nosso sistema de tecnologia para poder abarcar esse novo plano”, conta Zanata sem dar maiores detalhes.