Edição 373
O ano de 2025 começou com um cenário de expectativas positivas em relação à agenda de finanças sustentáveis no Brasil, a começar pela criação da Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB) e pela regulamentação do mercado de carbono no País.
A “cereja do bolo”, contudo, será a realização da COP30 em Belém (PA), no mês de novembro. Mas, a despeito do incentivo trazido por esses eventos, a agenda brasileira de ESG (sigla em inglês para práticas de responsabilidade ambiental, social e de governança) enfrenta os efeitos de uma onda de choque vinda dos EUA e que tem repercussão global.
As medidas anunciadas em janeiro pelo governo Trump seguem o modelo “rolo compressor” e ameaçam os investimentos sustentáveis no planeta. A direção é clara e reafirma o movimento que já havia sido iniciado por bancos americanos que bateram em retirada dos programas climáticos globais em 2024. Com a saída dos EUA do Acordo de Paris, a revogação de algumas medidas ambientais do governo Biden e a intenção de incentivar a indústria de combustíveis fósseis em detrimento da transição para energias renováveis, o cenário global tende a mudar.
Para os gestores de recursos voltados ao investimento sustentável, entretanto, o impacto da mudança precisa ser avaliado com um olhar mais cuidadoso. De acordo com Fábio Alperowitch, sócio fundador da Fama Re.capital, não é novidade o que pensa Trump sobre a questão climática, assim como outros assuntos como a imigração e os direitos LGBTQ, mas neste seu segundo mandato ele vem com mais força, um agravante em comparação ao primeiro mandato, que já havia sido crítico para o meio ambiente.
“Agora ele vem bem mais radical, sem freios e sem contraponto, depois de uma vitória massacrante. Ele entende que tem apoio da população, das empresas, dos bilionários e apoio explícito das big techs, assim como o suporte da Câmara e do Senado, então esse será um grande desafio”, diz.
Paradoxo - Por outro lado, acredita Alperowitch, é preciso lembrar que o período de 2017 a 2020, primeiro mandato de Trump, foi aquele em que o ESG floresceu no mundo, até como reação das pessoas e das empresas ao discurso duro dos EUA na época. “A agenda ESG começou a ganhar corpo nos EUA em 2017, cresceu e explodiu em 2020. Já no governo Biden, ela começou a refluir”, lembra. O que parece um paradoxo seria, na verdade, uma reação à existência de uma força contrária poderosa.
Além disso, diz o gestor, a questão climática deixou de ser baseada apenas em projeções científicas e hoje as coisas estão acontecendo, como os incêndios na Califórnia e outros desastres em diversas partes do mundo, com prejuízos bilionários. “Trump pode se esconder durante algum tempo atrás de narrativas falsas, mas nem ele é mais forte do que a natureza”, diz.
“Há também o fato de que EUA e China vivem hoje quase uma guerra fria e há disputas de liderança entre os dois países”, aponta Alperowitch. O espaço que será abandonado pelos EUA na agenda climática poderá ser ocupado pela China, que já foi vista como um grande poluidor, mas hoje é o país que mais refloresta no mundo, é o que mais investe em energia limpa no mundo. Há, portanto, uma questão geopolítica a ser considerada.
A perspectiva é na verdade positiva para os gestores de investimentos ligados ao tema, acredita Alperowitch, porque haverá maior demanda dos investidores europeus, asiáticos e outros por ativos alinhados ao clima. “Todos já sabem que terão que fazer mais, porque estamos todos no mesmo planeta”, afirma.
Para os grandes fundos de pensão brasileiros, que há dois anos mal conseguiam formular perguntas sobre investimentos ESG, o panorama mudou de seis meses para cá. “Esses investidores entenderam o tamanho do gap e a importância de fazer a gestão do risco a que seus portfólios estão expostos”, afirma.
Em 2024, ilustra Alperowitch, grande parte do risco foi investido nos Fiagros, com uma perspectiva de retorno interessante sem volatilidade. “Mas esses retornos foram dizimados porque faltou mapear o risco climático que estava envolvido. Esse é um aspecto que está em crescimento agora”, conta.O setor agrícola tem sido um dos principais focos de investimento do fundo turnaround climático da Fama, criado no início de 2024, explica Tiago Gomes, sócio e head do LatAm Climate Turnaround Fund. O fundo é um FIA sustentável que investe em empresas que são grandes emissoras de gases de efeito estufa com o objetivo de descarbonizar suas operações.
É um fundo ativista, ou de engajamento, que conta atualmente com investimentos na SLC Agrícola, gigante produtora de commodities e na Marfrig, aporte feito em setembro, “O investimento na Marfrig também foi emblemático, uma empresa com grande receptividade ao engajamento no contexto do desmatamento, especialmente no Cerrado e na Amazônia”, diz Gomes. A aposta do fundo é na rastreabilidade e controle de desmatamento ilegal da pecuária.
O terceiro investimento, que está perto de ser concluído, segundo o gestor, será feito em uma instituição financeira com o objetivo de aumentar a resiliência de seu balanço no financiamento agrícola. Gomes lembra que o financiamento do setor agro é muito convencional e demora mais para transitar em direção a práticas regenerativas. “Nossa ideia é ajudar a confeccionar linhas de financiamento mais flexíveis”, diz.
“Apesar do período difícil para o mercado de equities em 2024, o fundo fechou o ano 10,5 pontos acima do Ibovespa e 23 pontos acima do índice de small caps”, diz Alperowitch. “A hora é propícia para atrair capital dos fundos de pensão, o que é o nosso objetivo para 2025. O fundo está bem alinhado com a meta de transformar o clima em oportunidade financeira”,afirma.
A “onda” e o cenário - A “onda” ESG tem seus altos e baixos e hoje a oscilação para baixo vem principalmente dos EUA, que tem questionado o tema, analisa Luzia Hirata, gerente ESG da Santander Asset Management. “Mas isso faz parte do processo. Em 2024 tivemos um ano desafiador porque há questões de impacto climático muito presentes e é preciso pensar estratégias voltadas à transição climática”, observa.
No Brasil, a realização da COP30 será o ponto alto do calendário ESG, assim como as discussões para a regulação do mercado de carbono e a aprovação da primeira taxonomia brasileira. “Isso será fundamental para ajudar a definir projetos, é muito bem vinda a taxonomia e há vários ministérios e associações participando desse debate. Nós temos tido voz ativa na discussão”, afirma.
Na avaliação de Hirata, há muita coisa importante acontecendo este ano no panorama dos investimentos ESG, a despeito da posição dos EUA e da atitude de gestoras daquele país, que foram pressionadas em alguns estados americanos para sair dos programas globais de investimentos sustentáveis. “É fundamental olhar para o cenário como um todo”, afirma.
Os juros mais elevados, que têm criado oportunidades no mercado de renda fixa, trouxeram também uma guinada no perfil dos investimentos ESG. O principal foco, que originalmente era na renda variável, mais recentemente passou para os fundos de crédito privado, lembra Hirata. Na asset, a janela de oportunidade criada pelos juros levou ao lançamento, em agosto passado, de um fundo exclusivo de crédito privado com métricas ESG, desenhado junto com o cliente, a Generali Brasil Seguros S.A.
O fundo foi lançado como exclusivo mas deverá ser aberto em breve, até o final de janeiro, informa Hirata, e ficará disponível também para investidores institucionais. Ele está alinhado com a regulação europeia de investimentos sustentáveis, mais próximo das exigências feitas para os fundos regulados pelo artigo 8º do SFDR (Sustainable Finance Disclosure Regulation ou Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis).
Essa categoria de fundos, também conhecida como “verde claro”, inclui estratégias que promovem investimentos com características sociais e ambientais sustentáveis, mas não tem o investimento sustentável como objetivo, o que caracteriza os fundos do artigo 9º, também conhecidos como “verde-escuro”.
Apesar de seguir as regras da Anbima, porque que seus ativos são locais, o fundo ganhou uma camada a mais de regras para ficar alinhado às exigências do regulador europeu. “Ele vai ter o sufixo IS da Anbima, mas o nosso time de Madri quis colocar uma camada adicional porque eles se preocupam muito com o risco de greenwashing. O resultado é um fundo do artigo 8º que também é um pouco mais “verde-escuro”, explica.
O trabalho para lançar um produto alinhado com o regulador europeu reflete o interesse do grupo Santander na América Latina, região em que o Brasil é o destaque. “O principal foco é na Europa, mas há um interesse enorme em aumentar o AuM na América Latina como um todo e o Brasil é o maior desses mercados. Queremos melhorar a cobertura local e já temos conversado com o nosso provedor sobre isso”, afirma Hirata.
Ela explica que o desafio da sustentabilidade no crédito privado envolve uma atenção especial na avaliação dos ativos. Isso porque os fundos de renda variável têm um pouco mais de flexibilidade na troca de ativos do que acontece no caso do crédito privado, uma classe que não permite trocas tão dinâmicas. “O risco de crédito exige um cuidado maior, principalmente nas questões socioambientais. Olhamos muito atentamente para as companhias em que estamos posicionados porque a saída de um ativo não é tão simples”, observa.
“No crédito, ao contrário do que acontece com as companhias de capital aberto, nem sempre podemos contar com a transparência e a divulgação de relatórios com informações atualizadas, porque alguns emissores não terão o mesmo nível de divulgação de informações”, lembra Hirata.
Descarbonização acelerada - Entre as instituições europeias, o engajamento permanece do lado dos investimentos sustentáveis. “Continuamos cada vez mais engajados, reduzindo posições do lado de combustíveis fósseis e afirmando nosso compromisso com o Acordo de Paris”, diz Henri Rysman de Lockerente, head e gestor de fundos de crédito privado da BNP Paribas Asset Management no Brasil.
Ele avalia que quem é engajado com o tema vai continuar assim, até porque as catástrofes naturais dos últimos meses não deixam faltar exemplos. Entre eles, os incêndios florestais na Califórnia, que são os desastres climáticos mais recentes. “Esse é um triste exemplo do impacto da questão climática sobre a economia. Deveria ser cada vez mais importante fortalecer o engajamento com o Acordo de Paris, as metas de descarbonização e a net-zero”, afirma o gestor.
A agenda global da asset está voltada para ter todas as suas carteiras de investimento dentro das metas da net-zero até 2040. “Já não temos qualquer exposição a combustíveis fósseis nos nossos fundos de crédito. E o Brasil, como uma das economias mais verdes do planeta, nos dá a oportunidade de descarbonizar mais rapidamente as nossas carteiras”, diz Lockerente.
Ele lembra que a indústria de fundos no Brasil passou por uma “virada” importante e hoje 63% dos fundos de investimento com o sufixo IS (Investimento Sustentável) estão na classe de renda fixa. Em 2024, os fundos rotulados como sustentáveis da indústria tiveram captação nova de R$ 11 bilhões, além de terem crescido em número de produtos, hoje em torno de 260 contra 134 no ano anterior. “Se olharmos sob a ótica do copo meio cheio/meio vazio, a verdade é que esses fundos representam ainda menos de 3% do total no Brasil, enquanto na União Europeia esse percentual chega a 50%, conta.
Apesar de 2024 ter sido um ano relevante para a criação e captação de fundos sustentáveis, ainda há muito potencial de crescimento tanto dos fundos com sufixo IS como aqueles que integram o ESG às suas estratégias, aponta Lockerente. “Na asset, que já tem dez fundos com o sufixo IS, as nossas estratégias de crédito são super high grade e seguimos nesse modelo, com a vantagem de contarmos com um time de 35 pessoas fazendo análise de mais de 12 mil emissores”, afirma.
Em 2025, o objetivo é enquadrar como ESG todos os fundos abertos de crédito da casa, seja como produtos IS ou de integração ESG. “Estamos em fase final de classificação na Anbima para três fundos grandes de integração. Na BNP Paribas na Europa, 95% dos fundos já estão classificados como sustentáveis, seja no artigo 8º ou no artigo 9º, então o nosso objetivo aqui no Brasil é factível”, explica. Hoje,dos dez fundos IS da asset no País, sete são de crédito e há um fundo IS para institucionais.
“Em 2023 ficou bem evidenciado o alpha que esses fundos entregaram porque eles adicionaram uma camada extra de redução do risco de crédito, com um avaliação rigorosa de governança. Saímos ilesos dos eventos de crédito daquele ano por conta da questão da governança”, diz. O ano de 2024 foi de recuperação do mercado de crédito,com alpha adequado e volatilidade extremamente baixa. “Tivemos um dos melhores risco/retorno da indústria”, assegura Lockerente.
A casa pretende que 2025 seja o ano dos fundos exclusivos para institucionais. “Lançamos em 2024 um mandato aberto para o institucional estrangeiro mas este ano chegou a vez dos institucionais brasileiros porque muitos deles já entraram nos fundos abertos e agora, depois de terem conhecido o nosso modo de gestão, acreditamos que haja espaço para lançar fundos exclusivos”, afirma.
Tanto a COP30 como o lançamento da primeira taxonomia sustentável brasileira poderão impulsionar a temática ESG nos planos dos investidores institucionais locais, acredita o gestor. Além disso, ele observa que o ano ainda será positivo para o crédito, porém com fluxo e emissões mais controlados. Somado ao avanço da taxonomia, isso deve resultar em maior número de emissões sustentáveis de crédito privado, que seriam um diferencial importante para o investidor. “A conclusão da consulta pública da taxonomia, esperada para março, assim como a versão final da COP30 devem trazer maior clareza para os emissores”, aponta Lockerente.
No cerne das discussões - A Régia Capital, gestora especializada em investimentos sustentáveis constituída em 2024 por meio de associação entre a BB Asset e a gestora JGP, nasceu com R$ 3,5 bilhões e superou em janeiro de 2025 a marca dos R$ 4 bilhões sob gestão em fundos de investimento, tendo transferido todos os fundos de crédito da JGP para a nova casa, assim como alguns FIDCs. “A força de distribuição do BB tem sido fundamental para a boa captação dos fundos, diz Guilherme Bragança, sócio e diretor comercial da nova casa e head de Relações com Investidores da JGP.
A expectativa é encerrar 2025 com R$ 17 bilhões em ativos sob gestão entre fundos de crédito high grade e high yield, FIDCs, fundos de ações, private equity e venture capital. “E a meta é chegar a R$ 32 bilhões sob gestão em 2027”, informa.
A gestora foi criada para ser um hub de investimentos sustentáveis e hoje inclui em sua grade três FIDCs – dois de energia renovável e um de agrofloresta, voltado para a restauração produtiva -, além de mais quatro fundos dessa classe que estão em processo de transferência da JGP ou em constituição na própria Régia, todos voltados a investimentos em energia renovável. Na classe de crédito, já há oito fundos na casa. “Até o final do primeiro trimestre, esperamos ter todos os fundos transferidos, sendo que a classe mais demorada nesse processo é a dos fundos de ações, cuja adaptação é um pouco mais lenta”, diz Bragança.
Parte importante da aposta no crescimento rápido está no FIP (Fundo de Investimento em Participações) que irá investir ao menos R$ 1 bilhão em minerais críticos para a transição energética. A asset venceu a concorrência da Vale e do BNDES no ano passado e espera sair com o fundo para captação ainda no primeiro semestre deste ano.
“Há interesses soberanos, interesses estratégicos de empresas, bancos de desenvolvimento e alocadores em busca de opções para fundos de fundos e fundos exclusivos, além de vários investidores de wealth management”, diz. Essa demanda tem criado um movimento de busca por ativos alternativos diferenciados”, diz. Outra aposta para atrair capital são os investimentos em bioeconomia.
Este ano será forte na estruturação de instrumentos financeiros e criação de fundos e já há muito capital chancelado para isso, avalia Bragança. “A regulação ainda está se moldando mas é muito claro que a demanda está acelerando graças à redução ou compensação das emissões de carbono”, diz.
A tendência é de que cresça o escrutínio sobre os grandes emissores e o Brasil está bem posicionado porque é mega diverso e tem um mercado financeiro bem estruturado. “Estamos no cerne das principais discussões sobre ESG e temos agora a placa forte do BB, cuja agenda para investir em ativos sustentáveis é contundente até 2028”, avalia.