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2025: o ano da dominância política _ Ragnar Chaves

Edição 373

Chaves,Ragnar(Icatu) 25fevNo dia 18 de setembro de 2024, motivado pela confiança no processo de desinflação, o banco central norte-americano (Fed) decidiu iniciar a redução do grau de restrição da política monetária, diminuindo a taxa básica de juros (Fed Funds) em 100 pontos-base ao longo das últimas três reuniões do ano. Desde então, os vértices mais longos da curva de juros apresentaram alta relevante, movimento incomum em períodos de redução da taxa básica de juros.
Nas últimas décadas, a leitura da política monetária como mais ou menos restritiva deixou de ser centrada nos juros de curto prazo e passou a englobar uma série de fatores, a fim de refletir o impacto das decisões dos bancos centrais nos canais de transmissão da política monetária. A análise de indicadores que buscam agregar esses fatores, como os famosos índices de condições financeiras, revela que apesar da redução da Fed Funds, a política monetária tornou-se mais restritiva desde setembro, por conta da abertura dos juros longos e da apreciação do dólar.
O descompasso entre as decisões recentes do Fed e as condições financeiras sugere o domínio de fatores além da atuação da autoridade monetária sobre a dinâmica de preços dos ativos financeiros, especialmente o fator político. Se durante os últimos anos a atenção dos mercados fora centrada nas decisões de política monetária em resposta ao desempenho da atividade econômica e da inflação, agora, o foco está nos rumos da política econômica do Governo e seus efeitos nas variáveis mencionadas, sobretudo na inflação.
Donald Trump deixou claro desde a campanha presidencial o seu desejo de usar a política de tarifas sobre as importações para (1) financiar a política fiscal expansionista e (2) negociar interesses nacionais. Até o momento, o que se observou foi a imposição de tarifas sob a justificativa da entrada de drogas e imigrantes ilegais. O fato de até agora terem sido adiadas após contato com respectivos pares ou estabelecidas em magnitude menor sugere que ainda se está na fase do uso das tarifas como arma de negociação. Resta saber em que nível e em que países as tarifas serão impostas.
Em um ambiente caracterizado por maior incerteza, o Fed pausou o ciclo de queda de juros. O Banco Central tem sido tão passageiro quanto os mercados, que aguardam não só as medidas, mas os efeitos provocados no equilíbrio macroeconômico. A política protecionista é um choque de oferta negativo, ou seja, reduz-se quantidade (atividade) e aumenta-se preços (inflação). Qual dos efeitos será maior? A quais deles o Fed terá maior reação? Até o momento as atenções estão voltadas para o efeito sobre os preços, o que tem levado ao aumento de juros e apreciação do dólar.
As adversidades externas intensificam os desafios internos. A moeda brasileira sofreu forte depreciação em 2024. Além dos movimentos externos comentados, a significativa deterioração do cenário fiscal levou a uma forte depreciação dos ativos no fim do ano. A Selic terminal precificada implicitamente pelos mercados foi próxima de 17% para 2025 no momento de maior estresse do mercado. É importante destacar que, no início de 2024, discutia-se a possibilidade de a taxa atingir 8% ou 9%.
O que mudou desde então foi a resiliência da atividade econômica, superior às expectativas iniciais e, em patamares superiores à estimada capacidade brasileira de produzir sem gerar inflação. As surpresas econômicas tiveram como um dos principais fatores explicativos a expansão fiscal, que tem duas dimensões de impacto para o comportamento da inflação e dos juros. Além de (1) ter expandido a atividade acima do potencial, levou ao (2) aumento do endividamento público. Em um ano de crescimento de receitas ajustadas pela inflação superior a 9%, o Governo foi incapaz de gerar os superávits necessários para estabilização da Dívida/PIB. A preferência tem sido por políticas de expansão dos gastos.
Mesmo quando houve anúncio de medidas fiscais, como em novembro do ano passado, elas foram acompanhadas por políticas compensatórias populistas, como a isenção do imposto de renda. A política fiscal brasileira tem dificultado o trabalho do banco central, o que requer um juro mais alto. O equilíbrio macroeconômico atual parece instável. Em algum momento a política monetária terá efeitos na atividade econômica e, por consequência, na inflação. Os sinais de desaceleração ainda são muito incipientes, mas acendem um alerta para o comportamento da atividade econômica à frente.
Neste momento, é desejável uma acomodação da atividade econômica que auxilie na retomada da inflação em direção à meta. A principal dúvida é como o governo reagirá a uma possível desaceleração, especialmente diante das eleições de 2026 e da recente queda de popularidade. Dobrar a aposta e colocar o pé no acelerador dos gastos pode colocar o Brasil novamente em rota de colisão, o que não faria sentido do ponto de vista do pragmatismo político. Assim como no caso dos EUA, os mercados estarão vigilantes para as decisões do mundo político.

Ragnar Chaves é economista da Icatu Vanguarda