Edição 373
No dia 18 de setembro de 2024, motivado pela confiança no processo de desinflação, o banco central norte-americano (Fed) decidiu iniciar a redução do grau de restrição da polÃtica monetária, diminuindo a taxa básica de juros (Fed Funds) em 100 pontos-base ao longo das últimas três reuniões do ano. Desde então, os vértices mais longos da curva de juros apresentaram alta relevante, movimento incomum em perÃodos de redução da taxa básica de juros.
Nas últimas décadas, a leitura da polÃtica monetária como mais ou menos restritiva deixou de ser centrada nos juros de curto prazo e passou a englobar uma série de fatores, a fim de refletir o impacto das decisões dos bancos centrais nos canais de transmissão da polÃtica monetária. A análise de indicadores que buscam agregar esses fatores, como os famosos Ãndices de condições financeiras, revela que apesar da redução da Fed Funds, a polÃtica monetária tornou-se mais restritiva desde setembro, por conta da abertura dos juros longos e da apreciação do dólar.
O descompasso entre as decisões recentes do Fed e as condições financeiras sugere o domÃnio de fatores além da atuação da autoridade monetária sobre a dinâmica de preços dos ativos financeiros, especialmente o fator polÃtico. Se durante os últimos anos a atenção dos mercados fora centrada nas decisões de polÃtica monetária em resposta ao desempenho da atividade econômica e da inflação, agora, o foco está nos rumos da polÃtica econômica do Governo e seus efeitos nas variáveis mencionadas, sobretudo na inflação.
Donald Trump deixou claro desde a campanha presidencial o seu desejo de usar a polÃtica de tarifas sobre as importações para (1) financiar a polÃtica fiscal expansionista e (2) negociar interesses nacionais. Até o momento, o que se observou foi a imposição de tarifas sob a justificativa da entrada de drogas e imigrantes ilegais. O fato de até agora terem sido adiadas após contato com respectivos pares ou estabelecidas em magnitude menor sugere que ainda se está na fase do uso das tarifas como arma de negociação. Resta saber em que nÃvel e em que paÃses as tarifas serão impostas.
Em um ambiente caracterizado por maior incerteza, o Fed pausou o ciclo de queda de juros. O Banco Central tem sido tão passageiro quanto os mercados, que aguardam não só as medidas, mas os efeitos provocados no equilÃbrio macroeconômico. A polÃtica protecionista é um choque de oferta negativo, ou seja, reduz-se quantidade (atividade) e aumenta-se preços (inflação). Qual dos efeitos será maior? A quais deles o Fed terá maior reação? Até o momento as atenções estão voltadas para o efeito sobre os preços, o que tem levado ao aumento de juros e apreciação do dólar.
As adversidades externas intensificam os desafios internos. A moeda brasileira sofreu forte depreciação em 2024. Além dos movimentos externos comentados, a significativa deterioração do cenário fiscal levou a uma forte depreciação dos ativos no fim do ano. A Selic terminal precificada implicitamente pelos mercados foi próxima de 17% para 2025 no momento de maior estresse do mercado. É importante destacar que, no inÃcio de 2024, discutia-se a possibilidade de a taxa atingir 8% ou 9%.
O que mudou desde então foi a resiliência da atividade econômica, superior à s expectativas iniciais e, em patamares superiores à estimada capacidade brasileira de produzir sem gerar inflação. As surpresas econômicas tiveram como um dos principais fatores explicativos a expansão fiscal, que tem duas dimensões de impacto para o comportamento da inflação e dos juros. Além de (1) ter expandido a atividade acima do potencial, levou ao (2) aumento do endividamento público. Em um ano de crescimento de receitas ajustadas pela inflação superior a 9%, o Governo foi incapaz de gerar os superávits necessários para estabilização da DÃvida/PIB. A preferência tem sido por polÃticas de expansão dos gastos.
Mesmo quando houve anúncio de medidas fiscais, como em novembro do ano passado, elas foram acompanhadas por polÃticas compensatórias populistas, como a isenção do imposto de renda. A polÃtica fiscal brasileira tem dificultado o trabalho do banco central, o que requer um juro mais alto. O equilÃbrio macroeconômico atual parece instável. Em algum momento a polÃtica monetária terá efeitos na atividade econômica e, por consequência, na inflação. Os sinais de desaceleração ainda são muito incipientes, mas acendem um alerta para o comportamento da atividade econômica à frente.
Neste momento, é desejável uma acomodação da atividade econômica que auxilie na retomada da inflação em direção à meta. A principal dúvida é como o governo reagirá a uma possÃvel desaceleração, especialmente diante das eleições de 2026 e da recente queda de popularidade. Dobrar a aposta e colocar o pé no acelerador dos gastos pode colocar o Brasil novamente em rota de colisão, o que não faria sentido do ponto de vista do pragmatismo polÃtico. Assim como no caso dos EUA, os mercados estarão vigilantes para as decisões do mundo polÃtico.
Ragnar Chaves é economista da Icatu Vanguarda