Edição 376
O risco da adesão automática ser julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal federal (STF) caiu como uma bomba sobre o sistema de previdência complementar. Na terceira semana de maio a corte suprema anunciou que colocaria em pauta, até o dia 23 de maio, uma sexta-feira, a ação direta de inconstitucionalidade pedida pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, questionando a lei 13.183/2015 que tornou automática a adesão de novos funcionários públicos federais a planos previdenciários.
Dois dias depois, entretanto, o SFT retirou esse julgamento de pauta. A decisão da corte suprema, embora originalmente se referisse aos funcionários públicos federais, na prática teria repercussão geral para todo o sistema de previdência complementar, uma vez que o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) aprovou em 2024 a Resolução nº 60, ampliando a adesão automática para o funcionalismo público municipal e estadual e também para os trabalhadores da iniciativa privada.
A principal entidade a congregar o funcionalismo público federal, a Funpresp-Exe, estava se mobilizando para atuar junto ao STF quando a ação do PSOL foi retirada de pauta. “A adesão automática só traz benefício ao servidor”, diz Cícero Dias, presidente da Funpresp-Exe, que juntamente com a Abrapp figura no processo como “amicus curie” (auxilia num processo judicial devido aos seus notórios conhecimentos do tema). “A gente estava se preparando para buscar uma interlocução (com os ministros do STF) para explicar o que é a adesão automática e para defender a importância desse instituto, que já é uma realidade na Funpresp há 10 anos”, explica ele. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que deu à Investidor Institucional no dia seguinte à retirada do tema da pauta do STF:
Investidor Institucional - Qual a importância da adesão automática para a Funpresp-Exe?
Cícero Dias - Eu diria que o maior favorecido com esse instituto da adesão automática é o próprio servidor público. Na Funpresp nós já temos 10 anos de adesão automática, nesse tempo todo, ao contrário de ter reclamação, o que a gente observa é o oposto. Na semana passada mesmo uma pessoa me mandou uma mensagem reclamando por não ter sido aderida automaticamente. Eu expliquei que, como a folha já estava fechada naquele mês, se a gente entrasse com a adesão ela pagaria duas contribuições no mês subsequente, então adiamos a adesão para o mês seguinte.
As pessoas aderem menos sem esse mecanismo?
A gente, em geral, tem uma visão de muito curto prazo. A nossa atenção, às vezes, está voltada a muitas outras coisas e acabamos procrastinando um pouco algumas decisões. Na Funpresp, por exemplo, tem casos de servidores que falam, olha, eu entendo a importância da previdência complementar, mas depois eu passo lá no RH para fazer a adesão. E aí passa-se um ano, dois anos, e tem relatos de muitos servidores que depois de dez anos aparecem reclamando. Olha, eu não fui aderido em 2014, como é que eu faço para retroagir? Infelizmente, não tem essa retroação.
Qual é a taxa de adesão hoje e quanto era antes do sistema automático?
Nosso percentual de adesão hoje supera 90%, mas antes da criação da lei da adesão automática, que veio em 2015, a adesão ficava em torno de 30%.
A ação de inconstitucionalidade da adesão automática, pedida pelo PSOL, acabou saindo da pauta do STF na última hora. Vocês foram surpreendidos por essa mudança?
Sim, fomos surpreendidos. A gente estava até preparando alguma coisa para levar ao julgamento, porque a gente está lá como amicus curiae. Temos que lembrar que a lei da adesão automática mudou a lei da criação da Funpresp, tanto da Funpresp-Exe como a Funpresp-Jud, então esse questionamento da lei afeta as duas entidades.
A lei da adesão automática, de 2015, foi feita especificamente para o funcionalismo público federal, certo?
Exatamente, a adesão automática vale para a gente desde 2015. Para o resto do regime de previdência complementar passou a valer a partir do ano passado, com a Resolução 60 do CNPC.
Qual a participação da Funpresp no processo de criação dessa lei?
Só pra você ter uma ideia, quando a gente começou a Funpresp, naquela época eu era gerente de atuária e o Ricardo Pena presidente da entidade, a gente achava que quando abrisse a porta da Funpresp teria fila de gente querendo entrar. E não foi o que aconteceu, muito pelo contrário. Então a gente meio que buscou resgatar um projeto de lei de um deputado de Pernambuco, chamado Gonzaga Patriota, que estava adormecido na Câmara. Esse projeto foi restabelecido, rediscutido e virou lei em novembro de 2015.
Parece que, antes disso, vocês publicaram um artigo defendendo a adesão automática que ganhou, inclusive, um prêmio da Previc. Como foi isso?
Exatamente, o artigo foi escrito por mim, pelo Rafael Liberal que hoje é o gerente de controle interno aqui na Funpresp-Exe, e pelo Ricardo Pena, na época superintendente da entidade. A gente escreveu o artigo “Fundo de Pensão na Garagem”, uma metáfora a uma startup que nasce em garagem, no qual a gente sugeria a adesão automática. E o artigo ganhou o 1º prêmio de monografia da Previc, isso em março de 2015. A gente assinou esse artigo com o pseudônimo de “Garageiros2013”.
Sobre o que falava o artigo?
O artigo foi premiado antes da aprovação da lei e falava sobre a dificuldade que a gente tinha para conseguir a adesão dos servidores públicos à entidade. Então, a gente propunha a adesão automática como política pública, baseado em referências internacionais, principalmente americanas e da Nova Zelândia.
Agora o STF adiou a discussão sobre a inconstitucionalidade da lei. O que vcs pretendem fazer?
Vamos tentar explicar aos ministros o que é o instituto da adesão automática, qual é a experiência internacional, qual é a experiência nacional aqui na Funpresp, o que isso traz benefício ao servidor. Como eu disse, hoje mais de 90% dos servidores aderidos automaticamente permanecem na fundação. A gente estava pronto pra fazer isso antes do adiamento do julgamento, e vamos manter esse roteiro.
O plano de procurar os ministros do STF, então, continua de pé?
Sim, a gente vai tentar essa interlocução para explicar aos ministros do STF o que é a adesão automática e para defender a importância desse instituto, que já é uma realidade na Funpresp há 10 anos. Quando veio a Resolução 60 a gente entendeu que não precisava alterar nada na Funpresp, nenhum regulamento, porque a gente já tinha isso rodando de forma muito natural. E é importante frisar que a lei não tira a facultatividade das pessoas, que podem cancelar ou desistir se quiserem.
Na Resolução 60 a pessoa pode sair em até 120 dias, e na Funpresp?
No nosso caso são 90 dias. Esse prazo está na nossa lei, não podemos mudar porque está na lei e uma lei se sobrepõe a uma resolução.
E com o pessoal do PSOL, que entrou com o pedido de inconstitucionalidade, vcs poderiam tentar alguma conversa?
Não, a gente sabe que tem algumas categorias de servidores que questionam não a adesão automática em si, mas a própria existência da Funpresp, defendendo uma previdência pública integral, não contributiva. São discursos de 20, de 30 anos atrás, que não se aplicam mais à nossa estrutura demográfica. Porque a gente está vivendo muito mais, e isso não se sustenta.
Quantos participantes têm hoje a Funpresp-Exe?
Temos 118 mil participantes, e o número de participantes aderidos automaticamente é cada vez maior em relação ao todo.
Qual é a situação da entidade do ponto de vista atuarial?
A gente tem conseguido, historicamente, bater nossa referência atuarial. Nos últimos anos, com a questão da marcação na curva, a rentabilidade vinha variando bastante porque a gente tinha muito título público longo e precisava contabilizar a preços de mercado. Mas com a nova regra que permite marcar esses títulos na curva, estamos fazendo essa migração, o que vai diminuir bastante a variação das cotas e trazer mais estabilidade e consistência aos nossos resultados.
Quanto da carteira de vocês era título marcado à mercado?
Era praticamente tudo. Com a taxa de juros lá em cima todo mundo estava indo direto para esses títulos. E marcados a mercado, quanto mais subia a Selic mais valor a carteira perdia. Era uma volatilidade prejudicial, porque a minha intenção era levar os títulos a vencimento, já que eu não tenho necessidade de liquidez tão cedo.
Quanto dessa carteira vocês já conseguiram migrar para marcação na curva?
A gente já marcou mais de R$ 2 bilhões do estoque, de um patrimônio de R$ 12 bilhões em maio. Mas o dinheiro novo que a gente arrecada por mês, que são uns R$ 170 milhões, também já está sendo marcado na curva. Isso tem ajudado bastante no resultado e limitado a volatilidade.
Como vocês fecharam o primeiro quadrimestre do ano?
A gente está com rentabilidade de 4,95% até abril, para um índice de referência de 3,82%. Em 12 meses rendemos 7,39%, para um índice de referência de 9,74%, e na rentabilidade acumulada da fundação desde o seu início, em fevereiro de 2013, nossa rentabilidade é de 222,21% para um referencial de 222,10%. Ou seja, num histórico de mais de 12 anos nós ficamos pouco acima da referência de IPCA + 4% ao ano.
No ano passado um grupo de participantes fez um abaixo-assinado pedindo um perfil exclusivamente com títulos públicos. Como ficou essa questão?
A gente recebeu esse grupo de pessoas aqui, explicamos que o nosso perfil 4 tem mais de 95% em título público, os quais estamos convertendo para marcação na curva, além de um pouco de operação com participantes e também de renda fixa crédito privado. Mas só de título público já é mais de 95%, é bem próximo do que o pessoal queria. Se eu fizesse uma correlação de risco do nosso Perfil 4 com o perfil que eles queriam, já é uma correlação de mais de 99%. Então mostramos que não teria sentido um novo perfil com a composição que eles pediam.
Quais são os principais desafios da Funpresp hoje?
A gente acabou de reformular o nosso posicionamento estratégico. O que a gente vai buscar nesse novo plano estratégico é aumentar o engajamento e aprimorar o relacionamento com os participantes. A gente quer que as pessoas vejam a Funpresp não simplesmente como uma prestadora de serviços de previdência, mas como a sua entidade de previdência.
Na prática, o que será feito de diferente?
A gente tem uma série de projetos. Um deles a gente está chamando de Funpresp Itinerante, queremos rodar o País para conversar com os participantes. Também temos um projeto chamado Diálogo Mais, que é um projeto de relacionamento institucional com patrocinadores, sindicatos e associações de participantes. São projetos que tem a intenção de aproximar a entidade dos seus interlocutores, dar mais transparência, prestar contas ativamente.
O que esperam conseguir com essa nova postura?
A gente sabe que os fundos de pensão, de forma geral, acabam atuando muito reativamente às informações, às matérias, às notícias, às reportagens. E nós, na Funpresp, temos feito o contrário, temos feito ações muito ativas de comunicação e de relacionamento, de prestação de contas, de dar explicações etc. Então, quando sai uma notícia relacionada a outra entidade, que acaba contaminando o sistema todo, as pessoas já sabem que isso não tem nada a ver com a Funpresp.
Essa nova postura envolveria também questões de governança?
Sim, a gente quer ser uma referência em governança e gestão de riscos. Estamos buscando certificações de governança, de investimentos, mas acho que um dos desafios mais importantes sempre foi e sempre será a comunicação com os participantes, a transparência, a prestação de contas, sobretudo porque a gente tem uma heterogeneidade muito grande de participantes.
Quantos tipos de atividades são relacionadas a funcionários públicos?
São mais de 120 carreiras. Então, eu tenho o médico, o policial federal que está na fronteira, o policial rodoviário que está na beira da estrada, o professor universitário de serviço social, o professor de química que está dentro do laboratório e, ao mesmo tempo, eu tenho o servidor do tribunal de contas.
Com uma compreensão muito heterogênea dos temas previdenciários, imagino.
Sim, por isso que eu estou dizendo que o desafio da comunicação é importante. Vou te dar um exemplo. Eu tenho um participante que reclama que a nossa cota no extrato só apresenta seis casas decimais. Ele queria oito casas decimais. E outro que diz que não tem a mínima ideia do que é cota. O nosso desafio é fazer uma comunicação eficiente com os dois.
A Funpresp nunca olhou os entes federativos como um potencial mercado para sua expansão?
Não, e vou dizer porquê. Porque a gente entende é que esse trem já passou. Os grandes entes, que tinham necessidade de criar regimes complementares, já fizeram isso, já contrataram. E os pequenos não vale a pena. Ao mesmo tempo, a gente também teria uma necessidade de alteração legislativa, que não é tão simples. Mas, principalmente, porque temos um espaço muito grande para crescer junto ao nosso próprio público.
Consegue dimensionar esse espaço?
Veja, hoje nós temos 118 mil servidores participantes, certo? Sabe quantos servidores têm no Serviço Público Federal? Mais de um milhão, sendo 570 mil ativos. Eu não sei se você viu um estudo que saiu recentemente, mas esse estudo diz que um quarto desses 570 mil vão se aposentar na próxima década. Então, contando que haverá uma reposição para essas aposentadorias, em uma década a Fupresp deve mais que dobrar de tamanho.
Com que número de participantes vocês trabalham para o futuro?
Numa virada de geração, imagino que a gente possa chegar a 350 mil, 400 mil participantes.