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Abrapp, sob nova direção
O novo presidente da Abrapp, Devanir Silva, fala nessa entrevista sobre os principais desafios e as principais metas do seu mandato, que vai até 2027

Edição 373

Silva,Devanir(Abrapp) 25fev 01A Abrapp mudou de comando no início deste ano, passando a ter uma diretoria contratada ao invés de uma diretoria eleita como acontecia desde seu nascimento, em 1978. Devanir Silva, que nas últimas décadas ocupou o posto de secretário-geral da entidade assumiu a presidência, contratado para um mandato de três anos. Nessa entrevista à Investidor Institucional ele fala sobre os principais temas do sistema da previdência complementar, incluindo alguns em evolução, outros concluídos e outros em perspectivas. “O nosso grande desafio é ressignificar a previdência complementar. Essa discussão precisa estar apoiada em alguns pilares. O primeiro deles é a educação previdenciária, o segundo é criar um código de defesa do poupador, e o terceiro é criar o que estamos chamando de micro pension, para um contingente de cerca de 70 milhões de pessoas que têm uma previdência precária, como o pessoal das plataformas, dos Ubers, dos iFoods”, explica ele. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

Investidor Institucional - Como foi o fechamento do ano para os fundos de pensão?
Devanir Silva - A gente ainda está numa fase de fechamento, mas pelo que a gente tem acompanhado poucos fundos de pensão ficaram abaixo da meta. Isso deve representar um não atingimento de meta por poucas fundações, mas eu não vejo assim nenhum movimento de preocupação.

Em quanto as EFPCs devem fechar o ano, na média?
Acho que 1% ou 2% abaixo da meta, na média. Tivemos vários fatores a explicar isso, começando pela taxa de juros, que caiu no início do ano e depois subiu a partir do segundo semestre, passando por toda a questão geopolítica internacional e do protecionismo que isso gera. Mas os fundos mostraram resiliência.

O TCU quer aprovar uma Instrução Normativa que permitiria sua fiscalização direta aos fundos de pensão de patrocínio estatal. Qual sua opinião?
Acho que isso é um perigo, porque gera uma insegurança jurídica muito grande. A gente tem procurado manter contato permanente com o TCU, amanhã mesmo eu estou indo a Brasília (esta entrevista foi feita no dia 5/2, antes da decisão do TCU de fazer uma auditoria na Previ), vou ter audiência com o ministro Anastasia para ter mais clareza sobre o que exatamente é essa Instrução Normativa.

Mas a partir das primeiras informações já veiculadas, que falam que ela permitiria ao TCU fiscalizar diretamente os fundos de patrocinadores estatais, o que acha da proposta?
Eu não posso, por exemplo, aceitar a visão de que todas as situações de déficit sejam entendidas como má gestão. Não são. Existem os déficits conjunturais, vindos da volatilidade apresentada pela economia, e os déficits estruturais. Você não pode achar que qualquer equacionamento de déficit é um problema. Eu acho que tem um órgão supervisor, definido na legislação, que é a Previc, e a gente deve fortalecer a Previc, que é especializada nisso. E se há algum sintoma identificado pela Previc, relacionado ao patrocinador, a Previc poderia acionar o TCU. O TCU faria uma fiscalização de segunda ordem, a de primeira ordem ficaria com a Previc.

Você disse que a IN do TCU gera insegurança jurídica. Poderia exemplificar?
Imagine, por exemplo, o caso de um equacionamento de déficit, no qual a Previc apresenta estudos técnicos e aprova o equacionamento mas o TCU diz que não concorda. Vira um impasse. Então, a gente precisa trabalhar para deixar essas coisas muito claras, para mim a fiscalização de primeira ordem é da Previc e uma fiscalização de segunda ordem poderia ser do TCU. As entidades fechadas são entidades do direito privado, nós temos um órgão constituído, com competência para fazer essa fiscalização, que é a Previc.

A Previc está tentando votar no Conselho Monetário Nacional algumas mudanças na 4.994, entre elas a norma que prevê que as entidades devem vender seus imóveis físicos até 2030. Qual sua opinião?
Eu não vejo sentido algum em você, de uma maneira obrigatória, ter que transformar seus investimentos em tijolos em investimentos em papel. Porque é isso, tem que vender imóveis físicos ou transformar em fundos imobiliários. A Abrapp tem defendido, nos últimos anos, a revisão dessa norma, inclusive com a volta daquele teto que existia na 4.661, de 8% para imóveis. E isso não pode demorar muito, porque se a gente deixar isso lá para o final, perto de 2030 vamos ter um mercado ávido por adquirir ativos depreciados das fundações.

Mas a proposta de mudança da 4.994 ainda nem foi levada ao CMN. Não está demorando?
Claro que sim. Essa proposta foi enviada ao Ministério da Fazenda em junho do ano passado, nós já estamos em fevereiro. Isso já era pra ter sido resolvido, não é? Nós tivemos o evento para resolução CVM 175, então em relação a muitas coisas dessa resolução nós estamos desenquadrados. O sistema está empurrando, sobrevivendo, por força dessa taxa de juros que é muito alta. O pessoal está na renda fixa, nas aplicações em títulos públicos, então não está ligando muito, mas nós precisamos realmente resolver isso.

Que pontos poderiam ser incluídos na 4.994?
Nós estamos alinhavando uma reunião com o ministro da Fazenda, com o presidente do Banco Central, pois para nós interessa o alongamento dos nossos investimentos. O nosso duration é um duration longo, estamos falando de 16 anos, 20 anos. A nossa carteira de títulos tem um perfil de 9 anos e tivemos recentemente essa mudança estrutural nos planos CDs, que com a marcação na curva dos CDs vai poder alongar. Então, é isso que a gente quer discutir, o Brasil precisa de investimentos em infraestrutura, e os fundos de pensão tem que investir nesse tipo de ativo. Mas para isso o que precisa? Precisa de segurança, precisa de rentabilidade.

Que propostas vocês têm sobre investimentos em infraestrutura?
Fazer parceria com BNDES, por exemplo, para investir num título de crédito com garantia do banco, isso interessa ao país e interessa também aos fundos de pensão. Outra proposta é ter uma classe de ativos para investimento em infraestrutura que seja adequada para o perfil dos fundos de pensão.

O que seria isso?
Um investimento de longo prazo, com garantia de uma rentabilidade atrelada às obrigações de passivo das entidades. Nas debêntures incentivadas, por exemplo, não havia uma atratividade grande pois o incentivo fiscal ia para o investidor e os fundos de pensão já possuem isenção tributária. Mas com a mudança que houve nas debêntures de infraestrutura, onde o incentivo fiscal vai para o empreendedor, que pode oferecer uma rentabilidade maior ao investidor, essa é uma classe que a gente poderia estar discutindo com mais profundidade, porque é um investimento que interessa ao país e interessa também aos fundos de pensão.

Que outros investimentos poderiam ser incluídos na 4.994?
Os Fiagros, por exemplo. Eu acho que é outra atividade importante para o país, e poderia ser importante também para os fundos de pensão. É uma área importante na qual nós poderíamos evoluir mais.

E em relação aos investimentos criptos?
Nós estamos numa fase embrionária nesse tipo de ativo, nós precisamos aprender. Quando eu falo nós, me refiro ao mundo. Na Inglaterra já tem um ou dois fundos que estão caminhando para isso, mas em geral ainda depende de estudos. O mundo está no “time” do aprendizado ainda.

Na reforma tributária, um ponto que apareceu na redação final deixou algumas pessoas com a pulga atrás da orelha. Como os fundos de pensão foram colocados na ordem do bem estar social, junto com as entidades assistenciais, estariam impedidos de investir fora do País. Como isso aí vai ser resolvido?
Primeiro é preciso destacar que essa equiparação com as entidades assistenciais nos coloca numa ordem social definitiva, na ordem de compor a política pública do bem-estar social. Definitivamente não somos uma operação financeira, não somos uma operação empresarial, não emitimos nota fiscal. Nosso negócio é o participante, é o pagamento de benefício. Então, isso é histórico, isso é fundamental. Sobre o que diz o Código Tributário Nacional em relação à isenção tributária, é preciso entender que quando o CTN diz aplicar recursos no país, refere-se aos recursos necessários para o cumprimento do seu objetivo, em relação às operações com máquinas, equipamentos, pessoas, mas não aos recursos financeiros.

Acha que a Receita Federal também tem essa interpretação?
Essa é uma discussão que a gente faz com muita tranquilidade, analisamos isso com profundidades, ouvimos os grandes especialistas em direito tributário. Mas eu não vejo nenhuma necessidade de açodamento nisso. Os efeitos da reforma só vão vigir a partir de 2027, então talvez até caiba uma regulamentação adicional, mas eu acho que está muito claro.

Mudando de assunto, o que acha dessas recentes decisões da 10ª Vara Criminal de Brasília absolvendo dezenas de ex-dirigentes processados pela operação Greenfiel?
Eu acho que repara, um pouco, o que esses dirigentes sofreram. Nas pessoas físicas inclusive, com seus familiares. A Abrapp sempre defendeu isso, que em toda situação a pessoa tem que ter o direito de defesa. Nós já alertávamos naquela CPI de 2015, que foi origem disso tudo, para o risco de injustiças. E injustiças desse tipo são como um saco de penas que você joga ao vento, catar essas penas depois é muito difícil. Mas eu acho que essas absolvições são um bom começo, são uma reparação para os ex-dirigentes e fortalecem aquilo que a gente tem de melhor hoje no sistema, que é a governança robusta das nossas entidades.

Além dos dirigentes as absolvições também reabilitam os FIPs, um veículo de investimentos que tinha sido proibido por algumas fundações. Esses veículos podem voltar a ter protagonismo nas carteiras da entidades?
O FIP não pode ser demonizado, como foi. As entidades precisam de private equity, a diversificação é fundamental. Até porque esses fundos foram bastante aperfeiçoados, a Abrapp mesmo atuou muito nisso, criou um manual de investimentos em FIP. Agora, é um trabalho árduo, de recomposição de imagem. As sentenças de Brasília ajudaram, mas ainda tem muito para fazer para que os investimentos em FIP sejam retomados.

Você tocou num ponto, quase no começo da entrevista, sobre a marcação dos ativos na curva para os planos CDs e CVs. É uma regra justa para os participantes?
Bom, para responder essa pergunta a gente precisa rever um preceito fundamental da previdência complementar fechada, que é o longo prazo. É preciso entender que o benefício do participante do plano CD não é aquela cota do dia, vai ser aquele benefício que ele vai receber lá na frente, depois de 20 anos, 30 anos de capitalização. Nós não temos cota para resgate, temos cota que está sendo valorizada para pagamento do benefício no longo prazo. Então você introduz a marcação a mercado e isso traz volatilidade nas cotas. O cidadão olha e quando as cotas estão muito boas ele diz, acho que vou sacar, e quando está ruim ele também diz, eu acho que vou sacar. Então isso é péssimo. Num plano de previdência o importante é aquela promessa do longo prazo, não é a cota do dia.

Quer dizer, o objetivo é retirar o imediatismo do plano?
Sim. Veja, vou te dar um exemplo. Na pandemia, que começou em março de 2020, um mês depois a bolsa caiu 40%. Mas quando chegou em dezembro tudo foi recomposto, ninguém vendeu o ativo depreciado, nenhum benefício deixou de ser pago. Então eu digo, a marcação a mercado é para arranjos financeiros, não para planos previdenciários. E o nosso negócio é plano previdenciário. Para mim, eu sempre separo muito bem essas duas coisas.

Quais as principais vitórias do sistema nos últimos anos?
Puxa, tivemos várias, a inscrição automática foi um grande avanço. O PGA também, com ele você vai poder investir em tecnologia, em fomento. E a opção pelo regime tributário no final do investimento também foi um grande avanço, assim como a criação dos planos instituídos. O instituído corporativo, com essa roupagem, permite trazer o autônomo, a empresa prestadora de serviço que não vai patrocinar um plano mas pode instituir. Isso foi um avanço significativo.

Quais os temas que estão pendentes e estão sendo aguardados?
Estamos aguardando a revisão do Decreto 4.942, que já tem 21 anos, sobre o regime sancionador. Há uma expectativa de que saia nos próximos dias. Também estamos aguardando uma decisão que evita o que eu chamo de uma penalização dupla, na qual você não pode abater do IR aquelas contribuições extraordinárias feitas no equacionamento de déficits. Isso deve ser resolvido em breve.

Qual a marca que você pretende imprimir na sua gestão?
O nosso grande desafio é ressignificar a previdência complementar. Eu acho que a gente precisa retomar a discussão sobre o papel da previdência complementar na vida das pessoas e na prosperidade do país. Essa discussão precisa estar apoiada em alguns pilares. O primeiro deles é a educação previdenciária, e temos planos pra avançar nisso. O segundo é criar um código de defesa do poupador. Se temos um código que defende o consumidor, porque não podemos criar e ter um código que defenda o poupador? Não o investidor, mas o poupador. Eu quero trabalhar nisso! E o terceiro pilar é aquele que estamos chamando de micro pension. Nós estivemos na Índia e vimos esse modelo lá, e funciona bem lá, então achamos que pode funcionar aqui para um contingente de cerca de 70 milhões de pessoas que têm uma previdência precária, como o pessoal das plataformas, dos Ubers, dos iFoods. Nós já temos solução do Cashback, que permite fazer um plano capitalizado, individualizado, para esses profissionais, com um tratamento adequado tributário. O presidente Lula tem a vontade de trazer essas pessoas para um sistema de mais proteção, então vamos levar essa proposta para ele.