Da prática para a teoria | Carlos de Paula, da SPC, adiantou deta

Edição 208

A regulamentação das operações de retirada de patrocínio, cisão, fusão e incorporação de planos, assim como a transferência da administração ou de participantes, são temas que têm merecido destaque nas conversas entre agentes do sistema brasileiro de fundos de pensão. Isso porque a regulação da matéria está sendo tratada em uma minuta que, segundo o secretário Ricardo Pena, deve ser levada para apreciação do Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) ainda este ano. No dia 1º de outubro, o secretário-adjunto da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), Carlos de Paula, apresentou, durante o 30º Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, uma prévia do texto. Ele avisou ainda que, nas semanas seguintes ao evento, realizado em Curitiba (PR), seriam aprofundadas as discussões em torno do assunto com a colaboração do sistema.Carlos de Paula contou que a SPC, por meio do Departamento de Análise Técnica (Detec), estabeleceu contato com atores do sistema como o Instituto Brasileiro de Atuária (Iba), as consultorias, os fundos multipatrocinados, a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) e outras entidades de classe para verificar quais eram as principais preocupações referentes à regulamentação de algumas matérias relacionadas ao artigo nº 33 da Lei Complementar nº 109 — o referido artigo estabelece que dependerão de autorização prévia e expressa do órgão regulador operações, entre outras, que envolvem fusão, cisão e incorporação, retirada de patrocinadores e transferências de patrocínio, de grupos de participantes, de reservas e de planos entre entidades fechadas de previdência complementar.O secretário-adjunto disse que, até então, já tinham se passado quatro meses de trabalho em torno da minuta, em que acima de tudo se procurou observar a proteção do direito dos participantes, mas também zelar pela segurança jurídica, buscando uma uniformização de procedimentos e uma clareza e simplificação dos processos, sempre dentro do possível.  “De igual modo, nós procuramos respaldo em modelos jurídicos já consagrados, com a Lei das SA e o próprio Código Civil, promovendo uma sinergia com as Leis Complementares 108 e 109 e com toda a regulamentação [da previdência complementar fechada]”, completou.

A minuta – Segundo a apresentação de Carlos de Paula no 30º Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, a proposta de minuta elaborada pela SPC conta com nove capítulos: o primeiro é dedicado às definições das operações, de forma a criar uma espécie de modelo para elas; do segundo ao oitavo capítulos, cada operação é abordada com relação ao mérito; e por fim, o nono capítulo aborda as disposições gerais da resolução. “E nós já estamos discutindo a estruturação de uma instrução sobre a matéria. Aprovada a resolução, a idéia é que seja publicada uma instrução 20 dias depois”, informou ele.O primeiro ponto de destaque na apresentação de Carlos de Paula se refere ao tratamento do direito acumulado nas operações como fusões, cisões e incorporações. Segundo a proposta da minuta, entende-se por direito acumulado o “valor financeiro correspondente às reservas constituídas pelo participante ou à reserva matemática”, sendo que entre as opções é adotada aquela que for mais favorável ao participante. “Essa é uma referência que pautará toda a estruturação das operações”, comentou o secretário-adjunto.Um ponto de dúvida em relação à minuta, segundo Carlos de Paula, é onde encaixar as operações de migração: em um capitulo à parte ou junto com a cisão, o que “talvez pareça mais apropriado”. “Mas, a rigor, quando falamos em migração tratamos da transferência de participantes de um plano para outro, voluntariamente, com as respectivas reservas”, afirmou.

Retirada de patrocínio – No que se refere a retiradas de patrocinadores, Carlos de Paula indicou um ponto considerado bastante importante na proposta de minuta: após a ciência, pelas instâncias competentes da fundação, da intenção de retirada do patrocínio, a entidade deverá tomar todas as providências com relação à execução da operação.No que tange a forma de cálculo, o secretário-adjunto informou que, embora seja de 1988, a Resolução CPC nº 06 ainda permanece bastante atual, necessitando apenas de alguns ajustes. Na proposta de minuta foram excluídas, por exemplo, as premissas de continuidade do plano, mesmo porque é fato que o plano deixará de existir. “Aproveitamos muito da experiência da Resolução n° 06, e teremos a oportunidade de discutir um ou outro detalhe com o sistema nas próximas semanas”, sinalizou Carlos de Paula em sua apresentação. Com relação às formas de pagamento na retirada de patrocínio, haverá somente duas opções (na resolução em vigor hoje em dia, são três): recebimento à vista e transferência de valores.Para o secretário-adjunto, um ponto que deve gerar bastante discussão é o tratamento de déficits e superávits de planos que sofrerão retirada de patrocínio. Na proposta de minuta, a totalidade do excedente seria incorporada ao direito do participante e, no caso de uma insuficiência, essa seria integralmente assumida pelo patrocinador. “Nós sabemos que existem algumas discussões a respeito dessa questão, mas o desenho da proposta apresentada neste momento procura dar um encaminhamento no sentido de que, havendo um excedente, seria destinado ao ex- participante — e não tendo suficiência, isso seria assumido pelo patrocinador.” Sonia Alencar, consultora jurídica sênior da Mercer, cita que a Resolução 26 do CGPC pressupõe fatores de proporcionalização envolvendo participantes e patrocinadores. Para ela, isso levaria a um tratamento diferente do que está sendo sugerido em relação ao equacionamento do déficit e à distribuição de superávit em casos de retirada de patrocínio. “Acredito que esse ponto ainda deve ser muito debatido. É claro que os participantes são contra a divisão do excedente com o patrocinador, mas a resolução não pode ser altamente favorável a uma única parte. A patrocinadora também contribui para o plano, e não terá direito a parte do excedente na hora da liquidação? Esse é um assunto bastante delicado”, diz ela.Outro item destacado por Carlos de Paula trata da data-base: a partir da data-base, serão concedidos apenas os benefícios de risco, e entre a data- base e a homologação da operação pela SPC, todos os valores pagos serão considerados adiantamento do direito apurado para cada participante. “A partir da data-base, cabe destacar que a proposta menciona que a cotação da reserva e do ativo deverá ocorrer de acordo com a rentabilidade dos investimentos”, acrescentou o secretário-adjunto.A grande discussão nesse caso, segundo Sonia, é o tempo que discorre entre a data-base e a homologação da retirada de patrocínio pela SPC, período em que as contribuições deixam de acontecer – e os participantes se sentem lesados por isso. “O ideal seria diminuir esse espaço entre a data-base e a homologação. A entidade teria de demorar menos para encaminhar o processo à SPC que, por sua vez, poderia agilizar a aprovação. Esse lapso deveria ser o menor possível para não prejudicar o participante”, opina.Ela explica que havia uma discussão sobre a partir de quando a patrocinadora poderia parar de fazer suas contribuições ao plano. Para os participantes, a contribuição deveria ser mantida até a aprovação da retirada de patrocínio pela SPC. Mas não foram esses os termos colocados na proposta de minuta apresentada no Congresso por Carlos de Paula. Lá na apresentação está claro que “não deverá haver aportes de contribuições nem concessão de novos benefícios a partir da data-base, com exceção apenas para benefícios de risco e participantes elegíveis”.

Fusões e incorporações – A proposta de minuta elaborada pela SPC indica que, no caso de fusão ou incorporação de planos, eventuais contribuições extraordinárias devem ser liquidadas e possíveis insuficiências precisam ser integralmente supridas antes da execução da operação. “Esse é um ponto importante para discussão ao longo das próximas semanas. O que acontece é que se tomou um cuidado com esse tema em função de vários aspectos, principalmente em relação a riscos jurídicos e alguns desdobramentos atuariais, além de questões operacionais da própria Secretaria”, justificou Carlos de Paula.Para Sonia Alencar, da Mercer, essa é uma novidade que ajudará a não misturar os recursos dos planos após operações de fusão e incorporação. “Isso não prejudicará quem tem planos com excedente e não favorecerá aqueles com insuficiência. Porque antes, o que poderia acontecer era que o plano incorporador estava deficitário e acabava sendo beneficiado porque o incorporado era superavitário”, exemplifica. Ela apenas coloca que essa nova regra pode gerar polêmica se começar a tolher a flexibilidade para tratar os recursos dos planos.Carlos de Paula acrescentou que, havendo excedente em planos que serão fundidos ou incorporados, os valores deverão ser incorporados às respectivas reservas dos participantes e, no caso do patrocinador, é necessário que seja constituído um fundo específico com recursos para utilização futura do plano resultante da operação. Esses procedimentos também precisam ser colocados em prática antes da execução da fusão ou incorporação. “Outro ponto que também deve ser bastante debatido é que será dado ao participante dissidente, que não concordar com a operação, a opção de resgate de seu direito acumulado [no respectivo plano].”   Cisão e migração – O secretário-adjunto comentou que não há muita novidade na proposta de minuta no que se refere a cisão. “Basicamente, se trata da divisão do plano, mantidas todas as suas regras. Normalmente essa operação é acompanhada da transferência de gerenciamento do plano, a não ser no caso de saldamento”, comentou. No caso de operações de cisão, tirando um ou outro detalhe que podem ser discutidos, serão mantidos os procedimentos já adotados atualmente pelo Detec.Já a migração diz respeito à transferência facultativa dos participantes com as respetivas reservas para outro plano dentro da mesma entidade. Nesse caso, a proposta estabelece um prazo para realização da operação, a priori de 120 dias a partir da data de homologação da migração pela Secretaria. “Evidentemente, isso vai entrar em discussão a partir desse momento. O que parece razoável é estabelecer como patamar mínimo dos valores apurados para a migração do participante o direito acumulado [ou adquirido], tendo a possibilidade de haver outros incentivos em planos de patrocínio privado”, apontou Carlos de Paula. Além disso, “as condições, prazos e procedimentos para a migração deverão ser dispostos nos regulamentos dos planos de benefícios de origem e de destino”, de acordo com a apresentação do secretário-adjunto no Congresso.Sonia, da Mercer, explica que a migração facultativa de participantes surge como uma forma de mudar a modelagem de planos BD para CD, por exemplo. Isso porque algumas entidades vinham praticando somente uma alteração no regulamento para transformar os planos. Como essa prática tem gerado problemas no que se refere ao direito dos participantes, incluindo a ocorrência de ações judiciais, a Secretaria achou por bem não permitir a alteração automática de modalidade dos planos sem ser concedida outra opção para o participante.“Com a migração facultativa, uma massa de participantes pode optar voluntariamente pela saída de um plano BD para um plano CD”, diz a consultora.
Saldamento – No que se refere ao saldamento de planos, a proposta de minuta apresentada pela SPC trata de dois tipos de operação: a facultativa e a obrigatória. “O detalhe é que, no caso do saldamento facultativo, se quando a operação for concluída não houver anuência de 100% dos participantes a entidade deverá promover uma cisão e transferir a massa que optou pelo saldamento para um plano constituído para esse fim”, destacou Carlos de Paula. No caso do saldamento obrigatório, a entidade deverá dar ao participante dissidente a oportunidade de resgatar seu direito acumulado.Para Sonia, da Mercer, essa é uma forma de “não empatar o plano”. “Quem concordar com o saldamento vai para outro plano, quem não concordar recebe o direito acumulado e pronto”, resume a consultora.
Transferências – Para as operações de transferência de gerenciamento de planos, permanecerão os procedimentos adotados hoje em dia pelo Detec. “A exemplo da retirada de patrocínio, tão logo as instâncias competentes tomem ciência da decisão do patrocinador, a entidade deve dar sequência à operação de transferência, devendo ser respeitados alguns prazos”, disse Carlos de Paula.As transferências podem ser totais ou parciais e, nesse segundo caso, a idéia é de que seja seguido o disposto sobre incorporação.Em relação à transferência de empregados, foi feita uma revisão da Resolução nº 12 do CGPC. “Mas essa resolução considerava basicamente as transferências de empregados de uma empresa para outra do mesmo grupo econômico. Agora, estamos ampliando o escopo: será possível também tratar, no âmbito desse capítulo, a transferência de empregados de empresas de grupos econômicos diferentes”, adiantou o secretário- adjunto.Sonia, da Mercer, diz que essa sugestão traz uma evolução à Resolução nº 12 do CGPC, que apresentava uma solução para funcionários transferidos para empresas de um mesmo grupo econômico. “Agora, funcionários transferidos para empresas de grupo econômico diferente passam a também ter direito a portabilidade, Benefício Proporcional Diferido, auto-patrocínio e resgate. Porque quando uma empresa compra a outra, os funcionários vêm junto, e são transferidos de uma para a outra. Essa parte da minuta é um atualização da regulação à nova dinâmica do mercado”, opina a consultora.Outro aspecto destacado por Carlos de Paula é que o Detec tinha, de forma recorrente, que se desdobrar para autorizar a possibilidade de o patrocinador firmar convênio de adesão com um plano em extinção. “Essa nova minuta estabelecerá que o patrocinador terá condições de firmar um convênio de adesão com planos em extinção exclusivamente para aquele grupo de empregados transferidos para a sua empresa”, explicou ele.Dada a largada no 30º Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, com a apresentação de Carlos de Paula, o sistema se volta agora ao debate de pontos (polêmicos ou não) da proposta de minuta. E esse é um assunto que, com certeza, ainda vai dar muito pano para manga.