Ainda um meio majoritariamente masculino, o mercado financeiro começa a registrar em escala crescente a presença de mão de obra feminina em seus quadros diretivos. De acordo com indicadores do Fórum Econômico Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), as mulheres ocupam cerca de 46% dos empregos do setor ao redor do planeta e sua participação em cargos de comando tem crescido ano a ano. Segundo o estudo “Woman in Finance Services”, realizado pela consultoria Oliver Wyman com base em dados de 381 grandes empresas de serviços financeiros de 32 países, a presença das mulheres nos conselhos de administração e comitês executivos do setor saltou, respectivamente, de 12% para 20% e de 11% para 16%, entre os anos de 2003 e 2016. Essa participação feminina em postos de direção do setor financeiro foi ressaltada na edição inaugural do Woman in Finance Summit Brazil, evento organizado pela Franklin Templeton no Museu de Arte de São Paulo (Masp) no dia 1º de outubro.
As mulheres estão participando, cada vez mais, de atividades que discutem o tema em busca de um maior equilíbrio entre a participação delas e dos homens na direção dos projetos e das empresas do setor financeiro. “Quando começamos a organizar o evento, projetávamos algo em torno de 80 inscrições. Erramos feio, pois chegaram quase 800 pedidos”, contou a gerente de marketing da gestora, Carolina Cavenaghi. “Para atender a procura, tivemos de optar por um auditório maior do Masp. Mesmo assim, conseguimos receber ‘apenas’ 400 pessoas, das quais 95% mulheres.”
A executiva, que acumula no currículo passagens por Citibank e Banco Modal, tomou como referência para o projeto eventos similares promovidas pela Franklin Templeton em sua matriz, nos Estados Unidos, e na subsidiária do Canadá. Obteve apoio integral do chefe da operação local, Marcus Vinicius Gonçalves, e também da economista Jenny Johnson, a presidente do grupo norte-americano, com US$ 690 bilhões sob gestão e escritórios em 33 países.
“Ela não pôde vir a São Paulo por falta de datas disponíveis em sua agenda, mas fez questão de gravar uma mensagem em vídeo que apresentamos na abertura do nosso evento”, assinalou Carolina, que convidou um time formado por 14 empresárias, executivas e comunicadoras de destaque para apresentar relatos de suas trajetórias pessoais e profissionais. “O formato foi muito oportuno, pois a plateia, majoritariamente feminina, se sentiu inspirada e representada.”
Mercado – O primeiro painel, intitulado “Mulheres do mercado”, contou com dois nomes em ascensão no segmento, Luciana Barreto, sócia e diretora da M Square Investimentos, e Tatiana Grecco, diretora de risco de mercado e liquidez do Itaú Unibanco. Graduada na Escola de Relações Públicas e Internacionais Woodrow Wilson da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, Luciana transitou, no início da carreira, entre o mercado de capitais e o mundo da moda. Atuou, na década passada, como analista de investimentos internacionais no Banco Pactual e como diretora financeira da Luminosidade Marketing & Produções à época em que a empresa, proprietária da São Paulo Fashion Week, compunha o portfólio de private equity da Vinci Partners.
A experiência no Pactual, que se estendeu por seis anos, acabou por falar mais alto. Em 2010, ela ingressou na M Square, asset especializada em investimentos no exterior. Luciana, que conta com uma congênere no time de seis sócios do negócio, integra o comitê de investimentos da gestora, fato raro até mesmo no exterior. “Trabalhamos com cerca de 40 assets estrangeiras e só uma delas conta com uma mulher em posto de destaque na equipe de gestão”, disse. “A maioria das executivas trabalha na área operacional e em marketing. As mulheres, contudo, têm grandes contribuições a dar à área de gestão, pois são muito cuidadosas na tomada de riscos”.
Expert no assunto, como a nomenclatura de seu cargo indica, Tatiana desembarcou nos mercados financeiro e de capitais por acaso. Como não conseguiu exercer o diploma de tecnóloga em construção civil, obtido em 1995 na Universidade Estadual Paulista (Unesp), optou por um emprego no Itaú há 25 anos. Depois de quatro anos atuando na retaguarda do banco, começou a ganhar espaço e a desenvolver expertise em fundos de investimento. Trabalhou na criação de produtos, lidou com fundações de previdência e seguradoras e participou, na Itaú Asset Management, da implantação da mesa de operações de fundos indexados. Lá executou um de seus trabalhos de maior fôlego, o desenho do ETF de renda fixa do Itaú Unibanco, que começou a ser negociado na B3 em maio último com o código IMAB11.
“O projeto teve início no fim da década passada. Achei fantástica a ideia de colocar um fundo de renda fixa na bolsa de valores, mas sabia que a sua execução não seria fácil, pois não havia um marco legal para o produto”, contou. “A proposta, contudo, ganhou o apoio de parceiros importantes, especialmente da Secretaria do Tesouro Nacional, que garantiu as normativas legais para uma emissão exclusiva de títulos públicos para o ETF.
Há dois anos, Tatiana ganhou um assento na diretoria do Itaú Unibanco, na qual as mulheres somam três dos 21 integrantes. Em sua longa trajetória no banco, ela relatou que só se sentiu vítima de discriminação pela juventude e não em razão de gênero. “Antes, era difícil para qualquer um ocupar cargos de chefia antes dos 30 anos”, observou a executiva, que se disse contrária à criação de cotas para mulheres nas cúpulas das empresas. “Sou favorável, isto sim, à meritocracia”, assinalou, sendo efusivamente aplaudida pela plateia.
Critérios ASG – O encontro também destacou a forte contribuição feminina nas áreas de investimentos sustentáveis e de impacto social. Os temas foram abordados no último painel por Eliane Lustosa, responsável pela introdução da sustentabilidade na agenda do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e por Luciana Antonini Ribeiro e Fernanda de Arruda Camargo, sócias-fundadoras das assets EB Capital e Wright Capital Wealth Management.
Criada no início de 2017 por profissionais egressos do Grupo RBS, do Rio Grande do Sul, a EB Capital investe em negócios de menor porte, de preferência fora dos grandes centros urbanos do país, com potencial de apresentar soluções para carências estruturais do país. “Um exemplo é a Sumicity, empresa que oferece serviços de banda larga com tecnologia de fibra ótica a preços muito acessíveis no interior do Rio de Janeiro”, disse Luciana. “Desde que nos tornamos investidores, em 2018, a carteira de clientes da empresa saltou de 45 mil para quase 200 mil assinantes.”
Doutora em Direito Privado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ela se dedicou durante 19 anos ao departamento jurídico da RBS, tendo alcançado, inclusive, um posto no board do conglomerado. Quem a convenceu a abraçar a área de investimentos foi um craque renomado, o ex-CEO da Petrobras e da BRF Pedro Parente, que ela conheceu no Grupo RBS e hoje lhe faz companhia na EB Capital como sócio e presidente do conselho de administração. A asset pilota dois fundos de investimentos em participações (FIPs), com um volume total de cerca de R$ 700 milhões, e planeja captar mais R$ 600 milhões com um terceiro, que seguirá o mesmo padrão “revolucionário” adotado pela casa. “As mulheres vêm cumprindo papel fundamental na introdução de conceitos de sustentabilidade no universo masculino do mercado de capitais. É algo natural, pois acredito que temos muito mais apego às transformações”, observou Luciana.
Investimentos de impacto – Em atividade há pouco mais de cinco anos, a Wright Capital é uma prova dessa vocação feminina. Com quatro mulheres na operação, o equivalente à metade de sua equipe, a asset é voltada inteiramente a investimentos de impacto. A opção foi consequência da apresentação, antes da criação formal da empresa, de uma encomenda pouco usual no Brasil em meados da década: um FIP exclusivo que não propiciaria retorno ao investidor. Ainda sem recursos e estrutura suficientes para estruturar o veículo por conta própria, Fernanda se viu, logo de cara, diante de um obstáculo: o patrimônio líquido do fundo era inferior aos custos de montagem.
“O investidor não me deu ouvidos e disse que eu teria de me virar para viabilizar o FIP. E foi exatamente o que eu fiz: convenci uma asset a executar o trabalho de graça”, disse ela. “O fundo acabou virando uma referência no mercado e acabou por dar origem à Wright Capital. Fui picada pelos investimentos de impacto, só toco projetos de transformação com viés social.”
Graduada em economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ela tomou contato com o universo masculino do mercado de capitais ainda na adolescência, aos 16 anos. No final das manhãs, saía do colégio e seguia rumo a uma corretora de valores instalada na rua Líbero Badaró, região do antigo polo financeiro de São Paulo, onde aprendeu os primeiros conceitos do mercado. “Éramos apenas duas garotas em meio a um grupo de cerca de 60 homens”, recordou.
Depois de uma escala nos Estados Unidos, onde trabalhou na Merrill Lynch e como baby sitter, Fernanda retomou a sua carreira no mercado brasileiro, tornando-se, na década passada, sócia da Gávea Arsenal Gestão de Patrimônio e, na sequência, da Vinci Partners. Antes dessa ascensão, viveu uma experiência marcante na área de tesouraria do Deutsche Bank, o território mais masculino no qual ela já atuou. “Lá, quase virei homem”, conta bem-humorada. “Comecei a abusar dos palavrões, como meus colegas, e deleguei a terceiros a tarefa de comprar minhas roupas”, diz. “Passado algum tempo, aceitei os conselhos de uma amiga e dei uma virada radical: voltei a escovar demorada e cuidadosamente os meus cabelos e ia de rosa para o trabalho.”
Talvez por cautela, em alguns casos, ou timidez, em outros, a grande maioria das convidadas não fez referência a episódios de discriminação de gênero. As duas únicas exceções, ambas entre as mais jovens da turma, foram a especialista em fundos de investimentos Luciana Seabra e a influenciadora digital Ana Laura Magalhães, essa última ligada ao grupo XP. A única depoente a colocar o dedo, de fato, nas feridas do preconceito e da misoginia, no entanto, foi Denise Hills, diretora global de sustentabilidade da Natura, que militou, de 1988 a junho último, no Citibank, no Bank Boston e no Itaú Unibanco. Ela lembrou que as brasileiras só puderam abrir contas bancárias e trabalhar fora de casa sem autorizações por escrito de pais ou maridos a partir da década de 1960 e fez uma provocação que deixou a plateia em silêncio: “Se você tem mais de 30 anos de mercado financeiro e nunca percebeu preconceito, deve ser muito distraída”.
Embora ainda seja elevada a crença na meritocracia, por mais que os números e indicadores do mercado de trabalho desmintam essa prática, muitas mulheres já começam a somar forças em seus ambientes profissionais. Como observa Carolina Cavenaghi, é crescente o número de grupos femininos em instituições financeiras organizados de forma autônoma ou até mesmo por incentivos diretos dos empregadores. “É um fenômeno recente, mas que já é realidade em praticamente todas as grandes corporações do setor financeiro”, comentou a executiva.