Lucros crescem com mulheres | Empresas com mulheres no comando sã...

Edição 296

 

Sylvia Coutinho, presidente do banco suíço UBS no Brasil, tem um tom de voz calmo e tranquilo. Não costuma alterar a voz para se fazer ouvida em um setor esmagadoramente dominado por homens, como é o mercado financeiro. “Discuto de igual para igual, procuro basear bem minhas ideias, porque contra fatos não há argumentos”, diz Sylvia, que cultiva uma modo bem cartesiano de pensamento. Ela comanda, de seu escritório com vista privilegiada para a avenida Faria Lima, em São Paulo, uma equipe de 400 pessoas e R$ 30 bilhões em gestão de recursos de clientes. Para contrabalancear o pesado ritmo de trabalho, costuma se refugiar aos fins de semana em sua casa na Serra da Cantareira em meio à família, gatos e cachorros.
A executiva costuma ser citada como referência no mercado porque foi “a primeira” em muitas coisas. A primeira mulher a assumir a presidência de um grande banco internacional (comanda o UBS Brasil desde 2013), depois de já ter sido a primeira mulher a integrar o comitê executivo do HSBC no Brasil e também a pioneira no comando dos negócios de varejo e gestão de recursos para a América Latina do mesmo banco. Mas Sylvia ainda é uma exceção em cargos de liderança no mercado financeiro.
A maior diversidade de gênero nos altos escalões das empresas deixou, há muito, de ser uma pauta exclusivamente do movimento feminista buscando igualdade de oportunidades no mundo do trabalho. Desde que se apurou que um maior número de mulheres nas cadeiras de comando se traduz em maior retorno financeiro dos negócios, até índices acionários com esse parâmetro surgiram em bolsas de valores, caso do MSCI Women’s Leadership Index, criado no ano passado. Segundo Paula Salamonde, diretora executiva para a América Latina do MSCI, há uma tendência crescente no mercado chamada “gender lens investing” (investimento sobre a ótica de gênero, em uma tradução literal), que integra o estudo de gênero na análise financeira para obter um melhor resultado nos investimentos. “Cerca de US$ 500 bilhões em ativos já seguem essa estratégia no mundo hoje”, diz Paula.
Um conjunto crescente de pesquisas mostra que ter três mulheres no conselho de administração representa um “ponto de inflexão” em termos de influência, o que se reflete no desempenho financeiro das companhias. Um estudo da MSCI com empresas americanas, realizado entre 2011 e 2016, mostrou que as que tinham pelo menos três mulheres no conselho apresentaram ganhos médios no retorno sobre o capital próprio (ROE, na sigla em inglês) de 10 pontos percentuais e uma variação do lucro por ação de 37% no período. Já as empresas que não tinham mulheres no conselho mostraram queda de 1 ponto percentual no ROE e redução de 8% no ganho por ação. O estudo admite uma correlação, mas não estabelece um nexo de causalidade entre os fatores. Estudos acadêmicos, porém, relacionam a maior diversidade a níveis mais altos de criatividade e melhor tomada de decisão.
Mas apesar de trazer contribuições e ganhos para os negócios, elas ainda são minorias nos cargos de liderança. A consultoria Oliver Wyman fez no ano passado um estudo sobre a representatividade das mulheres na liderança de empresas de serviços financeiros. A análise cobriu 381 companhias, em 32 países, e mostrou que a parcela de mulheres nos comitês executivos é de 16% no mundo e de 10% no Brasil. O país com o melhor indicador é a Noruega (33%) e o pior é o Japão (2%).
A consultoria observa que a diversidade de gênero está crescendo nos conselhos de empresas financeiras (20% de mulheres em 2016) e nos comitês executivos, mas que o progresso ainda é lento. À taxa de crescimento atual, o mercado financeiro mundial só alcançará 30% de mulheres nos comitês executivos em 2048, segundo a pesquisa.
Para Andréa Lopes, diretora de administração de recursos de terceiros do Banco de Brasília (BRB), custa mais às mulheres chegar a cargos de liderança. “Sempre precisamos entregar mais do que nos é pedido”, afirma.
O cenário não é diferente quando se olha o mercado de trabalho de forma geral. O relatório “Women in Business 2016”, da consultoria Grant Thornton, mostra que uma em cada quatro presidências de companhias no mundo é ocupada por uma mulher, fatia que é de 16% no Brasil – número subiu de 11% em 2015. A pesquisa foi realizada em 36 países e consultou 2.500 empresas, sendo 150 brasileiras. O estudo observa que apesar dos avanços, o avanço da presença feminina é demorada. O Fórum Econômico Mundial projeta que a equidade de gênero no mercado de trabalho vai demorar 80 anos para ser atingida se continuar no atual ritmo.

Formação – Apesar de terem em média mais anos de estudos, as mulheres ainda se deparam com salários menores do que seus pares masculinos. Claudia Beldi, presidente da Finaxis (antigo Banco Petra), conta que lida com o preconceito de gênero desde a faculdade de engenharia elétrica que cursou, com especialização em telecomunicações. “Das mulheres sempre foi cobrado que estudassem e trabalhassem mais para provar sua capacidade, além de ter que ouvir ‘piadas’ do tipo: mulher tem que escolher se quer ser bonita ou engenheira”, conta.
Ela chegou a ser assediada por um professor da faculdade, fez uma denúncia à diretoria da instituição e o professor foi demitido. Ciente dessa realidade também no ambiente de trabalho, criou no banco um comitê de ética bastante rigoroso, que pune com demissão por justa causa casos de assédio e discriminação (até o momento o único caso reportado foi de homofobia, o que gerou a demissão de um gestor após averiguações). “As mulheres costumam ter receio de denunciar esse tipo de situação, de se expor, temem ser julgadas. Então é necessário criar políticas e estruturas de ouvidoria que garantam o anonimato, por exemplo”, diz Claudia.
E as pedras no caminho continuaram ao longo de sua vida acadêmica. Claudia lembra que em 2002, no Master in Business Administration (MBA) em gestão empresarial que cursou na Fundação Dom Cabral, teve a oportunidade de fazer uma linha de extensão na escola de negócios Isead, na França. Ela, porém, considerou não fazer o curso diante de uma rotina que envolvia dois filhos pequenos e um divórcio recente. O coordenador do curso, porém, providenciou condições para que ela levasse os filhos (de dois e três anos) para a temporada de estudos francesa. E lá se foi ela e uma babá para a empreitada, tão inusitada que as crianças ganharam uma placa de BBA (Baby in Business Administration) para usar no refeitório da escola de negócios. “No fim do curso, o coordenador me chamou lá na frente para elogiar a mulher que, mesmo com filhos pequenos, não deixou de estudar. Aquilo foi muito significativo para mim”, lembra a presidente do Finaxis, banco que fundou em 2010 e que tem hoje R$ 11,5 bilhões em recursos de fundos sob administração e custódia.
Andréa, do BRB, avalia que a constante especialização em uma área com carência de profissionais certificados, a de previdência complementar, foi um grande impulsionador de sua carreira. Antes do banco, a executiva teve passagens pela Funcef, Mercer e pela antiga Secretaria de Previdência Complementar (SPC, hoje Previc). Ela conta que além da carreira, o tema previdenciário fez parte da sua trajetória pessoal. Seu pai foi funcionário da Petrobras e antes de falecer de forma precoce, aos 46 anos, sacou os recursos de seu plano de benefícios em meio a um plano de demissão voluntária (PDV). “A morte de meu pai deixou a família desamparada, pois minha mãe não trabalhava e ficamos sem poupança. Ao longo da minha carreira, vi como o papel dos fundos de pensão é importante no suporte de famílias que passaram o mesmo que a minha”, conta Andréa.
O fato de ter uma rede de apoio em casa e na vida pessoal é citado com frequência como fator essencial para a ascensão das mulheres, especialmente as que são mães, a cargos de liderança. “Um mundo de fato igualitário seria aquele onde as mulheres comandassem metade dos países e das empresas e os homens dirigissem metade dos lares”, escreveu Sheryl Sandberg, executiva do Facebook, no livro “Faça Acontecer”. Andréa, do BRB, conta que contou com o apoio da mãe para conciliar os estudos, o trabalho e a maternidade no início da carreira.
Já Sylvia, do UBS, que morou nos Estados Unidos e em países da Europa e da Ásia devido ao trabalho, diz que isso só foi possível por que o marido se dispôs a acompanhá-la e sempre dividiu com ela as tarefas domésticas e a criação dos dois filhos. Mas ainda assim, por conta da carreira, ela diz ter aberto mão de ter tido mais filhos e de ter estado mais presente no dia a dia da família. Mas não se arrepende de nada. Sylvia brinca que quando se aposentar vai passar a velhice assistindo à pilha de VHS que a sogra gravou de festas na escola e competições esportivas dos filhos em que ela não pode estar presente. “Cheguei a fazer quatro viagens internacionais por mês na época no HSBC”, lembra.
Renata Moraes, sócia-fundadora da Impulso Beta, consultoria de liderança feminina, explica que há crenças sociais que dão origens a todos os desafios que as mulheres enfrentam: a divisão sexual do trabalho, que em algum momento fez sentido, mas hoje não mais com as mudanças na constituição das famílias e do mercado de trabalho. No entanto, essa divisão por gênero ainda se perpetua. No mercado financeiro, por exemplo, ao entrar numa agência bancária, encontra-se muitas profissionais mulheres. Mas em áreas de maior prestígio, como banco de investimentos, a presença feminina ainda é bastante escassa. “Alguns estereótipos continuam. Ao liderar uma equipe, é esperado do homem que dê a última palavra, que falem grosso. Já nas mulheres, a característica da influência é mais forte, de liderar de maneira mais consensual e sutil, muito derivada do ambiente familiar, em que ela não tinha espaço e voz”, observa. Ela destaca que para entrar e sobreviver em carreiras dominadas por homens, as mulheres precisam desempenhar habilidades que foram criadas por e para homens. Ou seja, precisam jogar o jogo deles para disputar espaço.

Gestão – O estilo de gestão feminino é diferente do masculino, segundo Claudia, da Finaxis. Segundo ela, as mulheres costumam tomar as decisões de forma mais colegiada, após ouvir a opinião de seus pares, o que torna o resultado mais assertivo. “Dessa forma, as decisões também são mais bem aceitas, porque contou com a participação e opinião de todos”, afirma. De fato, pesquisas acadêmicas em gestão e psicologia mostram que grupos com composições mais diversas tendem a ser mais inovadores e tomar melhores decisões. “O benefício da visão de gênero é que o conflito de ideias é enriquecedor, é sadio”, observa Paula, do MSCI. Estudos da empresa mostram que companhias que não possuem diversidade em seus conselhos sofreram mais controvérsias relacionadas à governança do que a média.
A pesquisa da consultoria Grant Thornton avaliou também como homens e mulheres enxergam riscos e oportunidades dentro de suas organizações e reagem de maneira diferente diante destes desafios. A pesquisa pediu a 5.500 líderes empresariais homens e mulheres que indicassem em uma escala de 1 a 5 a quantidade de risco representada por diferentes aspectos da vida organizacional e comercial, como mudanças econômicas, regulatórias e concorrência. Devido a literatura acadêmica e o senso comum perceberem as mulheres com tendo maior aversão ao risco, a consultoria esperava que os resultados mostrassem que as mulheres veem mais risco. Mas foi exatamente o contrário: em oito das dez categorias, os homens veem maior risco do que as mulheres.
Pamela Harless, líder de pessoas e cultura da Grant Thornton, EUA, explica que “as mulheres tendem a operar de maneira mais nebulosa do que os seus colegas masculinos”. Isso significa que elas não se apressam em rotular uma situação como um risco. Primeiro elas consideram o contexto e as nuances para compreender plenamente as implicações. “As mulheres costumam ter uma visão mais holística e de lono prazo”, diz Sylvia, do UBS. Risco consciente, diligente, detalhado – estes foram alguns dos termos usados para classificar as qualidades das mulheres entre os entrevistados da pesquisa. “Muitas empresas hoje em dia ainda são dirigidas por equipes exclusivamente masculinas e por isso, estão mais propensas a serem míopes quando se trata de risco”, diz Francesca Lagerberg, líder global de impostos e responsável pela pesquisa da Grant Thornton.
Outro assunto em que também não há consenso – mesmo entre o público feminino – é sobre o estabelecimento de cotas para participação de mulheres nos conselhos e diretorias de empresas. “Queremos estar em posições de liderança por mérito, mas isso só ocorre quando há igualdade de oportunidades”, diz Paula, do MSCI, cujo conselho tem 30% de suas cadeiras ocupadas por mulheres. Segundo ela, estudos mostram que esse tipo de instrumento pode ser benéfico em um determinado espaço de tempo, como mostram iniciativas nos EUA e na Europa. Claudia, da Finaxis, porém, tem receio de que o efeito desse tipo de iniciativa não seja o desejado.
No Brasil, um Projeto de Lei do Senado (PLS) 112/2010 estabelece que pelo menos 10% das vagas dos conselhos de administração das empresas públicas e sociedades de economia mista deverão ser destinadas às mulheres até 2018. Essa fatia deve subir para 20% em 2010 e 30% em 2022. Para Sylvia, esse tipo de instrumento não pode sobrepujar a meritocracia, mas que traz resultados no curto prazo, acelerando um processo que anda a passos lentos. “Nada impede de ter mérito e competência dentro de alguns critérios que force o aumento da participação das mulheres”, diz a executiva, com uma apresentação sobre liderança feminina em mãos, para uma palestra que daria para uma equipe do banco na semana seguinte. Sylvia diz que nunca pensou muito nessas questões de gênero. Mas devido às barreiras que ainda se impõem para as mulheres, continua tendo que fazer esse recorte ao falar de sua carreira. “É importante que elas vejam exemplos de mulheres que romperam essa barreira e ajudar que outras consigam.”