Edição 235
Tradicionalmente conhecida pela gestão de multimercados e, mais recentemente, pela atuação no segmento de private equity, a Gávea Investimentos ampliou o foco e criou, no fim do ano passado, uma área dedicada à renda variável. A Gávea Equity, formada a partir da aquisição da gestora independente AguasClaras em junho de 2011, ainda não representa muito em volume de recursos, mas é importante na estratégia do grupo comandado pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. No fim de janeiro , a Gávea Equity tinha R$ 145,9 milhões sob gestão, incluindo fundos locais e offshore, o que é pouco em comparação com os R$ 12,7 bilhões da Gávea Investimentos. Mas sem dúvida a compra veio para complementar os negócios da companhia.
A AguasClaras, gestora especializada em ações, foi fundada em 2008 por Thomas Mello e Souza, que antes chegou a liderar o time de renda variável da Merrill Lynch no Brasil. Com a aquisição, ele tornou-se responsável pela área de renda variável da Gávea Investimentos. Souza explica que a filosofia de gestão dos fundos de renda variável da casa é baseada em análise fundamentalista, sendo que a escolha das melhores empresas para se investir é feita de maneira específica, e não temática.
“O processo de gestão envolve uma divisão da nossa carteira em duas categorias de exposição: uma estrutural, que representa cerca de 80% do portfólio, em empresas com viés de longo prazo, de um a três anos. Nesse caso, buscamos uma concentração maior, com cerca de oito a 15 papéis, sendo que o limite de concentração por empresa é de 20% da carteira; já os 20% restantes se dão em posições de curto prazo, de até seis meses. Adotamos uma gama maior de estratégias, com posições menores. Esta parte da carteira tem o propósito adicional de ser um terreno de geração de novas ideias”, detalha Souza.
A aposta é feita em empresas que atendam a requisitos como posição de mercado relevante, baixa intensidade de capital ou custo competitivo, potencial de crescimento robusto e sustentável e geração de retorno sobre capital empregado acima do seu custo de capital. “Buscamos empresas que adicionem valor em seu negócio, ofereçam barreiras de entrada e governança corporativa forte, estejam em processo de reestruturação, tenham uma administração competente – porque um bom negócio não aguenta um desaforo administrativo por muito tempo – e, finalmente, estejam precificadas de forma inadequada em relação ao cenário traçado por nossa equipe de gestão”, diz Souza.
É um discurso que cai como uma luva ao de Armínio Fraga, que trabalha com um cenário positivo para a economia brasileira, marcado por um ambiente de inflação mais controlada e previsível, uma tendência de queda nos juros reais e nominais e uma importante evolução nas práticas de governança corporativa . “Não é à toa que o Brasil está no foco dos investidores internacionais”, afirma. Fraga ressalva, porém, que esse processo de evolução está longe de terminado. Ele espera, por exemplo, uma quantidade crescente de empresas listadas em bolsa.
Essa expectativa é coerente com a posição que ele ocupa desde 2009, de presidente do Conselho de Administração da BM&FBovespa, e endossa os planos da Bolsa, anunciados em 2010, de trazer 200 novas companhias para o mercado acionário brasileiro até 2015. “Não se trata de uma meta, mas sim de uma forma de provocar o mercado e fazer um alerta sobre o fato de o número de empresas listadas por aqui ser muito inferior ao de outros países”, diz Cristiana Pereira, diretora de relacionamento com empresas e institucionais da BM&FBovespa. “Desde que foi lançado o desafio, conseguimos trazer 17 companhias”, informa.
Para ela, os fatores negativos que limitaram a expansão do mercado acionário no Brasil no passado, como a alta inflação, as elevadas taxas de juros e uma cultura empresarial patrimonialista, já não contam tanto. “Nós vivemos hoje uma situação diferente. Com a estabilidade econômica e a queda dos juros, as empresas conseguem se planejar melhor”, lembra Cristiana. “Além disso, o controle das empresas familiares está passando para a segunda ou terceira geração. Nem todos os herdeiros têm interesse no negócio, e existe a necessidade de profissionalização da empresa e da implementação de uma estrutura mais estável para garantir a continuidade da companhia”, completa.
Liquidez – A Gávea entrou no mercado de private equity em 2006 e tem dado tacadas certeiras. Na sua lista de aquisições estão participações em empresas como Unidas, Azul e Camil Alimentos, entre outras. Mas os fundos de private equity, embora possam trazer bons retornos, são veículos de horizonte mais longo, e muitos clientes da gestora estavam em busca de liquidez. “A nova área de negócios de renda variável foi criada para atender a este público e, dada a sua estrutura, também nos permite admitir um investimento mínimo inicial menor”, diz Fraga, para quem a vinda de Souza e seu time de análise micro fundamentalista agrega muito à Gávea. “O retorno histórico deles é muito bom”, afirma Fraga. O fundo Gávea Estratégia FIC FIA (antigo AguasClaras), que roda desde setembro de 2009 sob a gestão de Souza, gerou até janeiro de 2012 um excesso de retorno de 56,38% sobre o Ibovespa.
Para o gestor, com a aceleração do crescimento econômico e queda do juro real, o Ibovespa pode subir entre 25% e 30% este ano, para algo próximo de 74 mil pontos. Apesar do otimismo, a Gávea está preparada para enfrentar eventuais percalços no meio do caminho. “Como focamos nossa análise em qualidade de balanço, geração de caixa, competitividade e governança, entre outros fatores, o processo de análise por si só atenua o impacto de um ambiente adverso na carteira, como aconteceu em 2010 e 2011 para os nossos fundos”, atesta Souza.
Institucionais – Com a aquisição da AguasClaras no ano passado, a grade de produtos de renda variável do Grupo Gávea passou a contar com os fundos Gávea Estratégia Ações FIC FIA, Gávea Brasil Equity Fund e Gávea Ações FIC FIA, este último um long only que foi adaptado em novembro de 2011 às resoluções que tratam dos investimentos dos fundos de pensão e regimes próprios.
Fraga comenta que, diante da tendência de queda de juros básicos, as fundações devem aumentar a exposição a risco e abrir mão de liquidez para buscar um retorno superior no longo prazo. “Estamos falando de um movimento saudável, com experiências internacionais de sucesso que servem como exemplo. Nos Estados Unidos, o segmento institucional é um grande cliente da indústria de fundos de ações, private equity e hedge funds”, aponta. Fraga considera que os fundos de ações são bons veículos de investimento de longo prazo, assim como multimercados que estejam aptos a receber recursos institucionais, enquadrados como produtos estruturados na CMN 3.792. Ele acrescenta que os investimentos no exterior, que hoje podem ser feitos por meio de multimercados no Brasil, também são uma opção interessante, uma vez que trazem oportunidades não encontradas no País e oferecem uma diversificação maior. “Gosto de enfatizar a importância do gerenciamento de risco neste processo de forma a evitar perdas acima do tolerável pelos participantes – mesmo que isso possivelmente leve a uma redução da meta atuarial”, pondera ele.
Fraga situa o Brasil hoje entre os países com bons fundamentos no mundo. Para o ex-presidente do BC, os maiores riscos no curto prazo vêm de fora. “Primeiro, temos os problemas já bastante conhecidos no G-7. A maioria desses países precisa passar por desalavancagem dos governos, dos bancos e das famílias, mas está com um ambiente político fragilizado e já amarga alguns anos de desemprego elevado, o que torna qualquer ajuste mais difícil e incerto. Esses países devem crescer pouco ou até ter recessão nos próximos anos”, aponta.
Fraga diz que outro foco de risco é a China, país em que ele até vê bons fundamentos, mas onde não se pode esquecer que é preciso implementar uma mudança de padrão de crescimento, voltando-se mais para o consumo doméstico e operando uma desaceleração suave. “Desde 2008, o país segurou a economia por meio de enorme expansão de crédito e investimento, o que aumenta os riscos de que essa transição futura não seja tão suave. A China é muito importante para os preços de produtos exportados pelo Brasil, e uma reversão da tendência por lá pode ter um impacto relevante para a nossa economia”, alerta. Ele lembra, porém, que o Brasil criou condições que permitem que os efeitos de uma possível deterioração do cenário externo sejam amenizados. “O câmbio é flutuante, reduzindo o risco de ataques especulativos. Temos US$ 350 bilhões em reservas internacionais. O sistema financeiro está em ordem, com bancos em geral capitalizados. E, por fim, o governo tem munição para contra-atacar, dado que os juros ainda são altos, o volume de crédito é relativamente baixo e o endividamento público líquido se reduziu nos últimos anos. A soma de tudo isso ajuda a explicar porque, mesmo com tantos riscos globais, temos uma visão construtiva para o Brasil”, afirma o sócio-fundador da Gávea.