A progressiva queda da taxa Selic e da remuneração oferecida pelos títulos públicos federais, a partir do final do segundo semestre de 2016, despertou o apetite dos investidores institucionais por títulos de crédito privado e fundos lastreados nesses papéis. Antes pouco valorizadas pela maioria das entidades fechadas de previdência complementar (EFPCs), tais opções passaram a ganhar destaque nas políticas de investimento do sistema, fazendo jus, inclusive, a fatias de dois dígitos nos portfólios de alguns fundos de pensão. A manutenção dessas apostas, entretanto, está dando trabalho aos gestores das fundações de previdência, apesar do expressivo crescimento das emissões de debêntures não incentivadas – títulos mais demandados pelo setor –, que somaram R$ 129,1 bilhões em 2018, um crescimento de 47,54% em relação a 2017.
“A oferta de debêntures apresentou, de fato, forte crescimento, mas ficou bem aquém da demanda, o que acabou por comprimir os prêmios”, comenta Guilherme Benites, sócio da Aditus, consultoria voltada ao atendimento de EFPCs. “Além da remuneração pouco atraente para as entidades, que têm metas atuariais a cumprir, boa parte dos títulos que vêm chegando à praça embutem riscos maiores de crédito, pois estão atrelados a equacionamentos de dívidas e não a projetos de expansão, o que contribui para torná-los ainda menos interessantes.”
A combinação desses dois fatores adversos vem provocando revisões de alguns planos de voo. Uma das maiores fundações do país, a Funcesp, em entrevista à Investidor Institucional há dois meses disse que tinha reduzido as suas alocações em crédito privado em dois terços ao longo dos últimos anos, para R$ 900 milhões, sem planos de rever a decisão tão cedo. A maioria das entidades, no entanto, segue em busca de opções e soluções.
Crédito estruturado – Já a Fundação Copel, com 10% de seu portfólio alocado no segmento, o equivalente a R$ 1,1 bilhão, recorreu a novos gestores da área. Há dois anos, a Capitânia foi encarregada de pilotar um fundo de crédito estruturado, lastreado com certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) e imobiliários (FIIs), entre outros, que conta hoje com um patrimônio líquido de R$ 350 milhões. Em 2018, outras assets passaram a gerir fundos ancorados em papéis com ratings maiores e prêmios menores.
“Ou seja, primeiro contemplamos a gestão ativa, depois a solidez”, assinala o diretor de investimentos José Carlos Lakoski. “Acertamos no timing e na escolha dos gestores, que têm grande expertise em estratégias de crédito mais sofisticadas. O fundo gerido pela Capitânia, por exemplo, vem compensando a sua maior exposição ao risco com retornos excelentes.”
O desafio da EFPC será implantar o mesmo padrão na carteira sob gestão da casa. A tarefa inclui uma maior diversificação de emissores, a exemplo do que fizeram as assets contratadas desde 2017, além, claro, de spreads pelo menos equivalentes aos dos títulos que se aproximam do vencimento. “A intenção é manter a participação do crédito privado no portfólio ao redor de 10%, mas não está sendo nada fácil cumprir tal meta”, observa Lakoski. “Como reflexo da multiplicação de fundos de crédito nas plataformas de investimento, grande parte das debêntures não incentivadas garantem remuneração pouco superior à variação do CDI.”Situação ainda mais complexa é enfrentada pela Fundação Banrisul. Com patrimônio líquido de cerca de R$ 4,9 bilhões, a entidade gaúcha pretende elevar para 12% a participação do crédito privado em seu portfólio, que caiu recentemente para 8,97% em razão dos vencimentos de vários lotes de títulos ocorridos no fim do primeiro quadrimestre. “Como as debêntures das novas safras acenam com juros insatisfatórios, planejamos recorrer ao mercado secundário, ou seja, comprar papéis já em andamento”, conta o diretor financeiro Álvaro de Borba Kafruni. “Vai dar mais trabalho, pois teremos de analisar com muito critério o rating e os fluxos de pagamento, mas é uma solução de curto prazo ditada pela realidade do mercado primário.”
Embora não seja inédito, o recurso ao mercado secundário é algo raro na trajetória da EFPC, que, de qualquer forma, acumula grande experiência em títulos de crédito. No fim da década passada, esses ativos chegaram a responder por 32% das aplicações da Fundação, com forte concentração em papéis do setor financeiro. Tal bagagem servirá de referência para outra opção de aplicação em estudo. “Também estamos de olho em letras financeiras com vencimentos em até sete anos e prêmios razoáveis. Títulos com prazos mais longos, de uma forma geral, não nos interessam, já que a incerteza do cenário econômico ainda é muito grande”, diz Kafruni.
Diversificação – Fruto direto da necessidade de diversificação dos portfólios, imposta pela perda de gás da renda fixa tradicional, o crédito privado já começa a entrar no radar de entidades sem quilometragem na área. É o caso da Fundação Promon de Previdência Social (FPPS), decana entre as EFPCs privadas. Com um patrimônio líquido de R$ 1,6 bilhão, a FPPS começou a cogitar a hipótese no fim do ano retrasado, durante a elaboração de sua política de aplicações para o exercício seguinte. O primeiro ensaio ocorreu na segunda metade de 2018, com uma pequena alocação em um FIDC de crédito estruturado lastreado por papéis originados pelo próprio gestor. “O próximo passo será o debate, em nosso comitê de investimentos, dessa nova opção, o que deve ocorrer no segundo semestre”, diz o diretor de investimentos André Natali Schonert.
Se a proposta prosperar, a sua implementação se dará, provavelmente, por meio da constituição de um veículo exclusivo a cargo de uma asset especializada. A mesma diretriz, diga-se, foi adotada recentemente nos mandatos dos fundos estruturados e de renda fixa. Os gestores encarregados foram orientados a focar as suas operações em juros, moeda e inflação, e a deixar o crédito privado de lado. “Definimos assim, com boa antecedência, a necessidade de contar com um fundo puro sangue no segmento sob a administração de experts. Só assim será possível encontrar alternativas que garantam boas taxas de risco e retorno”, observa o executivo.
A ampliação do leque de aplicações dos institucionais vem se traduzindo, como era previsível, em bons negócios para assets tradicionais e até mesmo de menor porte. Quinta maior gestora de recursos de fundos de pensão, com ativos de R$ 51,63 bilhões em dezembro, a Santander Asset Management registra um crescimento expressivo da procura por fundos exclusivos concentrados em crédito privado, multimercados e ações. “O crédito vem ganhando corpo de forma consistente, do varejo ao atacado, desde 2016. Uma maior demanda dos institucionais, contudo, dependerá de um salto nas emissões, o que só será possível com a retomada do crescimento econômico”, comenta o superintendente de gestão de fundos Cal Constantino.
Visão otimista – Detentor da maior carteira do gênero no país, com cerca de R$ 130 bilhões em títulos privados, o grupo Itaú Unibanco também tem uma visão otimista do segmento a médio e longo prazos, com um cenário macroeconômico mais favorável. César Ming, diretor comercial para investidores institucionais do Itaú BBA, destaca a forte expansão desse nicho de mercado, refletida, entre outros indicadores, pela multiplicação de emissores. “As empresas não financeiras, que respondiam há alguns anos por algo em torno de 5% a 10% dos papéis, ganharam muito espaço e detêm hoje uma participação de 40% em nossas carteiras, chegando até a 80% em portfólios de maior risco”, observa ele, que percebe uma certa cautela dos institucionais nas apostas dos institucionais. “A preferência é maior por títulos com ratings mais elevados e remuneração pouco acima da variação do CDI. É uma opção que reflete uma maior consciência dos profissionais das fundações de previdência em relação ao risco.”
Com um ano de mercado, a paulista Devant Asset, surgida de desmembramento da consultoria de investimentos RTSC, começa a marcar presença na praia dos institucionais. Seu trunfo é o Solidus Cash, um fundo de renda fixa baseado em crédito privado que, com patrimônio líquido por volta de R$ 140 milhões, teve o regulamento modificado, há seis meses, para atender às diretrizes da Resolução 4.661 do Conselho Monetário Nacional (CMN), de maio de 2018. O ajuste já atraiu um fundo de pensão privado para o time de cotistas e garantiu contatos e negociações com outros oito. “Os juros em queda facilitam a abordagem das EFPCs, que estão em busca de especialistas em estratégias de maior valor agregado”, diz o sócio Bruno Eiras. “Como o Solidus Cash ainda tem muito potencial de captação, vamos intensificar a prospecção de outras fundações. A meta até dezembro é contar com quatro novos cotistas institucionais.”