Fim da era familiar | Adesão ao Refis permite mensuração do passi...

Edição 271

 

A abertura do Refis no início do ano para as corretoras pagarem as multas referentes ao processo de desmutualização das bolsas, ocorrido no final de 2007, tirou a pedra do meio do caminho que dificultava o processo de consolidação no setor. Diversas corretoras queriam vender ou reestruturar seus negócios, e havia o interesse de grupos financeiros na compra. A incerteza dos passivos, porém, impedia a realização dos negócios. Com as dívidas enquadradas dentro do processo do Refis, as mudanças começam a ocorrer rapidamente desde fevereiro passado. De um lado ficaram as corretoras com estruturas familiares, do início do século passado, que não fizeram uma diversificação relevante das fontes de receita. E do outro, grupos corporativos bem capitalizados para investir em ganhos de escala, sendo o crescimento inorgânico uma das alternativas.
Um dos casos mais recentes de reestruturação foi o da Souza Barros, corretora fundada em 1928, especializada em renda variável, que anunciou no mês passado o fim de suas atividades de intermediação financeira. Da base de dois mil clientes ativos, as pessoas físicas foram migradas para a corretora Rico, focada no varejo. Já os clientes institucionais foram transferidos para a Planner.
Eduardo Lobo, diretor da Souza Barros, explica que a corretora chegou a avaliar a possibilidade de investir em uma reestruturação interna para ganhar escala e competitividade no mercado. No entanto, a conclusão a que chegaram foi a de que o investimento necessário era muito alto. Além disso, não havia uma garantia razoável de retorno da empreitada.
“A preferência da corretora foi por utilizar esses recursos para liquidar a pendência na Receita”, afirma o executivo. O valor pago pela Souza Barros para a Receita Federal foi de aproximadamente R$ 20 milhões. (leia no box).
“Sentíamos que não tinha perspectiva para o curto e médio prazo no negócio em que a gente focava, em relação ao segmento, já que a renda variável é o ponto forte da Souza Barros. E em relação aos preços, tem gente que cobra R$ 1,00 para executar uma ordem, chega a ser absurdo”, pondera Lobo, reclamando das baixas taxas cobradas pela concorrência. A Souza Barros é uma das mais antigas corretoras do país, fundada antes mesmo da grande crise mundial de 1929.
Uma das corretoras que ganhou market share com uma política agressiva de preços foi a Tov, que em 2013 reduziu de R$ 5,00 para R$ 1,99 a taxa de corretagem para operações de home broker. “Somos uma empresa superavitária, não temos interesse em comprar outras corretoras, vamos crescer organicamente”, afirma Fernando Heller, controlador da Tov. “Cadastramos 600 clientes novos por mês no home broker”, destaca o executivo.

Pioneira – Ainda mais antiga que a Souza Barros, a Magliano Corretora, fundada em 1927, foi a primeira corretora a operar na Bovespa. E para não encerrar as atividades, a empresa está atrás de parceiros que possam complementar sua grade de produtos, ou fortalecer a estrutura interna na área tecnológica.
“O mercado mudou radicalmente depois da desmutualização das bolsas. A bolsa era um clube de empresas e passou a ser outra empresa de capital aberto. Demoramos para entender essa mudança”, diz Raymundo Magliano Neto, presidente da Magliano Corretora.
Seu pai, Raymundo Magliano Filho, foi presidente da Bovespa de 2001 até 2007. Em outubro de 2007 ocorreu o processo de desmutualização. Magliano Filho já havia herdado a corretora de seu pai, fundador da corretora na década de 20. O negócio atravessou três gerações até chegar ao atual comando de Raymundo Magliano Neto.
Em 2011, quando assumiu a presidência da corretora, Magliano Neto passou a considerar parcerias no mercado. “Hoje estamos focados em pessoas físicas e no institucional não financeiro, em fundos de previdência e assets. Se conseguirmos encontrar outra empresa complementar, que tenha área de asset management, acho que vale a pena fazer. Mas por enquanto não tenho nenhuma novidade”, conta o presidente da corretora.
Há cerca de dois anos, a Magliano aderiu ao modelo Participante de Negociação (PN) criado pela bolsa, que busca reduzir o custo das corretoras. “Ajudou a diminuir bastante nossos custos, em cerca de 50% em tecnologia, mas acho que ainda pode melhorar, porque infelizmente hoje não somos lucrativos, como grande parte das corretoras. Por isso temos buscado parcerias”, pontua Magliano Neto. A Associação Nacional das Corretoras (Ancord) tem trabalhado em um projeto que busca reduzir o custo de suas associadas, que deve estar pronto durante o segundo semestre do ano (leia no box na página abaixo).
A administração de fundos é uma das áreas que mais tem crescido na Magliano, e seu presidente entende que esse pode ser um caminho para encontrar alternativas no mercado. “Em 2011 tínhamos R$ 500 milhões nesse segmento, e hoje ele está com R$ 1,1 bilhão, foi um crescimento importante em um ambiente difícil”, nota o executivo. “Uma grande asset ou uma corretora que venha a agregar nesse setor iria nos atrair bastante”.

Consolidadoras – Do outro lado do mercado, entre as corretoras que buscam fortalecer sua presença no segmento de maneira inorgânica, a Guide Investimentos é uma das mais atuantes. A corretora, controlada pelo BI&P (Banco Indusval e Partners) que, por sua vez, tem como maior acionista individual o fundo americano de private equity Warburg Pincus, anunciou em maio a compra da área de wealth management da Simplific Pavarini, e sua entrada no mercado de gestão de ativos. Foi a quinta aquisição nos últimos 18 meses da Guide, que está atenta às oportunidades regionais. A Simplific Pavarini é do Rio de Janeiro; em abril ela comprou a SLW Corretora, de São Paulo e ao longo de 2014, a Geraldo Corrêa Corretora, de Belo Horizonte, a Omar Camargo Investimentos, de Curitiba e o escritório de agentes autônomos BullMark Financial Group, de Brasília. “Queremos ter presença no Brasil inteiro, tudo depende do porte da operação”, afirma Alexandre Atherino, sócio da Guide Investimentos. “O nordeste ainda é um mercado inexplorado”, sugere.
No radar da corretora, diz o executivo, estão carteiras saudáveis de clientes pessoas físicas. “As corretoras que querem sobreviver tem de mudar o modelo do negócio, oferecer os produtos mais variados possíveis. A bolsa hoje é apenas um produto a mais, quem não se adaptar vai vender as carteiras para as corretoras mais modernas, e nós queremos ser consolidadores nesse mercado”, afirma Atherino.
A Guide também tem a estratégia de aumentar a base de clientes institucionais, mas esse não é um crescimento que acontece via aquisição, destaca o sócio da corretora. “O crescimento dessa carteira é via contratação de assessores comerciais”, pondera Atherino. Ele explica que mesmo com a aquisição de carteiras de institucionais, não há garantia de que ocorra a migração, assim como ocorre com os clientes individuais. Já a compra de corretoras com carteiras de pessoas físicas permite um nível elevado de migração. “O cliente pessoa física já está acostumado com o analista que o atende, então, tende a continuar como cliente, mesmo após um processo de mudança de controle”, diz o sócio da Guide.
A Rico Investimentos, plataforma de investimento da Octo Corretora, que em julho de 2014 anunciou a fusão com a CGD Securities (Caixa Geral de Depósitos), antiga Banif, também está atenta às possíveis oportunidades no mercado, após a absorção dos clientes da Souza Barros. A empresa tem mantido conversas com duas corretoras voltadas para o varejo.
Embora a carteira de clientes pessoa física responda hoje por apenas 15% do volume negociado na bolsa, ante 33% em 2007, Norberto Giangrande, sócio da Rico, entende que esse é um momento oportuno para consolidar a posição no nicho. “Essa questão do menor número de pessoas físicas no mercado está nos proporcionando ganhar market share. Vemos essa situação de mercado como uma grande oportunidade de fazer mais aquisições, juntar outras plataformas”, destaca Giangrande. “Estamos há cinco anos em um ciclo de baixa. No próximo ciclo de alta, tenho a convicção de que o volume das pessoas físicas vai ser maior do que 25% novamente”.
Quem recentemente anunciou a compra de uma plataforma de distribuição de fundos de terceiros foi a Geração Futuro, que adquiriu em maio a Monetar da Opus Investimentos. “Vimos a oportunidade de vender cerca de 50 fundos de terceiros sem aumentar em quase nada o custo de backoffice, já que é uma plataforma automatizada”, afirma Eduardo Moreira, sócio da Geração Futuro.
Futuramente a casa pretende agregar à ferramenta de distribuição outros produtos, como títulos de renda fixa e seguros. “Mas não queremos ser um supermercado financeiro, vender 500 fundos, não acredito que com essa quantia é possível entender os produtos com profundidade, para dar uma consultoria de qualidade aos clientes”, explica Moreira.

Multa ultrapassava R$ 1,2 bilhão apenas em SP

No Estado de São Paulo, o valor cobrado pela Receita Federal no Refis somava R$ 1,25 bilhão, e teve a adesão de vinte corretoras. No entendimento da Receita, as corretoras deixaram de pagar Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) referentes aos ganhos de capital oriundos da fusão entre a BM&F e a Bovespa, em 2008. Algumas corretoras contestaram a cobrança na justiça, por entenderem que não houve ganho de capital na operação, mas desistiram da ação para aderir ao programa de refinanciamento. Antes da renegociação da dívida, que reduziu os passivos originais em mais de 80%, o valor cobrado girava em torno de cinco vezes o patrimônio líquido somado das corretoras, o que era considerado um impeditivo para que a situação pudesse ser resolvida.

Projeto de compartilhamento de tecnologia

Como a área de infraestrutura tecnológica é um dos principais custos das corretoras atualmente, a Ancord tem desenvolvido um projeto de padronização e compartilhamento das estruturas de TI, que pode reduzir em até 30% os gastos das empresas. “Com isso um grupo de corretoras não precisa se consolidar societariamente, mas pode compartilhar a parte de infraestrutura, que é o primeiro ou o segundo maior custo das corretoras. É um potencial de sinergia muito grande, quase equiparado a uma fusão”, afirma Caio Weil Villares, presidente da Ancord e diretor da Concórdia Corretora. O projeto conta hoje com quatro corretoras, sendo a Concórdia uma delas. “A expectativa é que nos próximos quatro meses pelo menos uma das corretoras esteja usando essa platafoma terceirizada”, fala o executivo.