Dois pés na areia movediça | Recessão se aprofunda e deve levar a...

Edição 279

 

A queda das projeções e dos números da economia brasileira parece não ter fim. O mais significativo deles é a queda de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2015. A forte queda do ano passado contamina este ano e, para alguns economistas, também o próximo. A projeção é de queda de 3,50% do PIB em 2016, segundo as projeções de mercado do relatório Focus do Banco Central.
Para 2017, as expectativas também estão se deteriorando, com projeção de crescimento de 0,50% do PIB do Focus. Para economistas de mercado e da academia, dos otimistas aos pessimistas, o cenário ainda será de piora neste ano. Um sinal de recuperação dos indicadores, para a maioria, é mais provável para 2017.
Diferentemente do que aconteceu com a “marolinha” pela qual o país passou em 2008, diante da crise financeira internacional, desta vez o cenário é diferente. “Em 2008, o mundo ajudou o Brasil. A China crescia e empurrava o preço das commodities para cima. O governo tomou medidas anticíclicas, como o estímulo ao crédito, e havia espaço para isso. É como se a economia brasileira tivesse mergulhado em uma piscina, logo retornando à superfície. Agora, não há as mesmas condições favoráveis do lado externo. O Brasil está mergulhado em areia movediça”, comparou Marcelo Carvalho, presidente do comitê de acompanhamento macroeconômico da Anbima e economista-chefe para a América Latina do BNP Paribas, durante debate na Bloomberg.
Em relatório do banco, ele afirma que ao fim de 2016 o Brasil terá acumulado uma queda de 8% no PIB em dois anos de retração consecutiva, o pior resultado desde a recessão de 1930 e 1931. E o desemprego, que é uma variável defasada em relação ao resto da economia, deve piorar. “Há dois anos tivemos a menor taxa de desemprego pela PME, enquanto a economia já escorregava. Agora, em clara recessão, esse indicador tende a deteriorar. A economia precisará virar para o desemprego parar de subir. E essa não é uma história para esse ano, talvez pare no ano que vem”, avalia.
Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra e ex-secretário do Tesouro Nacional, avalia que o Brasil passa por um grau de destruição de valor sem precedentes. “Nos últimos três anos, incluindo 2016, vamos vivenciar uma queda na renda per capita de cerca de 10% e isso acontece normalmente em países com conflitos internos ou guerras. É preciso que haja uma restauração da governabilidade”, afirma.
Sem isso, explica, não será possível colocar em prática as reformas que o país não pode mais protelar, como a da Previdência, a desindexação do Orçamento, a Trabalhista e Tributária, além de uma abertura comercial mais agressiva.
Segundo ele, o crescimento da taxa de desemprego será inevitável nesse ano, podendo atingir de 12% a 14%. “As empresas vão ter que demitir por problemas financeiros. A renda segue em declínio e isso aparece na queda do consumo, que não era vista em crises anteriores. No ano que vem, o grau de piora tende a ser menor, mas existirá uma defasagem. Por outro lado, vai ajudar a inflação, principalmente de serviços, mas essa redução será lenta”, diz.
A recessão já pesa sobre o rendimento médio real dos trabalhadores, que encolheu 7,4% em janeiro sobre igual mês de 2015, de acordo com a Pesquisa Mensal do Emprego (PME) do IBGE. O PIB per capita do ano passado apresentou uma redução de 4,6% no ano passado, indicando assim que a crise atinge diretamente o bolso da população. As circunstâncias que devem manter a economia no campo negativo e as expectativas deterioradas são as mesmas do ano passado: a falta de governabilidade e de credibilidade do governo para reverter esse ciclo negativo com reformas estruturais. A antiga receita de estimular a demanda e o consumo por meio do estímulo ao crédito se esgotou, de acordo com a maioria dos economistas.
A avaliação é que muitas das medidas já anunciadas para conter a deterioração das contas públicas e o avanço acelerado da dívida pública tenham dificuldades de avançar no Congresso, que trava uma queda de braço política com o governo. Os economistas avaliam que além de dificilmente conseguir reduzir os gastos obrigatórios com mudanças nas leis, o governo também não tem um ambiente propício para aumentar suas receitas por meio do aumento de impostos. Até janeiro deste ano, a arrecadação teve uma queda real de 6,71% sobre igual mês de 2015.
Arrecadando menos e gastando mais, o governo já mudou a projeção de déficit nas contas públicas para 1% do PIB neste ano, já contando com a aprovação da CPMF. A projeção do comitê da Anbima é que esse déficit seja maior e que a dívida pública avance para 75% do PIB neste ano e para 80% do PIB em 2017 – o que já justificou os rebaixamentos de rating pelas agências internacionais. A avaliação de Kawall, do Safra, é que o país ainda não passa por um quadro grave de insolvência ou default, pelo menos nos próximos dois ou três anos, mas será preciso que medidas sejam tomadas e deixem o campo das ideias.

Inflação resiliente – Por isso, esse segundo ano de recessão deve levar a taxa de desemprego a dois dígitos, elemento que deve fazer a inflação desacelerar, embora permaneça acima da meta de 4,5% ao ano. De acordo com as projeções da Anbima, o IPCA deve encerrar este ano em 7,32% e em 5,90% em 2017.
Com menor pressão dos preços administrados e de alimentos, o que ainda pode trazer surpresas para a inflação é a inércia causada pela incerteza em relação ao ajuste fiscal e uma possível desvalorização adicional do câmbio.
Ainda assim, os economistas esperam que a taxa Selic permaneça em 14,25% no encerramento deste ano, podendo ter cortes de acordo com a evolução da inflação e atingir 13% no fim do próximo ano. Para a Tendências Consultoria, a Selic pode encerrar 2016 em 13% e cair para 11,75% em 2017, considerando uma recessão de 4% neste ano.
Com queda estimada de 5% na renda real neste ano, Luiz Eduardo Portella, sócio-gestor do Modal Asset Management, diz que espera uma forte redução do consumo das famílias neste ano, o que pode levar a uma contração maior do PIB, em torno de 4,2%. “Precisaria existir um choque de expectativas e uma união em prol do país e menos em torno de agenda eleitoral”, diz.
Quem também estima queda na atividade econômica neste e no próximo ano, de 3% e de 1% respectivamente, é Rafael Gonçalves, analista do departamento econômico da Gradual Investimentos. “A atividade deve piorar, com um ponto de inflexão no meio deste ano, pelo aumento das exportações. Porém, isso não deve causar um impacto no PIB por causa do carregamento estatístico”, afirma.

Desemprego em dois dígitos – Se as projeções para a atividade econômica em 2017 oscilam entre crescimento e recessão, há um consenso de que o emprego será mais afetado nesses dois anos e deve terminar em alta de 10,30% em 2016 e em 11,31% em 2017, de acordo com as projeções da Anbima.
Para efeito de comparação, a taxa de desocupação medida pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) atingiu 9% no trimestre móvel encerrado em novembro de 2015. A projeção de mercado é que a taxa encerre 2015 em torno de 8,5%.
Na opinião de Luiz Fernando Figueiredo, diretor da Anbima, responsável pelo Comitê de Acompanhamento Macroeconômico da entidade e sócio da Mauá Sekular Investimentos, dificilmente haverá uma recuperação do emprego neste ano porque as empresas têm de repor a inflação nos salários e não pode reduzi-los. “Assim, quando há compressão na margem, elas demitem para reduzir a folha de pagamento e recontratam a um valor mais baixo”, diz.
Uma ferramenta que mostra essa evolução é o Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), que estima a folha de salários a partir do volume de depósitos vinculados ao FGTS. O mais recente dado, de novembro, mostra uma redução de 5,4% da folha sobre igual mês de 2014. Por isso, afirma Figueiredo, o desemprego acaba sendo mais severo para a economia, com mais gente saindo do mercado de trabalho e tendo maior queda da massa salarial. A massa de rendimento médio de quem estava ocupado em janeiro caiu 10,4% sobre o mesmo mês de 2015, segundo o IBGE.

Confiança perto do mínimo – Carvalho, do BNP Paribas, avalia que hoje é mais difícil projetar o que vai ocorrer em 2017, já que os horizontes se encurtaram. “Temos alguma visibilidade para os próximos meses, mas não conseguimos projetar os próximos anos”. Algo curioso que os economistas do Comitê da Anbima notaram em fevereiro foi uma estabilização nos indicadores de confiança do empresário e do consumidor, divulgados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Marcel Balassiano, pesquisador do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV, avalia que apesar da melhora, a confiança de empresários e consumidores ainda está perto das mínimas históricas, abaixo de 70 pontos. Para a taxa de desemprego, espera uma alta de 11,8% e 13,1% em 2016 e 2017, respectivamente. “A renda real deve recuar 0,6%, já que os salários não acompanham a alta dos preços, que seguem elevados”, diz Balassiano.
Diante da incerteza do quadro fiscal e político, a estabilização dos índices de confiança ainda não é capaz de representar, com precisão, um sinal de recuperação da economia. Mas é algo que os economistas estão observando, segundo Carvalho.
Fernando Honorato, vice-presidente do Comitê de Acompanhamento Macroeconômico da Anbima e economista-chefe e superintendente executivo da Bradesco Asset Management, nota que a queda nos estoques industriais e a estabilidade em alguns índices de confiança chamam atenção, mas não se sabe ainda porque este segundo indicador parou de piorar. “Se o estoque começa a cair, talvez a indústria pare de decrescer, mas ainda há muitas dúvidas. É claro que não estamos discutindo o PIB potencial, ou quanto o crescimento foi destruído nos últimos anos.”, disse. A projeção do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depec) do Bradesco é de retração do PIB de 3,5% neste ano, mas está mais otimista para 2017: de crescimento de 1,5%. A taxa de desemprego deve avançar 11,8% em 2016 e 11,7% no próximo, de acordo com a metodologia da Pnad Contínua, que é nacional.
Esses números negativos não devem afetar significativamente a renda que, para Octavio de Barros, economista e diretor do Depec do Bradesco, deve crescer 0,4% neste ano e 1% no próximo. “Projetamos aumento da renda ligeiramente acima da inflação, em função de certa rigidez dos salários existente no país”, afirma.
O economista projeta o início da recuperação econômica no quarto trimestre e – como o desemprego reage de forma defasada ao desempenho do PIB – uma melhora desse indicador poderá ser observada a partir do segundo semestre de 2017. “O mesmo vale para a renda, que deve exibir alguma aceleração na segunda metade do próximo ano. As medidas anunciadas pelo governo tendem a estancar a deterioração no mercado de trabalho. Boa parte do ajuste no mercado já ocorreu, principalmente na indústria e na construção”, conclui.
Projeção semelhante é a da LCA Consultores, de queda de 3% do PIB neste ano – em boa parte por causa carregamento estatístico negativo de 2015 – e um crescimento modesto de 1,5% em 2017. “A redução da demanda e das vendas que foram muito fortes no ano passado e pegaram as empresas despreparadas. Elas cortaram a produção e ajustaram os estoques. Uma das razões de melhora na confiança do empresário industrial foi o ajustamento de estoques”, avalia Fernando Sampaio, diretor da LCA Consultores.
Segundo ele, a inflação também deve arrefecer para 7,4% neste ano e para 5,3% no próximo, mas a taxa de desemprego deve aumentar, passando de 8,6% em 2015 para 11,8% em 2016 e 13,2% em 2017. Com isso, a massa de rendimentos real deve cair 3% em 2016 e voltar a crescer 1,4% no próximo ano”, afirma.
Na última revisão, o governo passou a projetar uma queda de 2,9% para o PIB deste ano, maior do que a prevista anteriormente, de 1,9%. A avaliação de André Calixtre, economista e diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), é que a recessão pode se prolongar, mas não a ponto de desestruturar conquistas sociais dos últimos anos. “A taxa de informalidade cresceu 1 ponto, a renda não caiu na mesma proporção ao desemprego e o estoque de empregos formais do Caged diminuiu de 41,2 milhões para 39,6 milhões. Esses indicadores não se deterioraram mais do que a taxa de desemprego”, afirma. Para Calixtre, a crise atual ainda não está causando a perda de conquistas sociais importantes, mas precisa parar de piorar, para que isso não ocorra daqui em diante.

 

Desemprego não deve afetar fundações

O crescimento do desemprego e a diminuição da renda não devem afetar de forma significativa os ativos dos fundos de pensão, formado pelas contribuições dos participantes. Isso porque as grandes entidades são vinculadas a grandes empresas e bancos, sejam estatais ou corporações privadas.
“O desemprego nas empresas que têm entidades fechadas de previdência foi pequeno, e o setor não deve sofrer tanto quanto a economia como um todo. O impacto maior da recessão será nos investimentos em bolsa de valores. Para atingir a meta atuarial, as entidades devem ficar na renda fixa, o que não é bom para a dívida pública de curto prazo”, avalia José Roberto Afonso, economista e pesquisador do IBRE/FGV. Ele coordenou o estudo Previdência Complementar e Poupança Doméstica: Desafios Gêmeos no Brasil feito para a Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar).
No contexto da crise, ele diz que há oportunidades para as entidades fechadas explorarem uma nova fronteira, que é o crescimento do sistema de fundos de pensão para trabalhadores de maior renda, que cada vez mais deixam o emprego formal.
“A recessão provocou demissões de quem recebia os maiores salários e, assim, esses executivos passaram a ser contratados como pessoas jurídicas. Na verdade, é uma tendência anterior à crise, iniciada em 2000, e que acelerou com ela”, afirma.
Os contribuintes do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), por faixa de valor, apresentam uma mudança de perfil entre 1996 e 2013, com um crescimento mais forte, de 10,6%, entre os que recebem de um a dois salários mínimos e recuos entre os que ganham mais de dez salários (-0,6%), chegando a um encolhimento de 4,7% daqueles com renda superior a 40 salários.
Desta forma, com a previdência social deixando de ser atraente para o trabalhador de alta renda, o pesquisador diz acreditar que, no longo prazo, mesmo com o fim da recessão, esses profissionais continuem com empresas e não retornem mais ao regime CLT, por causa dos altos encargos trabalhistas.
É nesse ponto que ele defende uma reforma nas regras das entidades fechadas, de forma que possam abarcar esse contingente de trabalhadores individuais ou que viraram pessoa jurídica.”Será preciso criar um novo produto para esse segmento, que tem potencial de crescimento, diferentemente do potencial de criação de mais empresas estatais no País”.
Segundo ele, os fundos de previdência abertos acabam sendo tratados por participantes e instituições como produto financeiro e não como uma poupança de longo prazo. “Não vejo conflito entre a previdência aberta e a fechada, mas um caminho a ser explorado seria o de fundos fechados de categorias profissionais”, recomenda Afonso.