Edição 362
Ao longo dos últimos dois anos a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acelerou as iniciativas que procuram ampliar a transparência e a oferta de instrumentos financeiros sustentáveis no mercado de capitais brasileiro. Alinhada à realidade global e às necessidades de investidores, gestores, companhias abertas e demais agentes do mercado no Brasil, a autarquia tem integrado e mesmo liderado discussões relevantes da agenda ESG.
A autarquia incorporou vários divisores de águas para os investimentos sustentáveis, que incluem desde a adoção dos padrões internacionais do ISSB (International Sustainability Standards Board), agora regulada de maneira pioneira pela Resolução CVM 193, publicada no dia 20 de outubro, até a complexa discussão sobre a primeira taxonomia verde no País.
Além disso, sugere que o mercado compulsório de carbono, novidade no Brasil, poderia ser integrado ao mercado voluntário, já existente, e incorporado ao mercado de capitais, explica Nathalie Vidual, superintendente de Proteção e Orientação a Investidores da CVM.
Em tese, os valores mobiliários disponíveis hoje no mercado já poderiam ter adicionalidades ESG, desde que os emissores resolvessem direcionar os recursos captados para gerar algum benefício social ou ambiental. “Um Certificado de Recebível do Agronegócio (CRA) pode ser rotulado como verde quando direcionado para gerar benefício ambiental. O mesmo acontece com uma debênture, assim como alguns fundos podem ser rotulados como ESG a depender do direcionamento dos recursos pelos emissores”, observa ela.
Há cerca de dois anos a CVM tem trabalhado com o LAB – Laboratório de Inovação Financeira -, dentro do GT de Finanças Verdes, para encontrar uma forma de integrar o mercado de carbono ao mercado de capitais e ampliar assim a oferta de produtos. Isso ficou mais importante ainda com o Projeto de Lei nº 412, que foi aprovado pelo Senado e está em discussão na Câmara. O PL propõe estruturar o mercado de carbono compulsório (regulado) no Brasil mas trata também de alguns aspectos do mercado voluntário de carbono.
“Mesmo antes do PL começar a ser discutido, há dois anos já havíamos proposto criar os Certificados de Recebíveis de Créditos Ambientais (CRAMs) um produto de securitização que poderá trazer os créditos de carbono para dentro do mercado de capitais, com toda a sua governança e maior segurança”, explica Vidual. Esse título teria como lastro um pacote de créditos de carbono, com a vantagem de que já há toda uma plataforma regulatória que permite sua negociação no mercado.
A proposta foi levada ao governo, na época, para tentar resolver dois gargalos ao mesmo tempo: um deles é a falta de oferta de instrumentos sustentáveis, o outro é a falta de confiança. “Falta confiança para que esse mercado deslanche, por isso temos revisado as regras para exigir maior disclosure e ampliar a qualidade da informação”, diz.
Mercado de carbono – Nessa direção, a Resolução CVM nº 175, que entrou em vigor neste ano, trouxe a possibilidade dos fundos investirem no mercado de carbono. “No momento está em consulta pública uma regra específica para o Fiagro, que prevê a possibilidade desses fundos adquirirem créditos de carbono tanto no mercado regulado quanto no voluntário”, explica Vidual.
A questão que pauta a Resolução 175 é a transparência, até porque não há ainda no Brasil uma taxonomia oficial. “Na 175 não definimos conteúdos, metodologias nem critérios técnicos para enquadrar os fundos nessas rotulagens. Hoje os próprios administradores, seguindo orientações da Anbima, autodenominam os fundos como verdes, sociais ou ambientais”, diz.
O que a nova Resolução trouxe, portanto, foi um dispositivo adicional segundo o qual se o fundo contiver termos ligados ao ESG em sua denominação, precisará colocar na oferta e no regulamento informações sobre a metodologia que está utilizando para gerar os benefícios que pretende alcançar e dizer qual é a entidade certificadora e outras informações.
Disclosure maior – O LAB tem dado apoio técnico a essas questões, tendo participado inclusive da audiência pública que resultou na Instrução CVM 59. “Essa Instrução trouxe aprimoramentos informacionais relevantes no formulário de referência das companhias abertas relacionadas a riscos ESG, com campos específicos para tratar dos riscos ambientais, sociais e de governança”, observa.
A possibilidade de ter valores mobiliários rotulados com essa temática é um caminho para o combate ao risco de greenwashing e para ampliar o disclosure.”Entre os anos de 2022 e 2023 fizemos uma ampla revisão da matriz regulatória, que incorporou exigências para ampliar a transparência, diz.
Esse trabalho abrangeu todo o ecossistema de regulados da CVM: cias abertas, securitizadoras, ofertas públicas, fundos de investimento e incorporamos informações adicionais relacionados a aspectos ESG e climáticos. “O fato é que dentro do grupo de trabalho do LAB temos participado na construção desse conhecimento, que depois levamos para as nossas áreas de regulação e supervisão.”, observa Vidual.
A CVM desenvolveu ainda, em parceria com a Anbima, um Guia de Transparência em Diversidade, que serve para orientar empresas abertas e fechadas. “Isso é importante porque as empresas podem até querer levantar essas informações sobre diversidade mas há uma certa resistência porque a questão envolve lidar com dados pessoais sensíveis e que são sigilosos”, afirma.
Estrutura pronta – Em relação ao mercado regulado de carbono, ela diz que a CVM está pronta para cumprir o seu papel como regulador assim que o tema ficar definido no Congresso. “A maior preocupação seria com o lastro financeiro na negociação e já temos a estrutura de plataforma para isso”, observa. “O mercado de capitais tem todo um arranjo de governança e mecanismos de segurança que podem agregar muito nesse sentido para o mercado de carbono”, afirma.
A discussão que está em fase final para aprovar a primeira taxonomia verde no Brasil “foi outro golaço” do LAB, segundo Vidual. “Já divulgamos um primeiro relatório no início deste ano, anterior à proposta do governo para a taxonomia sustentável, e o nosso guia inclusive serviu de referência para o governo”, diz. “E o segundo relatório já está em fase de conclusão”, adianta.
Outro avanço na área de sustentabilidade foi o endosso às regras do IFRS para os relatórios financeiros de sustentabilidade. “O Brasil foi a primeira jurisdição do mundo a endossar essas regras e os relatórios vão trazer padronização, harmonização e facilitar ao investidor avaliar riscos e oportunidades ESG”, detalha. Na primeira etapa, a adoção será voluntária, pavimentando o caminho para a adoção mandatória desse modelo pelas companhias em 2026.
Blended finance – A agenda regulatória da autarquia para 2024 traz orientações quanto ao uso do conceito de blended finance, um mecanismo híbrido de estruturação de investimentos que combina tipos diferentes de capitais. Pouco usado no Brasil, mas já largamente adotado lá fora, ele tem potencial inclusive para alavancar investimentos sustentáveis. “O LAB está prestando apoio técnico à autarquia para construir um parecer de orientação que explique esse mecanismo sob a ótica do regulador”, explica Vidual.
O parecer, diz a superintendente, “irá esclarecer quais valores mobilitários poderão ser utilizados para compor essa estrutura e como trazer mais confiança aos atores do mercado para trabalharem com esse arranjo”. Com o uso do blended finance, investidores com objetivos diferentes podem investir juntos para alcançar esses objetivos, seja em retorno financeiro, impacto social ou uma combinação de ambos.