Edição 261
Em um cenário de alta de juros, de eleições e de inseguranças quanto ao rumo que as economias doméstica e internacional poderão tomar daqui para frente, o segmento de fundos de crédito privado tem buscado se reinventar para garantir rentabilidade aos institucionais, já que o número de emissões e o valor do prêmio estão mais reduzidos este ano. Fugindo de papéis convencionais, as gestoras vêm garimpando emissões mais estruturadas. Geralmente emitidos por companhias menores, esses papéis oferecem, de fato, rentabilidades mais atraentes, porém, demandam análises de risco bem sofisticadas.
A SulAmérica Investimentos criou recentemente uma área de crédito privado estruturado para atender à demanda por diversificação dos clientes institucionais. Chefiada por Rony Stefano, até então responsável pela gestão de recursos do family office da família Mittal, em Londres, a área tem como foco monitorar e desenvolver fundos de créditos pouco convencionais, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e debêntures de empresas menores.
“Esse é um mercado bastante cíclico. Sempre que tem aumento na Selic, o investidor corre para a renda fixa – não apenas para produtos indexados, mas também para crédito privado, que tem uma rentabilidade diferenciada”, afirma Marcelo Mello, vice-presidente de investimentos da SulAmérica. O executivo pondera, contudo, que não está sendo fácil para o investidor encontrar prêmios no crédito privado capazes de segurar a meta atuarial, o que tem feito com que a demanda por ativos menos “populares” cresça. “Os prêmios estão bastante reduzidos, ao passo que o custo de captação para as empresas sobe com a Selic. Para encontrar taxas mais atraentes, é preciso partir para emissões de prazo mais longo ou de companhias menores”, complementa.
A diversificação, contudo, é uma tendência. “A expectativa do mercado é que os juros continuem subindo e se estabilizem em patamares elevados, incentivando emissões diferenciadas de crédito privado. Criamos uma área na SulAmérica para poder analisar esses instrumentos de captação, que se tornarão uma parte cada vez maior do portfólio dos investidores qualificados”, diz Mello.
A área acabou de lançar um fundo de crédito privado estruturado, o SulAmérica High Yield, que pretende pagar um prêmio equivalente à NTN-B 2022 mais 1,20% ao ano. A carteira do fundo inclui CRI, CRA, LCI, LCA, Fidcs, CDB, letras financeiras e debêntures com grau de investimento. “O fundo tem mandato bastante flexível, mas observando sempre o nível de risco de cada ativo”, afirma Mello. A escolha dos papéis menos convencionais passará pela avaliação de um pré-comitê de investimentos.
A HSBC Asset Management também deve lançar um novo fundo de crédito privado para institucionais em breve. Ainda sem data de estreia, o objetivo é que o fundo chegue ao mercado neste terceiro trimestre. Os papéis a serem investidos são mais tradicionais: debêntures, CDBs e letras financeiras, entretanto, as emissões buscadas serão de empresas e financeiras de médio porte.
“São emissões menores, mas com uma boa relação de risco e retorno. Sempre observamos esses ativos, mas por não serem high yield, não se enquadram na nossa família Performance de crédito privado”, diz Renato Ramos, diretor de renda fixa da asset. Os fundos Performance somam mais de R$ 8 bilhões em ativos sob gestão. Com carência de 180 dias, o fundo aplicará em papéis com grau de investimento, embora de companhias de menor porte.
Segundo Ramos, a diversificação se torna cada vez mais necessária. “No Brasil, já passamos da fase em que era muito fácil bater meta atuarial aplicando em renda fixa, sem risco. As fundações devem começar a encarar o crédito privado, portanto, como uma possibilidade de gerar alfa para atingir meta”, complementa. Um dos entraves para o desenvolvimento dessa indústria, contudo, é a baixa diversificação de setores que emitem dívida no mercado. “O financeiro é, de longe, o que mais emite. Também se destacam o de energia elétrica e de concessões rodoviárias. Buscamos papéis de segmentos diversos, mas não são muitas as opções, ainda”, pondera.
Emissões – De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as emissões cresceram 18% no primeiro semestre de 2014, frente ao mesmo período do ano passado, atingindo R$ 138,6 bilhões. As debêntures se mantiveram no topo do ranking, com R$ 30,14 bilhões, mas o volume recuou 16% no período. Os recebíveis imobiliários foram o destaque do semestre. O volume emitido de CRIs quadruplicou, chegando a R$ 6,4 bilhões. Outro papel que apresentou crescimento expressivo (27%) foi a nota promissória, encerrando junho com R$ 11,7 bilhões em emissões.
O comportamento das carteiras de crédito privado confirma a predileção dos investidores por diversificação nesta primeira metade do ano. Segundo dados da Cetip, o estoque de Letra de Crédito Imobiliário (LCI) na carteira dos investidores cresceu 60% no primeiro semestre de 2014, em comparação ao mesmo período do ano anterior, atingindo R$ 119,9 bilhões. A segunda maior alta veio de notas promissoras (54,7%), seguida de CRIs (49,4%) e de LCA, com 22% de expansão. Já o CDB recuou 9,3%, enquanto que os estoques de outros ativos tradicionais, como debêntures (14,8%) e letras financeiras (16,9%), cresceram em ritmo menor.
A expectativa é que, passado o efeito “eleições” no mercado, o volume de emissões cresça em ritmo mais acelerado. “As eleições minguaram a oferta de dívida das empresas no começo deste segundo semestre, mas isso é comum, é cíclico”, afirma Eduardo Castro, superintendente de fundos de investimento da Santander Asset Management. De acordo com o executivo, à medida em que mais empresas consigam acessar o mercado de capitais, dando maior liquidez ao sistema, a indústria de fundos de crédito privado tende a evoluir mais. “No Brasil só empresas de altíssimo nível têm condições de captar no mercado, fato que tem mudado nos últimos anos. Há uma vontade maior das companhias em ofertar os papéis e isso motiva a diversificação das carteiras dos investidores, que têm demandado mais crédito privado em detrimento dos resultados fracos de outras classes de ativo no ano passado”, completa.
Embora as grandes emissoras ainda sejam instituições financeiras e empresas de grande porte, a asset do Santander tem buscado variedade na hora de recompor a carteira de crédito privado. “Estamos considerando empresas de setores diferentes, reduzindo exposição ao setor financeiro. Também estamos aumentando alocação em papéis de rating inferior ao triplo A, mas ainda com grau de investimento”, diz Castro.
O ingresso de companhias de tamanhos diferentes e de setores diversos pode ser positivo para o mercado, no sentido de que há mais opções na mesa. Entretanto, é preciso cautela na seleção dos ativos, conforme alerta Guilherme Benites, sócio da Aditus Consultoria Financeira. “Existe uma demanda crescente por diversificação, mas muitos papéis emitidos não estão pagando prêmios condizentes com o risco”, diz. A retomada gradual da rentabilidade dos títulos públicos também pode ofuscar um pouco o apetite das fundações por ativos mais elaborados. “Hoje as NTNBs estão em patamares melhores, garantindo boa rentabilidade às fundações. Mas não é por isso que devemos deixar todas as outras alternativas de lado. Uma hora isso vai mudar – e 2013 ensinou uma grande lição. Precisamos criar a cultura de investir em opções variadas”, complementa.
Para que a indústria de crédito privado se desenvolva mais, o cenário macroeconômico precisa melhorar, viabilizando uma taxa Selic mais próxima da média internacional. “Como os juros estão muito altos, fica complicado para os emissores captarem no mercado oferecendo prêmios mais elevados que o CDI. Nesse sentido, as emissões tendem a ficar mais escassas, com spreads pouco interessantes para as fundações”, destaca.
Fundos de direitos creditórios pouco convencionais
Na esteira da diversificação do segmento de crédito privado, algumas assets estão lançando no mercado fundos de recebíveis (Fidcs) diferenciados. Esse é o caso da Votorantim Asset Management e da Empírica Investimentos.
Em parceria com o Banco do Brasil, a Votorantim listou em bolsa um Fidc que possui em sua carteira 100% de debêntures de infraestrutura e acumula R$ 315 milhões em patrimônio. Do total, R$ 15 milhões foram aportados pelos próprios gestores, a Votorantim, a BB DTVM e a Highland Capital. O produto tem três tipos de cotas, a sênior (voltada para pessoas físicas), a mezanino (para instituionais) e a subordinada júnior (dos gestores do fundo).
O fundo possui, atualmente, oito investidores institucionais com cotas mezanino. Atrair o interesse desse tipo de cliente foi possível por conta do prêmio oferecido. As cotas sêniores pagarão IPCA+ 5%. Já as cotas mezanino terão rentabilidade real de 8%. A diferença é justificada no grau de risco que os institucionais tomarão. Eles só receberão o prêmio depois que os sêniores deixarem o fundo, ou seja, 12 anos depois do aporte realizado no produto.
O fundo de debêntures foi lançado como um Fidc, e não como um fundo de renda fixa tradicional – contrariando a prática do mercado – por dois motivos, segundo explica Reinaldo Lacerda, diretor da asset. “O primeiro é para dar mais proteção para o investidor. O Fidc é o único modelo que permite criação de classe de cotas diferentes, proporcionando níveis de riscos diferentes. O segundo é porque ele pode ser negociado em bolsa, o que dá mais liquidez para o investimento”, diz. “Nos últimos cinco anos foram lançados três Fidcs de debêntures. O produto não é muito comum, então fizemos várias consultas e reuniões com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para lançarmos um fundo com segurança”.
Empírica – Outra gestora que dedicou tempo ao desenvolvimento de um Fidc não convencional foi a Empírica Investimentos. Após cinco anos estruturando o produto, a asset deve lançar o Fidc Empírica Sorocred Cartões até o final de agosto, um fundo lastreado em operações de cartões de crédito. A expectativa de captação é de R$ 75 milhões, e a de retorno é de CDI mais 5% ao ano para a cota sênior.
O fundo compra transações dos titulares dos cartões de crédito da Sorocred, bandeira que atua principalmente nas classes C e D. “É o primeiro Fidc de securitização de cartões de crédito do mercado”, diz Leonardo Calixto, diretor da Empírica. São aproximadamente 200 mil devedores que estarão dentro do fundo, com um ticket médio na casa dos R$ 90. “Outras três empresas de cartão de crédito estão negociando com a gente para montarmos um Fidc para eles também”, complementa.
Uma das dificuldades para estruturar o produto foi segregar dois tipos de direitos creditórios das operações com os cartões de crédito. Após a compra efetuada, a fatura tem o valor mínimo de pagamento, que é o primeiro direito creditório, e o restante que automaticamente entra no rotativo, que no caso é o segundo direito creditório. “Como o rotativo é o problema, não vamos comprar essa parcela, apenas a primeira”, explica Calixto. Como o ganho está no rotativo, que não será comprado, então será adquirida a transação com uma taxa de desconto, que será capaz de gerar ganho ao fundo.