Edição 331
A atenção do mercado global às empresas que definem metas ambiciosas de sustentabilidade foi enfatizada em novembro pela redução expressiva do custo de captação na emissão de bonds de longo prazo pela Suzano. Os Sustainability-Linked Bonds para 2031 atraíram demanda quatro vezes superior ao valor estimado da operação, de US$ 2 bilhões para uma emissão de RS$ 500 milhões. A taxa de 3,10% ao ano, a menor obtida na história de uma empresa brasileira para vencimentos em dez anos, está vinculada à metas definidas pela companhia de redução de suas emissões de gases de efeito estufa.
A meta que balizou esses bonds prevê a redução em 15% do total de emissões próprias e aquelas oriundas de compra de energia entre 2015 e 2030. Em setembro, a companhia já havia realizado operação semelhante e captado US$ 750 milhões com um yield de 3,95% ao ano em bonds. Entre a primeira e a segunda emissão, o investidor aumentou o prêmio pela sustentabilidade da empresa.O compromisso de redução de carbono fez com que a companhia atingisse um público diferente, interessado em outros tipos de retornos que vão além dos resultados financeiros. “E conseguimos reduzir muito o custo de captação graças a esse interesse, que é crescente no cenário global. A emissão de novembro reforçou a percepção de que o mercado está disposto a pagar um prêmio cada vez mais relevante pelo ESG”, informa o diretor executivo de Finanças e Relações com Investidores da Suzano, Marcelo Bacci.
A operação foi direcionada ao exterior, onde o assunto já repercute com maior força, mas ele vê uma evolução positiva também no mercado brasileiro. “Hoje dificilmente você participa de uma reunião com investidores locais sem que entre na pauta a questão ESG, então o mercado vai influenciar que as novas gerações de investidores considerem o assunto cada vez mais”. O investimento ESG, diz Bacci, precisa ser mensurável, relevante e comparável, são as três características que o investidor demanda. “A redução dos gases de efeito estufa reúne as três, motivo que nos levou a escolher essa meta, mas no futuro poderemos estudar outras operações com metas diferentes mas nem todas funcionam para balizar emissões porque em muitos casos o cumprimento das metas não depende só da companhia, como nos tema sociais por exemplo”.
A meta escolhida integra um conjunto de objetivos de sustentabilidade que a Suzano definiu como suas metas inspiracionais. “Uma delas é retirar 40 milhões de toneladas de carbono da atmosfera em dez anos”, informa Bacci. A companhia também tornou públicas duas outras metas: lançar dez milhões de toneladas em produtos que substituam o uso dos plásticos e realizar ações para retirar 200 mil pessoas da linha de pobreza nas áreas de influência de suas operações. Esse desempenho será divulgado anualmente e em 2025 a Suzano precisará alcançar um resultado intermediário relativo a uma redução estimada de 11%. Caso a companhia não atinja essa meta, o valor de remuneração aos investidores detentores dos títulos com vencimento em 2031 será acrescido de uma taxa pré determinada.
No BNP Paribas, que atuou na colocação de bonds pela Suzano em setembro, o destaque de sustentabilidade está em ajudar as empresas a implementarem essas estratégias e a completarem a transição para um novo modelo de negócios e de financiamento, observa Katerina Elias Trostmann, gerente de sustentabilidade da instituição. “A Suzano já tem um modelo de negócio sustentável que alterna o plantio de eucaliptos com matas nativas e definiu metas importantes de redução de emissões de gases e efeito estufa, então o objetivo era ligar essas metas à operação de financiamento via colocação de bonds”, detalha Trostmann.
O custo dessas operações aumenta ou diminui à medida que as empresas conseguem cumprir suas metas. “A Suzano é um exemplo de empresa que já compreendeu a importância de um modelo sustentável a longo prazo mas esse é um potencial grande ainda a ser explorado no Brasil”. A operação da Suzano em setembro foi a primeira no continente americano a ter como emissor uma empresa brasileira, que passou a ser referência global no tema sustentabilidade, lembra a executiva. O BNP Paribas participou também, em outubro, da emissão da mexicana Cemex que emitiu Sustainability-Linked Loan. “O potencial é grande para ampliar essas operações em toda a América Latina”, acredita Trostmann.
O caso da Vale pós-Brumadinho permeia toda a discussão dos fatores ambientais e sociais no mercado. O engajamento dos investidores “peso pesado” do mercado global, com tamanho, expertise e acesso à empresa para cobrar informações, tem sido fundamental para forçar as melhoras, lembra o Country Head da Schroders no Brasil, Daniel Celano. “Logo depois de Brumadinho, colocamos todo o nosso time lá fora dedicado a ter uma visão mais precisa, avaliar se havia sido um “cisne negro” ou não, fazer com que a empresa aceitasse criar uma série de metas, dissemos o que precisavam divulgar e o que teriam que entregar de resultados nos próximos trimestres e melhorar seu ESG”, diz Celano. Foram criadas etapas adicionais de análise para verificar o risco de nova catástrofe ambiental e a casa aumentou o nível de questionamento e avaliação de riscos, considerando impactos em três níveis diferentes, de primeira, segunda e terceira ordem e o que poderá acontecer caso as metas não sejam cumpridas.
A análise da Vale feita pela Schroders aponta aquelas que a casa considera as principais mudanças adotadas pela companhia até o momento: alteração na alta administração; separação das áreas de Segurança e de Operações. Segurança passou a ser uma divisão à parte, que é gerenciada independentemente das operações. A equipe de Segurança tem o poder de interromper qualquer operação. A equipe de Operações tem metas de segurança e produtividade, enquanto a equipe de Segurança tem metas exclusivamente de segurança, para que as duas não entrem em conflito.
A mineradora possui 18 barragens de rejeitos, que serão descontinuadas. Até ao final de 2020, a companhia pretende concluir a construção de barragens de apoio (grandes estruturas de contenção) para proteger o meio ambiente enquanto decorre a descaracterização. A empresa está aumentando a operação de processamento a seco, que é mais limpa e segura, e espera ter 70% das operações de minério de ferro nesse processo até 2023. A empresa está implementando uma nova gestão de rejeitos, que utiliza as melhores práticas internacionais e deve ser concluída ainda este ano. A empresa restabeleceu os dividendos, comprometendo-se a distribuir todo o fluxo de caixa após os investimentos em bens de capital e segurança. Conversão de ações PN em ações ON, passando para o Novo Mercado. O acordo de acionistas expirou em novembro de 2020, tornando a Vale uma verdadeira corporação. Novo conselho a ser eleito na AGM em abril de 2021.
No caso da Vale, cujo passivo ultrapassa os R$ 50 bilhões, há um impacto financeiro muito grande mas a companhia adotou melhorias e, embora não tenha chegado perto do ideal, mostrou disposição de aprimorar certos fatores, até porque não tinha outra opção frente às pressões do mercado, pondera Marcelo Mello, vice-presidente de Investimentos, Vida e Previdência da SulAmérica Investimentos. “É a evolução que a gente gosta de ver em ESG, mas a imagem da empresa ainda vai demorar a se recuperar”, admite Mello.
Entre os casos positivos de ESG no mercado local, ele cita a Localiza, que retira carros mais velhos e poluidores de circulação, a MRV, do setor de construção civil, que faz trabalho educacional com as comunidades em que atua e, é claro, a principal referência do mercado brasileiro em sustentabilidade, a best in class Natura.