As novas blue chips da bolsa | Agronegócio e alimentos devem aume...

Edição 276

 

A bolsa brasileira teve como principais drivers nos últimos anos as commodities metálicas e o aumento do consumo da nova classe média. Na visão de gestores reconhecidos pelo mercado, com a mudança na dinâmica do crescimento chinês, as commodities devem perder espaço no portfólio dos investidores no futuro. Quanto ao consumo, embora o varejo também não demonstre a mesma força para seguir sua trajetória ascendente do passado recente, outra vertente do setor, de consumo mais básico, voltado para alimentação, ainda tem potencial para seguir galgando espaço e representatividade dentro da BM&FBovespa nas próximas décadas.
Para Mohamed Mourabet, sócio fundador e diretor de investimentos da Victoire, e que já foi o responsável pela área de renda variável do Citigroup Asset Management no Brasil, a bolsa brasileira ainda está subrepresentada pelas companhias que compõem as cadeias dos setores de alimentos e agronegócio, justamente dois dos segmentos nos quais o país consegue ser competitivo em termos globais. “Ao longo dos próximos anos deveríamos ter mais empresas voltadas para a alimentação e o agronegócio, porque são cadeias que representam bem mais do que os 5% do PIB que vislumbramos normalmente”, pontua Mourabet.
Nessas cadeias, diz o especialista, entram desde o pasto para o boi até o porto para o transporte de mercadorias. “Toda a cadeia deve ser representada com maior proporção dentro da nossa bolsa. São setores específicos em que a demanda continua resiliente, independentemente do ciclo de crédito do país”.
Ainda sobre os dois segmentos que o diretor da Victoire enxerga como promissores para a bolsa brasileira nos próximos anos, empresas que hoje já estão com o capital aberto, e que se beneficiam de estruturas oligopolistas, até mesmo pelo tamanho que alcançaram dentro do seus nichos – como exemplos ele cita Ambev, JBS e Brasil Foods – tendem a estar entre as de maior representatividade na BM&FBovespa no futuro. Esses setores, juntamente com o varejo, surfaram o ambiente de aumento do acesso do crédito às classes mais baixas da população nos últimos anos. No entanto, com o aparente esgotamento desse ciclo anterior, ao menos na intensidade observada, no novo cenário terão destaque aquelas companhias com potencial para explorar, além do mercado doméstico, também o internacional. “Via Varejo, Magazine Luiza, Lojas Americanas estão em um segmento que, em termos relativos, não tem como aumentar sua representatividade na bolsa”, fala Mourabet.
Já as companhias que aproveitaram o ciclo de crescimento interno para se consolidar como líderes em seus mercados, e que agora se encontram confortáveis para explorar outras regiões, serão as futuras “blue chips” do mercado brasileiro de renda variável, prevê o diretor da Victoire, à medida que os papéis que nos últimos anos carregaram essa alcunha, como Petrobras e Vale, tendem a perder espaço no longo prazo, acompanhando as mudanças no crescimento e na demanda da economia real. “As commodities industriais representam cerca de 30% do Ibovespa, mas não correspondem a isso na economia real. Vamos ter uma mudança estrutural na bolsa, com o setor de consumo, e de serviços ao consumo, aumentando sua representatividade, e outros setores, como o das commodities, perdendo espaço”, analisa o especialista da Victoire.
Pela desvalorização que os bonds das empresas de commodities têm sofrido no mercado internacional, que consome o valor acionário de suas ações em bolsa, gigantes como Petrobras e Vale correm o risco de verem seus papéis se tornarem mid ou small caps no futuro, nota Mourabet. “O Ibovespa representa o Brasil do passado. O Brasil tem companhias que são grandes campeãs, por terem conseguido se consolidar no mercado globalmente. A Petrobras não é a campeã brasileira, nunca foi”.
Para o diretor da Victoire, as futuras blue chips da Bovespa são papéis que hoje já se encontram negociados na bolsa, uma vez que, em sua visão, não teremos nos próximos anos um boom de IPOs como ocorreu na última década. “A convergência que tivemos até 2012, com a queda dos juros que trouxe ao mercado os principais players de setores que estavam subrepresentados é um boom que acontece uma vez na vida. As empresas que serão listadas no futuro serão de menor porte”.

Ganho tecnológico – Fernando Tendolini, diretor de renda variável da SulAmérica Investimentos, lembra da mudança do driver de crescimento do PIB chinês, antes voltado para o investimento, e que será a partir de agora mais calcado no consumo. Com base nessa mudança da dinâmica do gigante asiático, o especialista também aponta o agronegócio brasileiro como um setor em potencial para ganhar espaço na economia, e consequentemente na bolsa daqui para frente. “As empresas vencedoras da bolsa serão das cadeias voltadas para o setor externo, ligadas principalmente ao agronegócio”, pondera Tendolini, que antes da SulAmérica atuou na gestora do Banco Fator, nas áreas de private equity e de fundos de ações voltados à governança corporativa.
“Olhamos muito para o setor de proteínas, que tem ido bem nos últimos anos. Com a desvalorização do câmbio, também surgiu no radar as exportadoras de celulose, muito mais ligadas ao consumo do dia a dia das pessoas do que as commodities metálicas”, nota o diretor da SulAmérica. No entanto, além do agronegócio, um outro ponto para o qual Tendolini chama a atenção, quando se fala da bolsa no futuro, é para a baixa produtividade do país, que é inclusive uma das causas para a inflação atual em patamar próximo aos dois dígitos.
Uma das chaves para se promover o ganho de produtividade da economia brasileira, na visão do especialista, é por meio dos avanços tecnológicos. “Quem vai ganhar com a evolução da tecnologia são as cadeias produtivas que usam esses avanços em seus processos”. O setor financeiro, acredita o diretor da SulAmérica, deve ser um dos que mais vai se beneficiar das melhorias proporcionadas pelos meios eletrônicos. “A cadeia de serviços financeiros se utiliza muito dessa tecnologia e vai continuar, o setor está muito bem posicionado para absorver isso”.
Os bancos médios, prevê Tendolini, são players em potencial para deixarem a bolsa nos próximos anos, em detrimento das empresas do setor de serviços financeiros que tem alto uso tecnológico em suas operações.

Varejo no limite
O grande ajuste fiscal que o país ainda precisa fazer, o aumento do desemprego que vai provocar a queda na renda das famílias, que já estão alavancadas, e a diminuição do bônus demográfico brasileiro, com o envelhecimento da população, são listados por Bruno Garcia, sócio e gestor sênior da ARX Investimentos, para justificar sua crença de que é pouco provável que o consumo varejista ganhe ainda mais representatividade no PIB e na bolsa de valores. “As mudanças de 2000 para cá não vão acontecer de novo, pelo menos não na magnitude que ocorreu. Acho pouco provável o consumo ganhar proporção do PIB no futuro”, estima Garcia, que está na ARX desde seu início, em 2001, após passagem pela asset do Opportunity. “Boa parte do processo de migração de representatividade para a bolsa já aconteceu, não tem mais a disparidaide grande que havia no passado entre a bolsa e o PIB”.