Alta do dólar alavanca fundos globais | Câmbio representa fator i...

Com a forte valorização do dólar frente ao real, que no acumulado de janeiro a agosto foi próxima de 25%, papéis como Vale, Fibria e SLC Agrícola tiveram destacado desempenho no período, tanto por se beneficiarem do movimento cambial como pelo contexto global favorável às commodities. Os BDRs também tiveram performance acima da média, por conta da alta da divisa americana e da valorização do S&P 500 .
“O fundo de BDRs da BB DTVM subiu cerca de 36% até meados de agosto, contra um Ibovespa que esteve próximo da estabilidade no período”, diz o gestor Jorge Ricca. Cerca de 23% da carteira do fundo está no setor de tecnologia, através de ações como Apple, IBM e Google. Outros setores com peso relevante são instituições financeiras, como JP Morgan, Visa e Berkshire Hathaway, além de telecom, com AT&T e Verizon, e consumo, com Amazon e Nike.
A gestora do BB também iniciou recentemente a estratégia de alocar parte das carteiras de seus fundos setoriais em BDRs segmentados. O fundo de telecom da casa passou por uma transformação e ganhou um perfil mais voltado para tecnologia. Além de papéis já há algum tempo no portfólio, como Vivo, Tim e Totvs, nomes como Twitter, Netflix, Oracle e HP passaram a constar recentemente. Esse mesmo movimento também foi realizado no fundo de siderurgia, com a entrada de Caterpillar e US Steel.
Já o fundo de ações de empresas brasileiras exportadoras da gestora do BB, prossegue o especialista, também teve um bom desempenho nos últimos meses, com alta de cerca de 22,8% no ano até meados de agosto. No veículo estão empresas que tem a maior parte das receitas em dólar e a maior parte dos custos em reais, além de companhias com plantas no exterior que geram receitas dolarizadas para suas controladoras no Brasil. Como exemplos, Ricca cita Vale, Gerdau, CSN e Braskem. Ele aponta ainda as empresas de papel e celulose, beneficiadas tanto pela desvalorização do real frente ao dólar como pela forte demanda pela commodity no exterior, e ainda pelas estimativas de ganhos de sinergia por conta da fusão entre Suzano e Fibria que vai dar origem à uma das maiores empresas do segmento em termos globais.
“Embora a alta do fundo de empresas exportadoras esteja em patamar próximo ao da valorização do dólar, isso não significa que o desempenho do veículo veio apenas da variação cambial”, diz Ricca. O gestor da BB DTVM explica que enquanto alguns setores dentro do fundo foram muito bem, como é o caso de papel e celulose, outros não tiveram a mesma sorte, como o de frigoríficos, o que contrabalanceou os resultados do produto.

Sem garantia – O CEO da Apex Capital, Fabio Spinola, usa o exemplo da BRF para ressaltar que o simples fato da empresa estar vinculada ao front global não é garantia de retornos positivos em momentos de valorização do dólar. “Apesar de ter boa parte de sua receita atrelada ao mercado externo, por decisões estratégicas equivocadas da diretoria anterior a empresa viu seus papéis serem penalizados pelos investidores”.
Ricca, da BB DTVM, nota que o setor de aviação acaba sendo um dos mais prejudicados diante do atual ambiente, já que ele tem a maior parte de seus custos em dólar por conta da compra de querosene no exterior, e a maior parte da receita em reais, uma vez que as passagens são vendidas localmente. No ano, até meados de agosto, as ações da Gol recuavam cerca de 27%, e as da Azul perdiam aproximadamente 18%, enquanto o Ibovespa estava próximo da estabilidade.
Spinola, da Apex, lembra que a Petrobras até pouco tempo atrás era uma empresa em baixa no mercado justamente porque não praticava localmente a paridade com os preços internacionais. “O mercado temeu que a paridade dos preços praticados no Brasil em relação ao mercado internacional fosse interrompida quando ocorreu a greve dos caminhoneiros”.

Ganhos limitados – Por sua vez, o gestor de fundos de ações da Itaú Asset Management, Eduardo Toledo Pereira, lembra do caso da Usiminas como outra empresa exportadora que, por sua forte relação com o enfraquecido setor automobilístico na Argentina também tem sido penalizada.
Pereira cita a Embraer como outra companhia que, em uma ‘situação normal’, estaria no radar dos investidores como das maiores beneficiadas da desvalorização do real. Contudo, a operação envolvendo a Boeing que está sendo questionada politicamente, mantém algum grau de incerteza quanto aos próximos passos da fabricante de aviões.
Entre as ganhadoras recentes com o fortalecimento do dólar, o gestor da Itaú Asset aponta a SLC, que vende insumos agrícolas para a China e viu o valor das suas ações subir cerca de 150% no acumulado de 2018.

Guerra comercial – Além do aperto monetário por parte do Fed, também a guerra comercial travada pelos Estados Unidos com vários países tem contribuído para manter o dólar em patamares elevados, avalia Pereira. Segundo ele, em um cenário hipotético de recrudescimento da disputa em vigor, que ele frisa não ser o mais provável, a Vale poderia ser uma das prejudicadas por causa da desaceleração econômica da China, maior compradora de minério de ferro. “Não acreditamos nesse cenário, tanto é que a Vale é uma das principais posições que temos em algumas carteiras”.
Já Spinola, da Apex, lembra de exemplos de empresas que tem até se beneficiado indiretamente da alta do dólar, e da guerra comercial, como a Rumo, que atua na logística da exportação da soja brasileira para o gigante asiático. “As tarifas para importação da soja dos Estados Unidos por parte da China foram elevadas, o que aumentou consideravelmente a demanda dos chineses pela soja brasileira”.

Exterior – O diretor da Aberdeen no Brasil, George Kerr, ressalta que muitas fundações não tiraram proveito do recente aumento do dólar no mercado via fundos globais. “No começo do ano as expectativas positivas para o país fizeram com que elas voltassem seus olhares mais para a renda variável local do que para a global, e na virada de 2017 para 2018 os institucionais passaram a demandar produtos no exterior com o hedge do câmbio”. A própria Aberdeen lançou no fim de fevereiro um multimercado global que não corre o risco da moeda.
Do final de fevereiro até meados de agosto, no entanto, o fundo com o hedge da gestora rendeu cerca de 3,60%, contra aproximadamente 19% no mesmo período do veículo que não faz proteção contra a oscilação das divisas. Nesse mesmo intervalo o Ibovespa teve retorno negativo de 13,5%. “Esse movimento brusco que levou o câmbio de R$ 3,30 para a casa dos R$ 4 pegou muita gente de surpresa”, observa Kerr.