Transversalidade é a chave | Principais empresas de asset estão e...

Alcindo CantoTatiana GreccoEdição 263

 

Transversalidade é uma palavra em alta. Muitas vezes pode ter um significado vazio, mas no caso da aplicação dos princípios ESG (Environmental, Social and Governance) pelos gestores de recursos, remete à utilização de uma metodologia específica para a análise e seleção de ativos para o conjunto de fundos e carteiras da asset. Praticamente todos os principais gestores do mercado doméstico estão em processo, mais ou menos avançado, de elaboração e uso da metodologia para os fundos de renda variável e, em alguns casos, também para os produtos de renda fixa. O problema é que grande parte do uso de tais metodologias ainda é teórico ou voltado para fundos específicos.

“A principal dificuldade é que o mercado ainda premia pouco as empresas que adotam princípios de sustentabilidade de responsabilidade social. Independente disso, estamos ampliando nossa análise com base nesses princípios”, diz Alcindo Canto, diretor executivo da asset do HSBC. O executivo diz que o HSBC foi uma das assets pioneiras na adoção de critérios ESG na análise de ativos no Brasil. Desde 2006 tem um analista focado para a área e desde 2008 mantém dois gestores com o foco de sustentabilidade. Até o final de 2014, os planos da asset do HSBC incluem a aplicação da metodologia, que é proprietária, para todos os ativos de renda fixa e variável dos fundos. “A ideia é cobrir 100% das empresas do Ibovespa e do IBr-X com a nossa matriz de risco” , diz Canto
A aplicação dos princípios ESG é mais comum para a renda variável. Mas algumas assets já estão se preparando para aplicá-los para os ativos de renda fixa. É o caso da Votorantim Asset Management (VAM) que pretende adotar os princípios de sustentabilidade também para os fundos de renda fixa crédito privado. “Estamos estudando metodologia também para a renda fixa, será um modelo dinâmico que pretendemos aplicar a partir de 2015”, diz Sandra Petrovsky, superintendente de gestão da VAM. Na renda variável, a asset do Votorantim começou a utilizar os princípios ESG a partir de 2012, um ano após aderir ao PRI (Principles for Responsible Investments).
Tanto a VAM quanto o HSBC possuem produtos específicos focados em mandatos de sustentabilidade e responsabilidade social. Os principais gestores do mercado, quase todos têm fundos que seguem o ISE ou similares, porém, o que mais se discute atualmente, é a incorporação dos princípios ESG para todas as carteiras.
“Temos vários fundos dedicados, mas agora estamos mais focados na utilização transversal das estratégias de sustentabilidade”, diz Tatiana Grecco, superintendente de fundos de investimentos da Itaú Asset Management. A asset já aplica tais princípios tanto para a renda variável (desde 2009), quanto para a renda fixa – esta última começou em 2013. Hoje tem dois analistas focados em ESG. “A principal dificuldade foi a criação de um modelo quantitativo para a renda fixa, para avaliar a emissão e a capacidade do emissor”, diz Tatiana. Para elaborar o modelo, a asset firmou uma parceria com o professor Celso Leme (UFRJ) e com Gustavo Pimentel, consultor da Sitawi.
“Fizemos uma parceria com um professor e um consultor que nos ajudaram a elaborar um modelo quantitativo que pode ser aplicado na análise convencional dos analistas”, explica a superintendente de fundos da Itaú Asset. Com isso, tanto as ações quanto as debêntures e demais ativos de crédito podem ser analisados com o viés dos princípios ESG. Além do uso transversal, a asset do Itaú, mantém alguns fundos focados em sustentabilidade, inclusive com um ETF (Exchange Traded Fund) indexado ao ISE.

Na prática – “Não basta ser signatário do PRI, tem que colocar os princípios para funcionar”, ressalta Joaquim Levy, diretor superintendente da Bram. O executivo também faz referência ao uso transversal dos princípios de sustentabilidade e responsabilidade social na análise dos ativos. “A ideia é que os princípios possam permear todas as decisões de investimentos”, diz Levy.
A Bram começou a desenvolver uma metodologia própria para a área no ano passado e, neste ano, está incorporando pelas equipes de analistas. São criados rankings de ações, que deverão ser aplicados a partir de 2015. “Desenvolvemos um sistema próprio de coleta de informação e análise, que resulta na criação de um rating. Queremos ser capazes de colocar o modelo dentro da precificação”, diz o diretor superintendente da Bram. No caso da asset do Bradesco, o projeto abrange por enquanto apenas a área de renda variável.
Outra iniciativa da Bram é a análise e seleção de corretoras também com os critérios ESG. “Passamos a verificar se o research da corretora leva em consideração os princípios de sustentabilidade. Em caso positivo, damos um peso maior para transações com essas corretoras”, diz Levy.
Uma dificuldade é a falta de padronização nos questionários enviados para as empresas e nos critérios dos produtos e estratégias focadas em princípios ESG. “Tivemos uma discussão no sentido de defender maior padronização de critérios em um evento do PRI, mas não houve avanço. Acho que o mercado deveria caminhar nesse sentido”, diz Levy.
O economista-chefe da Santander Asset Management, Hugo Penteado, concorda que a ausência de uma metodologia clara e unificada é uma dificuldade do mercado. “É uma dificuldade verificada não apenas no Brasil, mas no mundo todo”, diz Penteado. Um dos caminhos que o economista visualiza é a unificação de critérios e de questionários pelas próprias assets. Ele explica que o tema já foi discutido no âmbito do PRI, mas a organização acabou definindo que não seria seu papel a padronização de critérios globais.
Outra necessidade apontada pelo economista é a adoção de princípios ESG nas áreas de pesquisa das corretoras. “Poucas são as corretoras signatárias do PRI, é necessário que as áreas de research das corretoras incorporem os princípios”, defende Penteado.
A Santander Asset Management realiza a gestão de um dos produtos focados em princípios ESG mais antigos do mercado. É o fundo Ethical que tem mais de doze anos e que foi herdado do Real ABN-Amro. A asset mantém também a principal representante do mercado brasileiro no conselho mundial do PRI, que é a executiva Luciane Ribeiro. Ela foi eleita em 2011 para compor o conselho e seu mandato vence em 2014.
De olho na renovação dos membros do conselho do PRI, Carlos Takahashi, diretor presidente da BB DTVM, revela que a asset pretende ampliar sua participação neste organismo internacional. “Pretendemos ter uma participação mais ativa no conselho do PRI”, diz Takahashi, sem revelar se a asset vai lançar um candidato próprio ou se vai apoiar outro membro para representar a indústria brasileira.

Ranking – A BB DTVM vem desenvolvendo uma metodologia própria para a aplicação dos princípios do PRI para a renda variável há cerca de três anos. Com a metodologia foi criado um ranking com 15 ações de empresas que privilegiam a sustentabilidade e critérios sociais. No ano passado, a carteira teórica de sustentabilidade da BB DTVM ficou bem acima do Ibovespa e também do ISE, dando retorno entre 1,5% e 2%. “Nossa carteira teórica foi melhor que o ISE e com menor volatilidade”, diz Takahashi.
O ranking da gestora, apesar de ainda não ser aplicado aos produtos, já está sendo utilizado na gestão de um fundo exclusivo da Funcef. A BB DTVM foi uma das três gestoras contratadas pelo fundo de pensão (além das assets do Santander e da Caixa Econômica) para cuidar de fundos com mandatos de renda variável com base em critérios ESG. “Já aplicamos nosso ranking para um fundo exclusivo voltado para fundação. É como se fosse um ISE turbinado”, diz o diretor presidente da BB DTVM. Ele diz que outras fundações estão selecionando ou estudando a contratação de gestores para fundos com mandato ecossocial.

FAR lança fundo de resíduos sólidos

Os princípios ESG atingem não apenas os fundos líquidos mas também os private equities. Uma das mais recentes novidades é a elaboração de um fundo de resíduos sólidos que terá gestão da FAR – Fator Administração de Recursos. O fundo pretende captar R$ 400 milhões para investir em empresas de médio porte da cadeia de valor de resíduos, como projetos de reciclagem, aterros sanitários e usinas de recuperação energética (URE). O fundo pretende captar com investidores institucionais domésticos e agências de fomento.
“Já tínhamos foco em governança e agora estamos reforçando o foco em sustentabilidade”, diz Glenn Peebles, diretor de ativos alternativos da FAR. Ele revela também que a asset está estudando a estruturação de um fundo florestal. Com previsão de lançamento até final de 2015, será o primeiro fundo florestal da asset e um dos poucos do mercado brasileiro. “Tanto o fundo de resíduos quanto o de florestas estão no contexto de atuar no problema das emissões de carbono”, diz Peebles.
Atualmente, pelo menos outras duas assets preparam o lançamento de fundos florestais no mercado doméstico. Uma delas é a BTG Pactual, que prepara um fundo de grande porte que pretende captar US$ 700 milhões. A outra asset é a Claritas, que prepara um fundo florestal, que contará com parcerias de distribuição com a BB DTVM e com a Vinci Partners.