Edição 275
Uma tempestade com ventos de mais de 200 quilômetros por hora ocorrida em dezembro passado no Rio Grande do Sul deitou por terra oito torres de geração de energia eólica pertencentes à Livramento Holding, uma empresa dedicada a esse modal energético. A tempestade que levou prejuízos ao parque eólico da empresa, no entanto, também afetou fortemente os balanços de cerca de duas dezenas de fundos de pensão que são cotistas do FIP Rio Bravo Energia I, investidor da Livramento Holding.
O FIP da Rio Bravo vive um período de má sorte. Além do vendaval que destruiu as oito torres de geração eólica, o fundo também foi afetado pela quebra da WPE Impsa, a principal fornecedora de equipamentos eólicos destinados aos empreendimentos do fundo que no final do ano passado entrou na Justiça com um pedido de recuperação judicial. A quebra da WPE Impsa provocou atrasos consideráveis no cronograma de obras dos dois principais empreendimentos do FIP, que são a própria Livramento Holdings e a Brave Winds Geradora II (parque eólico Chuí), obrigando os gestores a comprar energia no mercado livre, a preços elevados, para honrar compromissos assumidos em contrato.
Os dois episódios, o vendaval e a quebra do principal fornecedor das torres, criou para o fundo o que se poderia chamar de tempestade perfeita. Segundo Charles Laganá Putz, co-gestor do FIP e responsável pela área de infraestrutura da Rio Bravo, “os pagamentos realizados para a Impsa para as torres destinadas a Livramento e Chuí tiveram que ser provisionados como perdas, o que afetou o balanço do fundo”. Ainda de acordo com ele, a velocidade do vendaval foi absolutamente surpreendente. “Os estudos de ventos feitos anteriormente apontavam para o máximo de 140 quilômetros por hora”, diz Putz. O outro gestor do FIP, Sílvio Junqueira é mais contundente. “Foi o maior acidente da história do mundo envolvendo torres de energia eólica”, diz.
Como resultado dessa “tempestade perfeita”, a Rio Bravo que faz a gestão do FIP e a Caixa Econômica que é sua administradora tiveram que registrar um profundo corte no patrimônio líquido do fundo, passando de R$ 536,34 milhões no primeiro trimestre de 2015 para R$ 298,92 milhões no segundo trimestre. O valor total do fundo, ao término do período de captação, era de R$ 559 milhões os quais foram integralmente investidos nas empresas e projetos. Os cotistas, formados por mais de duas dezenas de fundos de pensão e alguns co-investidores, começaram a contabilizar as perdas nas carteiras a partir de maio último. A companhia Livramento foi responsável pela perda de R$ 171 milhões, tendo ficado com patrimônio líquido negativo após o vendaval.
As demonstrações contábeis do fundo, feitas pela empresa de auditoria KPMG no final de 2014, ainda não registravam a desvalorização do FIP e foram aprovadas com uma ressalva que apontava para a necessidade de impairment (perda no imobilizado) sobre o documento. Isso foi feito pela Rio Bravo em seguida, no balancete do primeiro trimestre de 2015. “Não registramos as perdas antes porque os balanços das empresas investidas ficaram prontos apenas no final de março. Se desse tempo, já teríamos colocado no balanço de 2014”, garante Putz.
Fundos de pensão – Cerca de duas dezenas de fundos de pensão são cotistas do FIP Energia I. Aberto para a captação em 2010, o fundo tem prazo previsto de 12 anos, sendo 3 anos de investimentos e o restante dedicado ao desenvolvimento do negócios e desinvestimentos. Como foi criado em um momento de queda nas taxas de juros, o FIP teve uma boa captação junto aos fundos de pensão, principalmente entre aqueles patrocinadas por empresas do setor elétrico. A Faelba, fundo de pensão da Coelba, por exemplo, tinha R$ 12,3 milhões alocados no fundo em dezembro de 2014 – valor que caiu após a desvalorização das cotas.
“Realmente o fundo de energia não tem apresentado os resultados que esperávamos, mas temos que analisar como um investimento de longo prazo. É preciso mais tempo para o gestor vencer essa fase operacional”, diz Augusto Reis, diretor superintendente da Faelba. O dirigente diz que não tem críticas a fazer em relação à atuação do gestor e atribui a desvalorização do fundo “a situações climáticas adversas”.
Já a Fachesf, patrocinada pela Chesf, tem uma participação um pouco maior no FIP, alcançando R$ 78,64 milhões em dezembro do ano passado. Apesar disso, a equipe de investimentos do fundo de pensão minimiza a exposição ao ativo. “É um peso pequeno em nossa carteira, pois temos patrimônio da ordem de R$ 5,5 bilhões. Em estruturados temos R$ 200 milhões, mas o impacto não é grande”, diz José Roque, diretor de administração e finanças da Fachesf. Ele explica que a política de investimentos da fundação tem adotado uma postura mais cautelosa na análise de novos fundos de participações. “Estamos mais cautelosos com os fundos de participações, mas é por causa da crise do país e da Petrobras”, comenta Roque.
A Faelce, dos funcionários da Coelce, também registra perdas com o FIP Energia I. As cotas que eram avaliadas em R$ 9,81 milhões em dezembro de 2014 caíram para R$ 5,45 milhões em abril passado. “A desvalorização ocorreu devido ao vendaval que derrubou as torres. O seguro está avaliando o pagamento dos prejuízos. Também houve o problema nas regras tarifárias do setor elétrico”, explica Carlos César Padilha, diretor administrativo e financeiro da Faelce.
Análise independente – Mas nem todos os fundos de pensão estão conformados com as perdas. Um grupo de fundos de pensão que são cotistas do FIP Energia I estão analisando a possibilidade de contratar um escritório de advocacia para avaliar os ativos e potenciais problemas do fundo. Um dos membros do comitê do FIP, o diretor de investimentos da fundação Fibra, Marcos Litz, esclarece porém que ainda não há nenhuma decisão tomada. “Reiteramos que até o momento não existe escritório de advocacia formalmente contratado pelos cotistas, mas tão somente um debate prévio entre vários cotistas sobre a possibilidade de realização de um diagnóstico por um escritório de advocacia independente, cujo escopo dos serviços ainda está para ser definido”, informou Litz à esta revista através de e-mail. O diretor da fundação Fibra não quis dar detalhes das negociações com o escritório de advocacia.
A contratação de um escritório de advocacia pelos cotistas, porém, não tem unanimidade. “Entendo a insatisfação de alguns cotistas, mas acho que temos que acreditar na capacidade do gestor de resolver as dificuldades do fundo. Acho que neste caso a desvalorização ocorreu devido a uma sucessão de fatos imprevistos, totalmente fora do controle do gestor”, diz Rogério Tatulli, diretor superintendente da Previ Eriscsson. O fundo de pensão da Ericsson mantém uma posição pequena no FIP, com cerca de R$ 1,5 milhão em ativos, segundo dados de agosto.
O executivo diz ser contrário a qualquer eventual medida judicial contra o gestor do fundo. “Não acho que, neste caso, uma medida judicial seria interessante, pois não é um desfecho adequado nem para o gestor nem para nós cotistas”, afirma Tatulli. Ele complementa dizendo que não viu nenhuma irregularidade na gestão do fundo e diz acreditar na recuperação dos resultados do FIP.
Perspectivas – Para os gestores, embora a recuperação dos resultados do fundo seja viável isso não deve ocorrer no curto prazo. Está previsto uma reavaliação dos ativos do fundo ainda em 2015, mas nem Charles Laganá Putz nem o outro co-gestor do fundo, Sílvio Junqueira, acreditam numa recuperação imediata no valor das cotas. “A avaliação é realizada pelo sistema de fluxo de caixa descontado e como as taxas de juros subiram muito, o valor presente dos projetos ficam valendo menos que antes, quando os juros estavam mais baixos”, diz Charles Putz.
Neste sentido, a recuperação só deve vir quando começar um novo ciclo de queda nas taxas de juros da economia. Além da reavaliação dos ativos, a maior parte do retorno deve vir na fase de desinvestimento, com a venda dos ativos e empresas do fundo. “Com um cenário melhor da economia, poderemos realizar uma venda atrativa dos projetos operacionais e recuperar perdas de outros”, diz Putz.
Os investidores do setor de energia como um todo estão sofrendo com os atrasos na entrega e finalização dos projetos. As deficiências na área de infraestrutura, assim como as mudanças no ambiente regulatório, provocaram pesadas perdas para as empresas que atuam no setor. Mas para o FIP da Rio Bravo o pior momento foi a necessidade de entregar energia sem que os projetos estivessem ainda operacionais. A saída foi comprar energia no mercado livre, a preços elevados, para honrar os contratos.
De acordo com um documento enviado pelos gestores do FIP Energia I, as condições do ambiente do setor elétrico começaram a se deteriorar a partir de 2012, principalmente por causa de mudanças regulatórias. “A MP 579, editada em setembro de 2012 e depois transformada em lei, provocou fortes abalos nas empresas do setor e gerou graves consequências que perduram até hoje”, diz o documento. O texto cita ainda o encarecimento da fabricação de aerogeradores após as mudanças das regras de nacionalização de equipamentos, que resultaram em descredenciamento do Finame de diversos fornecedores, e os constantes atrasos nas emissões de licenças ambientais, que impactam todo setor de infraestrutura e, em particular, as geradoras e transmissoras de energia.
Segundo o texto enviado pela Rio Bravo, 83% dos projetos eólicos previstos para 2014 estavam atrasados em abril de 2013, e no início de 2014 o atraso médio das linhas de transmissão era de 1 ano. O Rio Bravo Energia I FIP foi diretamente impactado pelo atraso na emissão de licenças ambientais dos parques eólicos do complexo Chuí, as quais foram emitidas entre 25 a 30 meses após a solicitação. Além disso, a crise hídrica de 2014 provocou um aumento exponencial no valor da compra de energia no mercado livre, a maior parte proveniente das termelétricas. “Os preços subiram até oito vezes em relação aos valores praticados em 2013. Compromete toda estratégia de hedge concebida anteriormente”, diz Junqueira.
Depois da tempestade… – O FIP Energia I, segundo os gestores, tem a maior parte dos ativos saudáveis e já em fase operacional. Da energia prevista para produção por todas as empresas e projetos do fundo, que somam 551 megawatts (MW), apenas 54 MW estão com problemas mais graves (referentes à Livramento). Os outros 503 MW são plenamente viáveis e estão operacionais. Na parte saudável dos projetos, destaca-se Santa Vitória do Palmar, conhecida como SVP, com 258 MW e o Parque Eólico de Chuí, com 144 MW.
O projeto de Chuí também sofreu perdas contábeis pois contou com o fornecimento da Impsa. A empresas teve que registrar provisões de perdas no balanço em virtude da quebra da fornecedora. “Foi o único projeto que recebeu as torres e equipamentos da Impsa”, diz Sílvio Junqueira.
O maior problema, segundo os gestores, concentra-se na empresa Livramento, com 54 dos 78 MW previstos parados devido ao acidente. O problema agrava-se pela quebra da Impsa, que já não atua mais e não pode reparar as torres danificadas. “Ainda estamos estudando o destino de Livramento, ficou bastante comprometido, mas não tomamos uma decisão final”, diz Putz.
Os gestores do fundo acreditam que, no médio e longo prazo, o FIP deve voltar a apresentar resultados positivos. Ainda faltam sete anos para o prazo de encerramento do fundo, prorrogável por mais três anos.
Portfólio do FIP Rio Bravo Energia I
RBO Energia S.A., uma empresa que conta com 9 PCHs, sendo:
– 1 PCH operacional (5,3 MW de capacidade instalada)
– 8 PCHs em diferentes estágios de desenvolvimento (129 MW)
Complexo Eólico Santa Vitória do Palmar
– 10 parques eólicos operacionais (totalizando 258 MW)
Complexo Eólico Chuí
– 6 parques eólicos operacionais (totalizando 144 MW)
Complexo Eólico Livramento
– 5 parques eólicos, sendo 4 atualmente não operacionais (totalizando 54 MW) e 1 parque em operação comercial (24 MW)
Geradora Eólica Bons Ventos da Serra I
– 1 parque eólico com status de apto a operar (23 MW)
Fonte: Rio Bravo