Surpresa ruim em junho | Depois da pior queda do Ifix no ano, em ...

Edição 368

Carvalho,Fabio(Alianza) 24jul 02Depois de um primeiro semestre animador, em que surfaram no otimismo do mercado em relação às taxas de juros em declínio, os fundos de investimento imobiliário (FIIs) sofreram um duro baque em junho. A volatilidade econômica no Brasil e no exterior e a desconfiança em relação ao atual cenário fiscal em nosso país resultaram em uma queda de 1,04% do Ifix no mês, seu pior desempenho desde outubro do ano passado, quando caiu 1,98%.
“Mais ou menos no meio do ano passado, o mercado melhorou por conta da expectativa de os juros caírem. Com a curva dos juros futuros em queda, expectativa da Selic também reduzir, o mercado começou a se animar”, explica Fábio Carvalho, sócio da Alianza Investimentos. “Mas com o passar do tempo, o mercado se frustrou com essas expectativas. Tudo acabou indo na direção contrária, e quando se percebeu que não haveria a queda de juros esperada, o macro deu uma azedada.”
A frustração foi causada pela redução – e, posteriormente, interrupção – nos cortes da Selic, causada principalmente pela relutância do Banco Central dos Estados Unidos, o Fed, de iniciar o ciclo de cortes de juros naquele país. Mas outros fatores contribuíram para que o mercado imobiliário não caminhasse na direção desejada e esperada.
“O nosso mercado é muito correlato para juros, tanto real quanto tesouro, NTN-B… Acaba capturando tudo que tem de imprevisibilidade, de risco. Toda vez que há dúvidas sobre o futuro, sobre se a dívida é sustentável, se tem trajetória controlada ou não, gera incerteza, e o mercado fica sem âncora para sustentar isso”, avalia o sócio da RBR Asset, Bruno Nardo. “Tem ainda a questão da troca da presidência do Banco Central, o período de eleições. Tudo influencia.”
A análise é compartilhada pelo sócio fundador e diretor de investimentos da Vectis, Laercio Boaventura, que vê o comportamento fiscal do atual governo brasileiro como outro fator fundamental para a queda de rendimento não só dos FIIs, mas de todos os investimentos de renda variável.
“São muitas incertezas: se vão cumprir o arcabouço fiscal, se o governo está gastando muito, se estão exagerando no imposto. Esse ambiente fiscal inconstante aliado à taxa de juros elevada fizeram com que o pessoal corresse para um porto seguro, que é a compra de títulos de banco. Mesmo com o CDB muitas vezes rendendo abaixo do CDI, e os FIIs rendendo até acima, os investidores preferem não ter riscos. Eles pensam que os fundos de papel podem dar problema e preferem ficar nos bancos, porque sabem exatamente o que vão receber. É esse cenário que impacta, e o Ifix sofre”, afirma.

Alternativas encontradas – Diante da queda no Ifix e sem a segurança de uma melhora imediata, os fundos imobiliários traçaram estratégias próprias para minimizar os danos. Na Alianza, que conta com aproximadamente R$ 3 bilhões em FIIs, sendo 90% em fundos de tijolo e os outros 10% em fundos de papel, a opção foi por captar nos fundos existentes para investir em crédito.
“Foram duas medidas bastante importantes. Realizamos as captações em um momento no qual o mercado ainda permitia, quando não tinha piorado tanto. Estamos com bastante caixa, o que é bom no sentido conservador de aproveitar oportunidades para fazer aquisições e também para nos mantermos protegidos nesse momento. Além disso, investimos bastante em crédito, também pensando nessa proteção. Bem ou mal, grande parte do retorno é advindo do próprio fluxo de pagamentos de juros, é uma garantia fundamental”, relata Fábio Carvalho.
Parte dessa estratégia também foi adotada pela RBR, que mirou na captação, mas sem alterar os planos de investimento. A asset mantém o foco em ativos prime, nas principais localidades de São Paulo. Esse tipo de ativo compõe boa parte da sua carteira de R$ 10,5 bilhões
Nardo,Bruno(RBR) 23jul“Nosso DNA é pensar menos no rendimento a curto prazo. Temos reforçado a compra de ativos de muita qualidade nas melhores áreas da cidade. Há um ano, por exemplo, compramos mais de R$ 100 milhões em participação no Shopping Eldorado. Acreditamos que o ativo prime acaba valorizando muito mais, mesmo sendo comprado em um cap mais baixo”, argumenta Bruno Nardo.
Segundo ele, “há cerca de quatro meses também optamos por aumentar o caixa, vendemos uma série de ativos líquidos no mercado, porque sabemos que é importante ter recursos em momentos de volatilidade, pois nos deixa aptos a fazer bons negócios. Se você está 100% investido, não tem abertura para aproveitar, por exemplo, um ativo que está mais barato por conta do estresse do mercado. É nesse momento de baixa que a gente consegue fazer os melhores negócios.”
Por ter foco maior em fundos de papel, que compõem 85% dos mais de R$ 2,2 bilhões de patrimônio sob gestão, a Vectis traçou estratégia um pouco diferente para o momento. O foco é atrair investidores que estão mais acostumados à estabilidade no pagamento que a renda fixa traz.
“Nossa expectativa agora é sair com um produto, no segundo semestre, muito mais ‘reloginho’ no pagamento de dividendos, algo que o varejo entende melhor. A gente vê fundos que pagam mais que o CDI, mas são negociados por valores menores só porque o CDI tem essa variabilidade no pagamento. Então, estamos mirando em um produto de CRI estruturado, com mais flexibilidade e liberdade para dar ao investidor uma ideia mais clara do que será pago”, revela Laercio Boaventura.

Sem desespero – Se o futuro passa por estratégias diferentes, os especialistas são unânimes em garantir que o atual momento de baixa não é motivo para desespero. Pelo contrário, a expectativa é de que o mercado apresente sinais de melhora para os fundos imobiliários. Nardo, da RBR, vai além e argumenta que o atual momento não é de todo ruim para o setor.
“Quando a gente fala que o mercado foi ruim no mês de junho, quer dizer em relação à precificação das cotas no mercado secundário. Mas isso não vale necessariamente para o resto. Por exemplo, tivemos fundos de shopping em que as cotas se desvalorizaram em junho, mas os shoppings em si foram bem. Então, uma coisa é como os ativos performaram, outra é como a cota foi precificada no mercado secundário, que tem a ver com juros, risco etc.”.
Para o segundo semestre, o diretor da RBR demonstra otimismo. Ele considera que os juros para o futuro já estão precificando os riscos do mercado. “Estamos falando de juros para 2031 de 12,2% ao ano. Tem bastante risco nessas curvas, nos preços. Vejo isso com bons olhos, porque assim que for reforçada uma estabilidade, isso deve valorizar os ativos, porque eles já sofreram. Isso me deixa confiante de que o segundo semestre pode ser bom para esses ativos.”
O próprio Nardo, por outro lado, avalia que a melhora no cenário passa, também, por questões governamentais, como a escolha do próximo presidente do Banco Central, as eleições de outubro, além de uma comunicação mais assertiva ao mercado sobre a política fiscal. “Sabemos que alguns componentes de volatilidade precisam mudar. Estamos falando de um governo que não tem conseguido ancorar o lado fiscal de uma forma que deixe o mercado mais previsível, entendendo a trajetória da dívida.”
Fábio Carvalho, da Alianza, também acredita na evolução positiva no segundo semestre, especialmente pela eliminação de algumas “incertezas” que têm incomodado o setor. “Os Estados Unidos devem fazer cortes nos juros. Vai passar a eleição lá, vai passar também a nossa eleição aqui, o presidente do Banco Central será indicado. Tudo isso, independentemente do que for decidido, ajuda o mercado a tomar um rumo.”
Boaventura,Laercio(Vectis) 24jul 02Laércio Boaventura concorda, mas é cauteloso em relação ao otimismo. “Com a perspectiva de queda ou estabilização dos juros e ambiente fiscal sem tantas dúvidas, nossa expectativa é de um segundo semestre com apetite maior do varejo para os fundos. Será um mercado mais forte, mas não podemos esperar ofertas gigantes, como em meses passados. Vamos ver algumas casas recolocarem suas operações, se estabilizarem. É isso que precisa acontecer.”