Sempre haverá riscos e tensão internacional | Independente desses...

Embora o cenário geopolítico global apresente nuvens carregadas, elas não devem influenciar a tomada de decisões dos investidores de longo prazo com apetite por ativos internacionais. “Coronavírus, eleições nos EUA, Irã, guerra comercial entre EUA e China, sempre haverá alguma coisa a preocupar, mas é essencial que investidores de longo prazo, como os fundos de pensão, mantenham um percentual alocado em ações globais, sejam ativos escolhidos pela própria entidade, seja uma seleção feita por gestores em mandatos mais completos”, observa o sócio fundador da M Square, Arthur Mizne.
Mizne vê um paralelo entre o atual momento de alocação global no Brasil e o que ocorreu nos EUA nos anos 1990. “Era muito parecido com o nosso caso, eles tinham pouco investimento em outros países. Hoje, os fundos de pensão americanos alocam entre 25% e 50% de seu patrimônio no exterior, o que demonstra que, apesar de terem um poderoso e variado mercado doméstico de gestão de ativos, enxergam a força da diversificação internacional”.
Focada em exterior, a M Square tem R$ 5 bilhões sob gestão e, desde o advento da 4.661, já criou um fundo exclusivo e tem outro no pipeline. A filosofia é de longo prazo e, à exceção da China, a opção foi por deixar os emergentes de lado. Seus fundos de ações são fundamentalistas e analisam as empresas com uma visão voltada para aquelas que têm atuação global, não importando se estão baseadas nos EUA ou na Europa. Já em renda fixa, Mizne explica que a preferência recai sobre o mercado dos EUA. “Em primeiro lugar porque o dólar é a nossa moeda de referência mas também porque os EUA têm a melhor jurisprudência e o melhor arcabouço para enfrentar eventuais casos de default”.
Com oito a nove fundos investidos, a tendência é de que a M Square aumente esse número. “Há 15 anos vamos ao mercado global buscar os melhores gestores, esse é um trabalho constante para encontrar os especialistas. Não esperamos que eles venham ao Brasil, é preciso ir atrás”, diz a CEO, Luciana Barreto.

Outra gestora que nota o aumento do interesse dos fundos de pensão brasileiros por alocação no exterior é a Pimco, que tinha, em dezembro do ano passado, R$ 2,86 bilhões em ativos sob gestão em feeders no Brasil, dos quais R$ 2,72 bilhões em fundos que são aderentes a Res. 4661. “Notamos um aumento na demanda, seja através dos produtos que já disponibilizamos no Brasil, seja através de processos de Request for Information (RFI) e Request for Proposals (RFP) para soluções customizadas”, diz o responsável pela gestora no Brasil, Luís Otávio Oliveira.
Segundo ele, a demanda está relacionada às baixas taxas de juros no Brasil e à necessidade de diversificação. “Temos gerido recursos em ambientes de juros próximos a zero (e, mais recentemente, negativos) há mais de uma década. Estamos em conversas avançadas com algumas fundações”, afirma Oliveira. “Os investidores institucionais brasileiros estão cada vez mais sofisticados e estão evoluindo muito rapidamente no que tange a benchmarks e estratégias.”

Para o gestor de fundos de fundos da BNP Paribas Asset Management, Tiago Cesar, o tema de investimentos no exterior é cada vez mais presente nas estratégias das fundações. “Temos tido diversas reuniões com entidades, mas esse é um jogo de tabuleiro em que os participantes avançam por casas’, avalia. Segundo ele, a demanda existe tanto por veículos locais (feeders) como por fundos de fundos.
Há basicamente quatro formas de alocar no exterior. A primeira é comprando ativos de fora mas listados na bolsa local, como BDRs e ETFs. A segunda é usando feeders locais para acessar estratégias de um determinado gestor, com ou sem hedge. A terceira é criando um fundo de fundos local a partir dos feeders disponíveis. E a quarta é criar fundos de fundos locais que acessam diretamente o exterior, com todo um leque de sabores, cores e aromas lá fora. Segundo Cesar, “as duas primeiras alternativas atendem bem os portfolios menores”. Já a terceira “é um modelo excelente porque fica super descorrelacionado e dá um balanço de risco muito bom, permitindo consolidar os fundos de fundos preferidos numa única estratégia”, explica o gestor.
Ainda de acordo com Cesar, a quarta possibilidade “exige maior volume alocado e portanto um trabalho maior de seleção de ativos, é um modelo mais complexo mas vai dominar os fóruns de debate daqui para a frente”, avalia. Segundo ele, essa alternativa está em fase de discussão no BNP Paribas, em especial com as maiores EFPC. “Não temos mandatos para isso ainda mas estamos preparados para eles”.

Embora a alocação média das EFPC em exterior via feeders ainda seja baixa, menos de 0,5% dos ativos do sistema, somando cerca de R$ 3 bilhões, a expectativa é de crescimento, avalia o diretor da Schroders Brasil, Fernando Cortez. “Estimamos cerca de 5% dentro de dois a três anos, mas algumas entidades já estão próximas de bater o limite de 10% e então esse teto precisa ser majorado”.
Na Schroders, os planos incluem o lançamento de novos veículos para institucionais este ano, via feeder funds. Outros caminhos incluem mandatos customizados com fundos de fundos de base local. A casa aposta no crescimento desse tipo de mandato, que segue o modelo investment solution. “Fechamos o primeiro agora em janeiro, com recursos de R$ 450 milhões, e há mais três mandatos previstos para acontecer ainda no primeiro trimestre”, explica Cortez.
Segundo Cortez, “o objetivo do modelo investment solution é gerar mais alfa e pouco beta, seja em renda variável ou renda fixa. O que pode significar alocação mais forte em long short ou, na renda fixa, um perfil de retorno absoluto. A alocação em ativos de crédito, por sua vez, pode buscar mais risco soberano com mais retorno absoluto”. As metas são distintas, de acordo com os interesses de cada entidade, e os gestores fazem a ponte com o mercado global. O time da Schroders baseado em Londres conta com 50 pessoas, conhecimento do institucional brasileiro e tem US$ 60 bilhões sob gestão em customização global.

Na busca de resultados, os fundos de pensão brasileiros estão exigindo das gestoras uma grade de exterior com mandatos cada vez mais sofisticados. Na Western, a prateleira de benchmarks inclui desde o mais simples (MSCI, S&P) até instrumentos hedgeados que buscam dólar mais 3% ou mais 4%, sem especificar renda variável ou renda fixa, eplica o diretor executivo da asset, Marc Forster. “A carteira global é montada por nós com base no apetite a risco de cada cliente e no retorno esperado. A partir daí, buscamos fazer com que as carteiras conversem entre si e se complementem”, conta Roberto Tepperman, diretor da global Legg Mason, cujos fundos são distribuídos no Brasil pela Western.
O início dos investimentos no exterior começa com produtos mais simples, na fase de aprendizado, seguindo depois para os mais sofisticados como os fundos de fundos e fundos de ETFs, explica Tepperman. Segundo ele, a maioria dos clientes da gestora ampliou a fatia de exterior. “O volume sob gestão era de R$ 2 bilhões em 2019 e passou para R$ 3, 2 bilhões este ano”. A casa opera com várias estratégias, incluindo equities global, de Estados Unidos, long short de Europa, long short de crédito, small caps.

Segundo o presidente da BlackRock no Brasil, Carlos Massaru Takahashi, as EFPC fizeram ajustes de regulamentos e revisão de políticas no segundo semestre de 2019, para chegar a 2020 preparadas para ampliar os investimentos no exterior. Ele pondera que a diversificação global é essencial para garantir retornos e amortecer o risco de concentração. Boa parte dos ativos na bolsa doméstica já tem preços bem ajustados e mesmo que o Ibovespa bata nos 130 mil pontos, olhando ativo por ativo já há muitos deles próximos do valor upside.
Algumas EFPC começam a olhar estruturas mais complexas e procuram gestores com histórico mais longo e estratégias que já foram testadas. “As fundações precisam ter muito claro o que estão aprovando em seus mandatos”, diz Takahashi. Manter uma parcela hedgeada também é fundamental diante dos passivos das fundações, que são em reais.
Na BlackRock, as alternativas mantém baixa correlação com as exposições domésticas, usando como benchmark o MSCI World, por exemplo, e buscando retornos em ativos de EUA, Europa e China de forma bem diluída por setores e empresas, além da diversificação geográfica.
Além da renda variável, Takahashi vê espaço para crescimento na renda fixa e lembra a importância de olhar para ativos globais que sigam critérios ASG (sustentabilidade ambiental, social e governança). “Diversas entidades já são signatárias do PRI (Principles for Responsible Investment) e esse é um caminho interessante, encontrar fundos específicos de ASG no exterior já que essa oferta ainda é pequena no mercado doméstico”.

A prateleira de produtos de exterior da Santander Asset vai passar a incluir ativos ASG. A casa espera fechar parceria internacional para oferecer uma nova série de fundos equity global, com hedge cambial e selo ASG. “Essa é uma demanda que deve crescer, permitindo ao institucional combinar num mesmo produto a alocação off shore, equities e ASG”, diz o superintendente de Produtos da Santander Asset, Rudolf Gschliffner.
Outra demanda que deve crescer são as estratégias quantitativas globais. A Santander Asset vai entrar de maneira efetiva na disputa pelos investidores interessados nessas estratégias. “Elas ocuparão parte relevante do investimento internacional, uma vez que oferecem relação risco/retorno mais consistente e menos dependência aos movimentos de mercados”, avalia Gschliffner. Segundo ele, o mercado off shore é ideal para o exercício dessas estratégias porque envolve ativos de elevada liquidez.

Para o vice-presidente de Institutional Sales da Franklin Templeton, Luiz Fernando Pedrinha, os juros baixos e os novos limites da Res. 4.661 colocaram os investimentos no exterior definitivamente no radar dos institucionais. Mas esse ainda é um “mundo novo para os fundos de pensão”, que precisam compreender e saber lidar com as diferenças de estrutura, arcabouço regulatório e estratégias dos mercados lá fora. “É essencial fugir das comparações entre as estruturas dos fundos internacionais e dos locais porque os tomadores de decisões de investimentos precisam se sentir confortáveis com isso”, afirma Pedrinha.