Retomada em menor escala | Bolsa ao redor dos 40 mil pontos apres...

Edição 278

 

No patamar no qual se encontra a bolsa brasileira, abaixo dos 40 mil pontos, bem distante do recorde de 73 mil pontos alcançado em 2008, gestores de assets com atuação relevante na renda variável olham com atenção para oportunidades que foram deixadas para trás por investidores nos últimos anos. O maciço fluxo de saída, se penalizou companhias com alto endividamento, também levou junto empresas que têm boas perspectivas de crescimento do lucro nos próximos anos. Quando a retomada vier, no entanto, não deve se esperar que seja no mesmo patamar da década passada, alertam os especialistas.
“Algumas excelentes empresas tiveram queda nos preços a despeito do crescimento do lucro. Empresa boas ficaram muito baratas mesmo sustentando a capacidade de aumentar o lucro, é uma coisa muito atípica. Nosso foco são nesses nomes”, aponta Régis Abreu, sócio responsável pelo asset management da Bozano Investimentos, gestora com R$ 600 milhões em ações de empresas brasileiras. Ele cita como exemplos que ilustram sua visão nomes como JBS, Cielo e BB Seguridade. “São empresas que estão com o preço das ações descontadas, a despeito da alta margem e do crescimento do lucro. As quedas foram maiores do que deveriam. Há uma clara dicotomia entre fluxo e fundamento”, afirma Abreu.
Até mesmo papéis que tiveram boa performance em 2015, como do segmento de papel e celulose, ressalta o gestor da Bozano, estão com o valuation abaixo do justo. “A magnitude da alta desses papéis está fortemente relacionada com a variação do câmbio, mas as empresas não tiveram seu valor reavaliado de fato, elas subiram porque o dólar valorizou. Só que são empresas que estão menos endividadas, com maior geração de caixa, e que merecem ser reavaliadas”, pondera o especialista.

Potencial de alta – A Victoire Brasil, que tem aproximadamente R$ 1,5 bilhão sob gestão na renda variável doméstica, vê espaço para uma valorização de 30% a 40% da bolsa brasileira, mas o prazo para que esse potencial seja realizado é incerto, explica Mohamed Mourabet, diretor de investimentos da asset. “Essa alta vai ocorrer quando as coisas voltarem ao normal, mas esse normal a que estou me referindo não é o que vimos nos últimos cinco a dez anos, mas ao normal da década de 90”. Como exemplo ele aponta empresas do segmento do varejo, que chegaram a ter suas ações negociadas a 22 vezes o lucro esperado por elas na década do ano 2000 com o boom do crédito no país.
Quando o país voltar a ter crescimento do PIB, prevê Mourabet, a taxa de expansão, se não será a mesma de quando a bolsa alcançou seu pico em 2008, será melhor do que o observado atualmente. “Empresas que hoje são negociadas a 15 vezes o lucro merecem estar a 17 vezes o lucro, mas não mais a 22 vezes como nos acostumamos a ver nos últimos anos no Brasil. Trata-se de um novo normal”.
Bruno Garcia, gestor sênior da ARX, que tem cerca de R$ 3,6 bilhões em ações de companhias brasileiras sob gestão, também vê espaço de alta para a bolsa após a “normalização” do cenário doméstico.
“Quando vemos o valor de algumas ações na bolsa hoje e olhamos no longo prazo nos parece extremamente baratas, e em alguns casos são empresas fáceis de fazer a precificação, como de shoppings centers. Olhando apenas para o curto prazo não dá nenhuma vontade de comprar, mas quando os lucros forem normalizados elas podem entregar retornos muito bons”, pondera Garcia.
Mourabet, da Victoire, ressalta que o rebalanceamento do Ibovespa, que nos últimos anos vem tirando espaço de empresas do setor de commodities e aumentando o dos bancos e serviços financeiros e mesmo do consumo, vai ser um driver positivo para a bolsa. “Não gostamos do setor de commodities metálicas, são empresas que ainda vão demorar algum tempo até ajustar seus balanços. Já em relação às commodities agrícolas, esperamos que seja um segmento que vai conseguir se beneficiar da desvalorização cambial”, diz Mourabet. “O Brasil e a América Latina vão continuar sendo fornecedores de soja, trigo e carne para o resto do mundo, principalmente para a Ásia”, acrescenta o especialista da asset.

Endividamento – Se a Victoire vê potencial para algumas companhias da bolsa terem valorização expressiva dos papéis, por outro lado, Mourabet lembra que a taxa de juros real, que chegou a 1,5% em 2012, levou uma série de empresas a se endividar. E essas empresas, que em alguns casos estão altamente alavancadas, devem seguir fora do radar dos investidores, alerta o diretor da gestora.
“O Brasil nunca teve o setor corporativo tão alavancado como hoje”, pontua o especialista, que cita como exemplos duas ex-gigantes da bolsa, Vale e Petrobras, que pela primeira vez tem um endividamento que representa mais de quatro vezes sua geração futura de caixa. “Isso quer dizer que as companhias trabalham muito mais para o detentor do bond de renda fixa do que para o acionista”. Além das commodities metálicas, os setores de telecomunicações e das incorporadoras imobiliárias também estão repletas de exemplos de companhias com uma alavancagem acima do saudável, de acordo com Mourabet.
O desafio para o gestor, fala Garcia, da ARX, é separar o joio do trigo, ao ser capaz de identificar as empresas que conseguem sustentar alguns anos de lucros fracos para voltar a crescer quando o cenário macroeconômico for mais favorável daquelas que não vão chegar vivas ao novo ambiente. E o endividamento é um ponto crucial na análise, diz Garcia.
“O setor de real state tem representantes com dívidas muito altas, que podem no meio do caminho fechar. O gestor precisa separar os papéis que vão sobreviver até o cenário se normalizar das ações que possivelmente terão problemas nos próximos anos com a rolagem de suas dívidas”. Por conta disso, o gestor da ARX entende que o investidor em busca de oportunidades na bolsa não deve olhar para o mercado com o foco em quanto o papel já caiu, mas em empresas com capacidade de manter suas operações durante a crise e que podem até sair mais fortalecidas desse período turbulento. “Temos cinco ou seis ações em carteira que gostamos muito e avaliamos como uma boa oportunidade de investimento”.

Política – Além da melhora da economia do país, assim como já tem sido nos últimos anos no país o contágio do cenário político no mercado também pode ter influência importante para a recuperação da bolsa. E se existem os que apostam numa melhora do mercado nas eleições presidenciais de 2018, Garcia enxerga a possibiidade dessa recuperação começar antes. Em um cenário hipotético, ele avalia que, caso o PT perca espaço nas eleições municipais do segundo semestre do ano, e a Lava Jato alcance possíveis candidatos do partido em disputas futuras, os investidores já devem demonstrar seu contentamento nos papéis da bolsa. “Tudo que afeta o atual governo negativamente e reduz suas chances para 2018 faz a bolsa subir”, pontua o gestor da ARX.
Ainda assim, uma exposição a empresas estatais para aproveitar uma eventual corrida pelos papéis em caso de vitória da oposição parece ser uma estratégia mais arriscada do que o recomendado, comenta o especialista. “Boa parte dessas empresas estão com tanta dívida que podem não sobreviver. Ou em última instância o governo pode fazer uma capitalização, mas de qualquer forma o acionista perderia dinheiro com a diluição”, afirma Garcia. “São empresas para a qual tenho uma visão binária; elas podem ter seu valor multiplicado por dois mas podem também ir a zero. Existem outras empresas mais interessantes com chances menores de cair e muito maiores de subir”.
O gestor lembra do caso da bolsa argentina, que após muitos anos em patamares deprimidos, começou a apresentar sinais de melhora quando os investidores passaram a vislumbrar a possibilidade de um candidato mais pró-mercado vencer Cristina Kirchner, o que se concretizou com a vitória de Mauricio Macri.