Edição 243
Aintervenção no banco BVA, decretada pelo Banco Central no final de outubro, na verdade não pegou muita gente de surpresa. Havia dois ou três meses que o mercado comentava que coisas esquisitas estavam acontecendo com o banco, cujas dificuldades na área de crédito começaram a contaminar suas contas desde 2011. O BVA fechou o balanço do ano passado com uma redução de 30% em suas margens de lucro em relação a 2010, com R$ 63,2 milhões. Mas foi só no primeiro semestre deste ano, quando o banco deixou de publicar o balanço da primeira metade do ano e suas classificações de rating começaram a ser rebaixadas a partir de agosto, que os sinais de desequilíbrio se tornaram mais claros.
Dessa vez não era uma redução nas margens de lucro, mas prejuízo puro e simples. Pressionado pelos rumores do mercado, que dificultavam suas operações de captação, a diretoria do banco resolveu colocar as cartas sobre a mesa e convocou uma reunião interna dos principais funcionários. Ali o presidente do banco, Benedito Ivo Lodo, explicou a situação, disse que muitos créditos não estavam sendo pagos e isso estava comprometendo a situação do banco. Pressionado, ele confessou que o banco fechou o primeiro semestre com prejuízo de cerca de R$ 60 milhões e que o Banco Central estava pedindo para elevar os provisionamentos.
A informação era para ser mantida fechada, mas vazou para um site de notícias que publicou a informação sobre o prejuízo sugerindo que o banco poderia ser o próximo na lista de intervenções do Banco Central. Era tudo o que o BVA não precisava, isso desencadeou ainda mais dificuldades na captação e também nas negociações que Lodo vinha fazendo no sentido de buscar recursos para aumentar o capital do banco. Alguns possíveis interessados, como o principal cliente do banco, o empresário Carlos Alberto de Oliveira Andrade, dono das concessionárias de automóveis CAOA, se retraíram. A solução seria um aporte do Fundo Garantidor de Crédito, e Lodo ainda estava negociando com o FGC quando recebeu a notícia da intervenção, numa sexta-feira pela manhã.
“Não esperava enfrentar uma intervenção naquele momento”, disse Lodo, respondendo a um email enviado a ele pela redação de Investidor Institucional. Segundo ele, a desaceleração da economia brasileira foi um dos fatores centrais para o aumento da inadimplência nas carteiras do banco e que resultaram na insuficiência de recursos do banco. “A retração da atividade econômica no primeiro semestre afetou diretamente os principais clientes do banco. Além disso, os boatos veiculados durante o mês de agosto fizeram com que o nível dos depósitos caísse drasticamente até o dia da intervenção”, conta Lodo.
Segundo ele, a retração da economia afetou sobretudo o segmento de empresas médias (middle corporate), o principal nicho de atuação do BVA.
Não se sabe exatamente qual o tamanho do rombo. As especulações apontam desde R$ 550 milhões até R$ 1,2 bilhão, mas Lodo garante que não passam de R$ 600 milhões a R$ 700 milhões. Os valores exatos só devem ser especificados mais à frente pelo interventor designado pelo Banco Central, Eduardo Bianchini, após levantamento mais minucioso. Procurado pela redação de Investidor Institucional, Bianchini não retornou aos pedidos de entrevista.
“Não dá pra justificar uma situação de aumento tão acentuado e rápido da inadimplência das empresas de middle apenas pelas dificuldades na economia”, diz Luís Miguel Santacreu, analista senior de instituições financeiras da Austin Rating.
O analista lembra que a Austin rebaixou a classificação da nota do banco duas vezes antes da intervenção, a primeira vez em agosto e a segunda em setembro. Já o terceiro rebaixamento veio em outubro, logo após a intervenção. E que também houve o rebaixamento da nota dos FIDCs do banco, ocorrida no dia 11 de outubro, já às vésperas da intervenção do Banco Central.
FIDCs – Basicamente, são três os Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCs) que trazem maior apreensão aos institucionais: FIDC BVA Master I, II e III. Segundo informações da Previc, os fundos de pensão possuíam R$ 194,66 milhões aplicados nos três ao final do primeiro semestre de 2012. Por se tratar de fundos com prazos de carência mais alongados, os montantes não devem ter sofrido grandes alterações nos quatro meses que decorreram até a intervenção no banco.
A história desses fundos tem algo a ver com a propaganda daquela famosa marca de biscoitos, que não sabe se vende mais porque é mais fresquinho ou se é mais fresquinho porque vende mais. Assim também aconteceu com o banco, que a partir de um determinado momento não sabia mais se os problemas cresciam por causa da inadimplência ou se a inadimplência é que crescia por causa dos problemas. O fato é que a redução do nível de pagamento das dívidas corporativas foi afetando o equilíbrio dos FIDCs. O fundo BVA Master II, por exemplo, viu a taxa de inadimplentes saltar de 2,8% em 30 de junho para 11,6% em 5 de outubro.
Uma outra hipótese que também está sendo investigada pelo Banco Central, além da falta de pagamentos dos credores, é a irregularidade nos repasses dos pagamentos dos credores por parte do BVA para os FIDCs. Para o analista da Austin, Luis Miguel Santacreu, é possível que com a dificuldade de conseguir recursos no mercado o banco tenha deixado de repassar parte dos pagamentos dos recebíveis aos FIDCs que administrava. “Mas isso precisa ser ainda confirmado pelo Banco Central”, afirmou.
Na prática, os administradores desses FIDCs, que são o Citi e a BRL, estão levantando o tamanho dos desequilíbrios. Eles estão levantando os contratos com os credores e a situação de pagamento de cada um. “Estão averiguando se foram realizados os pagamentos e para onde foram os recursos”, explica Santacreu. Em todo caso, o analista acredita que os fundos possuíam uma estrutura sólida de cotas subordinadas, que podem assimilar, ou pelo menos amenizar, as perdas dos investidores caso não se encontre uma saída negociada para o BVA – venda para outra instituição. Neste caso, o banco entraria em liquidação, e em caso de prejuízos causados por possíveis fraudes, os cotistas teriam que entrar na fila de credores para reaver os recursos investidos.
Outras consultorias de mercado ouvidas por Investidor Institucional apresentam dúvidas quanto à estruturação de tais FIDCs. A Plena Consultoria de Investimentos, por exemplo, avalia que os FIDCs do BVA não possuem cotas subordinadas suficientes para assimilar as perdas decorrentes do aumento da inadimplência. Para os analistas da consultoria, o desfecho para os FIDCs do BVA pode ser mais problemático que os fundos da mesma modalidade do Cruzeiro do Sul.
Por outro lado, para os investidores que possuem DPGEs – Depósitos a Prazo com Garantias Especiais – a situação é mais tranquila. Os fundos de pensão possuem R$ 201,22 milhões em DPGEs do BVA. O Fundo Garantidor de Crédito cobre até R$ 70 milhões desses papéis para cada investidor, o que deve ser suficiente para ressarcir as fundações, sempre em caso de liquidação do BVA.
Também traz preocupação os fundos de investimentos, tais como o FIP Patriarca e outros produtos com alta concentração em títulos do BVA voltados para RPPS (ver matéria). O Patriarca contava com R$ 136,10 milhões de recursos de pelo menos quatro fundos de pensão (Serpros, Fipecq, Infraprev e Refer).