Período de experiência | Sócia da Senior Solution, Stratus destac...

GONÇALVES: respeitando as etapasEdição 237

 

Ao contrário do que muita gente pensa, o mercado de capitais não é visto necessariamente como uma porta de saída para quem investe em participações em empresas fechadas. No caso de companhias de médio porte que têm fundos de private equity como sócios, é até recomendável que o fundo acompanhe a empresa pelo menos no início de seu relacionamento com o mercado. A opinião é de Álvaro Gonçalves, sócio-diretor do Grupo Stratus. “Quem preparou a empresa para o mercado precisa exercitar um pouco essa relação para depois fazer sua saída”, diz o executivo, que acaba de passar pela experiência de ver uma empresa do portfólio da Stratus ser listada no Bovespa Mais.

Gonçalves comenta que, dos 11 IPOs (ofertas públicas iniciais de ações, pela sigla em inglês) realizados no Brasil no ano passado, nove foram feitos por empresas investidas por private equity. Segundo o executivo, na maior parte das operações os fundos usaram a emissão de ações para vender suas posições. “Não vejo isso como um procedimento adequado para o mercado brasileiro de empresas médias”, aponta. Para ele, o correto seria o fundo de private equity primeiro preparar a empresa para dar esse passo e depois somente listar a companhia, convivendo com ela listada sem fazer oferta durante algum tempo, de forma que a empresa se torne conhecida sem enfrentar o desafio e a pressão de ter de ser precificada. Após um período de relacionamento com o mercado, inclusive com a publicação de resultados, a empresa então inicia um movimento de oferta preferencialmente para executar a continuidade do seu negócio, mas a saída dos sócios antigos não é uma questão prioritária, e sim um processo gradativo.

“Os grandes fundos de private equity que atuam com buy-outs compram participação nas empresas, as alavancam, chamam o mercado de capitais e vendem a posição. Não tem nada de errado nisso, e é até um procedimento razoável para empresas muito grandes e posições muito líquidas. Mas o mercado médio não é assim: a empresa abre capital e o fundo continua nela. O private equity se torna parceiro da empresa na convivência com o mercado”, reforça Gonçalves.

Nova convenção – Investida pela Stratus, a Senior Solution é um exemplo perfeito de empresa ligada a private equity que está cumprindo etapas até chegar ao IPO. Isto porque a listagem da empresa, no início de maio, no segmento de acesso à BM&FBovespa, aconteceu sem a realização de uma oferta de ações. Para Gonçalves, a Senior Solution está quebrando antigas convenções e criando uma nova. “Primeiro listar a companhia e depois fazer uma oferta de ações em que o private equity não vende sua posição, para após um tempo o fundo sair aos poucos da empresa sem deixá-la em uma situação de despreparo e sem trazer uma discussão sobre precificação antes de a companhia ser conhecida: essa é uma nova convenção. Quero que outras empresas do nosso portfólio façam esse caminho, mesmo porque as companhias em que nós investimos têm um viés de abrir o capital e ponto final. Mas além disso, o que eu posso dizer com certo grau de convicção é que a ponte entre as empresas médias brasileiras e a liquidez do mercado de capitais brasileiro está oficialmente aberta. Isso é o que a listagem da Senior Solution representa”, acredita o executivo.

No dia de estreia da Senior Solution como empresa listada no Bovespa Mais, Edemir Pinto, presidente da BM&FBovespa, afirmou que a adesão da companhia ao segmento “representa uma importante conquista para o mercado brasileiro de ações”. “Significa que estamos começando, de fato, a romper as barreiras para a chegada de novas empresas que desejam iniciar sua exposição ao mercado de forma gradual”, disse, em comunicado, o presidente da Bolsa.

 

Álvaro Gonçalves define que uma empresa típica do Bovespa Mais é de alto crescimento e grande mobilidade, além de um modelo de negócio mais recente, o que ao mesmo tempo a torna não tão conhecida. Por isso, é válido que a companhia passe por um período de experiência, durante o qual o mercado conhecerá melhor o seu negócio, analisará os resultados e estudará o histórico. “Esse período de experiência requer uma concentração societária. Se a empresa se distrair com uma mudança em sua estrutura, pode acabar se prejudicando. É uma questão simplesmente de não mudar tudo ao mesmo tempo, mas sim de ser gradativo para assegurar que as coisas acontecerão na forma mais transparente e sustentável possível”, reforça o executivo.

Ele conta que há países em que existe ainda uma etapa intermediária entre a listagem e o IPO. Trata-se de uma espécie de oferta de ações restrita, da qual um número bastante limitado de investidores pode participar. “Em mercados como o dos Estados Unidos, da Inglaterra e de Israel, é possível que a primeira oferta de ações de uma empresa, mesmo que seja feita junto com a listagem, tenha características de um private placement. É uma colocação privada, porém estruturada de acordo com as formalidades do mercado. E não existe a expectativa de liquidez no dia seguinte”, detalha.

Mais IPOs – Gonçalves ilustra o Brasil corporativo como um oceano de empresas não auditadas de capital fechado. “Muita gente ainda pode ganhar muito dinheiro com a ponte de acesso entre esse oceano e o mercado de capitais”, avisa o executivo, ao se dizer frustrado por constatar que a empresa típica brasileira não está no mercado de capitais.

Ele cita que o mercado brasileiro tem alguns paradigmas, sendo muitos deles não justificados ou explicados. “Por exemplo: não se pode fazer uma oferta de menos de R$ 500 milhões. Ou: como é possível fazer listagem sem oferta?”, cita Gonçalves, acrescentando que acredita que o mercado está pronto para quebrar esses paradigmas.

O executivo lembra que o Brasil registrou no ano passado o maior valor médio de IPOs no mundo (veja mais no gráfico), mas tem a menor quantidade de empresas listadas das 20 maiores bolsas do globo. “Algo entre 15 mil e 30 mil empresas brasileiras podiam fazer IPO. Se 10% delas fizerem, são três mil companhias, mas nós temos menos de 400 listadas. O Brasil é a sexta economia do mundo, em alguns meses deve se tornar a quinta. A Índia é a décima, mas tem quase 20 vezes mais companhias abertas do que o Brasil”, compara ele.

Gonçalves aponta que é preciso transformar a Bovespa em um espelho da economia brasileira – que é bastante diversificada e dinâmica –, com uma representação proporcional dos seus setores e do porte de suas companhias. “Quando isso acontecer, nós estaremos falando de um Índice Bovespa de 150 mil pontos, porque existe uma relação entre as duas coisas. O número mágico que tem que ser perseguido em algum momento entre 2015 e 2020 é o Ibovespa de 150 mil pontos com mil empresas listadas na Bolsa. Eu acredito que tudo está desenhado para isso acontecer, especialmente com a queda da taxa de juros de uma forma sustentada, que não tem volta”, estima o executivo, que calcula que, das mil empresas listadas, pelo menos um terço seria de middle market.

Etapas – O sócio da Stratus afirma que o caminho até o IPO (ou até onde a empresa quer chegar, como a listagem na Bolsa de Nova York, por exemplo) tem várias etapas, que podem ou não ser cumpridas de acordo com algumas condições. Ele cita que existem os degraus da preparação; da listagem sem oferta; da oferta primária; de algumas ofertas secundárias; e de migração para o Novo Mercado.

“Cada empresa tem que escolher o seu caminho de acordo com seu setor de atuação, sua capacidade de se comunicar com o mercado, o seu histórico de resultados e sua penetração junto ao mercado acionário. Não existe mal nenhum em eliminar etapas, mas é preciso analisar o que faz mais sentido para companhia. E o problema é exigir que as empresas ultrapassem fases sem estar preparadas para isso. Cada degrau tem que ser pulado com consciência”, aconselha Gonçalves.