Perdendo as cabeças | Prêmios menores e falta de perspectiva prov...

Edição 278

 

Desde o final do ano passado e início de 2016, algumas das maiores assets do país perderam seus principais gestores. Márcio Appel (J. Safra), Gustavo Murgel (Itaú), Carlos Takahashi (BB DTVM), Bruno Stein (BlackRock), e Marcelo Kayath (Credit Suisse) deixaram suas posições em um período não superior a quatro meses de diferença. Ainda que por razões e motivações diferentes, a saída de tantos heads de assets quase ao mesmo tempo tem a ver com uma nova realidade da indústria de assets, que tem menos condições de pagar altos prêmios e oferecer perspectivas de crescimento para profissionais de primeira linha.
Conversando com consultores e com alguns dos próprios executivos, as razões da debandada dos executivos está relacionada com a queda na remuneração devido à mudança do perfil dos produtos e estratégias de investimentos. “Existe uma insatisfação com os resultados dos investimentos, tanto por parte das assets quando dos gestores”, diz Everaldo Guedes, da consultoria PPS. Não é apenas a queda nas receitas das assets que está levando às saídas dos executivos, mas também a insatisfação gerada pela queda nos bônus que no passado já foram muito mais gordos. “Em um mercado em crise, é inevitável que os bônus estejam em queda livre”, explica Everaldo Guedes, sócio-consultor da PPS Investimentos.
O consultor Lauro Araújo reforça a explicação. “Acredito que está relacionado com a redução das aplicações em renda variável e estratégias diferenciadas, que geram menos receitas e, principalmente, afeta a remuneração dos executivos”, diz Lauro Araújo. Com a queda de captação para produtos mais sofisticados gerado pela queda na rentabilidade de fundos de renda variável e multimercados, os bônus dos gestores estão desabando.
A mudança no perfil dos produtos do mercado gera consequências para a manutenção dos altos executivos de assets. Se antes o espaço para fundos mais diversificados com gestão mais ativa era muito maior, agora os produtos estão cada vez mais simples, concentrados em títulos públicos e um pouco em crédito privado.
O consultor explica que os investidores pessoas física migraram grande parte das aplicações para produtos isentos, como Tesouro Direto ou LCIs e LCAs (Letras de Crédito Imobiliário e Agrícola). Já os fundos de pensão realizaram um forte processo de redução das carteiras de renda variável desde 2014 e acentuaram tal movimento no ano passado.
Um dos nichos que ainda sobrevive é o de crédito privado, que se beneficia da abertura das taxas de juros da economia. “Alguns gestores ainda conseguem se destacar no crédito privado, mas estão em número cada vez menor”, diz Guedes.

Repensar a indústria – Um executivo que deixou uma asset importante tem uma visão que reforça a ideia da falta de perspectiva para os gestores de primeira linha. Marcelo Giufrida deixou o BNP Paribas em 2013 para montar uma empresa independente, a Garde Asset Management naquele ano. “Não acho que é apenas as quedas nas receitas que explica as mudanças. Acho que tem mais a ver com a frustração dos gestores”, diz Giufrida. Com a ressalva que os casos citados devem ter motivações bem diferentes, o gestor da Garde explica que a evolução do mercado tem colocado em xeque o papel das assets, pois os investimentos mais arriscados estão rendendo menos.
“Com a concentração de aplicações em CDI e título público, as assets e os gestores se perguntam o que podem oferecer de diferente para os clientes”, questiona Giufrida. É neste contexto que surge um sentimento de frustração dos gestores enquanto profissionais. E esse sentimento está ligado também com a falta de perspectiva para a economia do país.
Com isso, os bons profissionais e gestores diferenciados acabaram perdendo a motivação para continuar a frente de assets de grande porte.

Novas assets – Difícil imaginar a continuidade da tendência de alguns anos atrás de multiplicação do número de assets independentes. O mercado parece não comportar um grande número de concorrentes, a maioria que depende de nichos específicos de renda variável, multimercados ou estruturados. Porém, alguns gestores de renome ainda têm coragem e apostam na capacidade de construir um caminho próprio.
É o que deve fazer Márcio Appel que, segundo fontes do mercado, prepara o lançamento de uma nova asset. “O Appel é um dos casos de gestor que ficou maior que a instituição onde atuava”, diz uma fonte que pediu para não ser identificada. Responsável por estratégias vencedoras como a do fundo multimercado macro Galileo, Appel conquistou o reconhecimento do mercado como um gestor diferenciado.
“Foi uma surpresa a saída do Appel do Safra. Temos algumas notícias que ele prepara o lançamento de uma nova asset”, diz Lauro Araújo, da LAS Consultoria. Procurado pela reportagem de Investidor Institucional, o gestor não confirmou a informação até o fechamento da edição.
Se concretizado o projeto de uma nova asset, o caso de Márcio Appel pode ser comparado, pelo menos parcialmente, com o de Luis Stuhlberger, que deixou o Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG) para montar a Verde Asset Management. O principal sócio controlador da Verde conseguiu o reconhecimento do mercado com a gestão bem-sucedida do fundo de mesmo nome. Diga-se de passagem que outro gestor de primeira linha, Marcelo Kayath, deixou o Credit Suisse no início de 2016. O gestor era o responsável pela área de renda variável no banco.
A criação de uma asset própria pode ser a motivação que falta para profissionais dos portes de Stuhlberger e Appel, cuja atuação era maior que as assets onde estavam. Já outros profissionais podem buscar novas colocações em outras assets, como é o caso de Bruno Stein, que deixou a BlackRock no final do ano passado. A saída do executivo chama a atenção dos consultores e investidores, que questionam se a estratégia comercial de fundos no exterior da asset estaria mudando.
Stein não comenta a possível mudança de estratégia da BlackRock, mas afirma que sua saída decorre da vontade de buscar novos desafios para sua carreira. Com uma trajetória iniciada na década de 90 no Dresdner, que pertencia ao grupo Alliance, e consolidada no Unibanco e posteriormente no Itaú, Stein pretende continuar atuando no setor de assets com o foco em institucionais.

Aposentadoria? – Diferente de Appel e Stein, a saída de Carlos Takahashi do comando da BB DTVM causou menor surpresa para o mercado. A asset do Banco do Brasil não costuma manter o mesmo presidente por muito tempo. Com o executivo ocorreu uma exceção, pois ele permaneceu seis anos como presidente da asset. “Acho que fui o presidente mais longevo da BB DTVM”, diz Takahashi. Sua saída coincidiu com o pedido de aposentadoria. Ele construiu uma carreira de 40 anos no Banco do Brasil e já reunia as condições para a aposentadoria. Mas engana-se quem pensa que o executivo vai se afastar da indústria de assets para descansar. Durante o período de quarentena, Takahashi continua bem ativo como membro do conselho do Banco Votorantim. “Conversei com a direção do BB e eles me pediram para atuar junto ao conselho do Banco Votorantim, com o papel de um conselheiro mais ativista”, diz o executivo. Os planos de Takahashi, porém, não páram por aí. Ele pretende voltar para o mercado de assets, aproveitando sua experiência junto aos institucionais. “Estou olhando para novos projetos, principalmente de instituições que estão em processo de reestruturação. Há projetos muito interessantes que podem representar novos desafios em minha carreira”, diz Takahashi.

Itaú – Outra mudança importante no mercado foi a saída de Gustavo Murgel, que foi o head da asset entre 2012 e 2015. A saída do executivo também não gerou grande surpresa para os consultores, pois o Itaú tem realizado uma série de mudanças no comando da gestora. Aliás, toda a área de gestão de recursos e serviços financeiros trocou de comando no ano passado, com a saída de Alfredo Setúbal rumo à Itausa – holding do grupo. Com isso, as áreas de asset, private e serviços financeiros foram agrupadas em uma nova área denominada WMS, que ficou no guarda-chuva da nova diretoria geral de atacado (DGA), comandada por Cândido Bracher. A área de WMS (Wealth Management Services) ficou sob o comando de Flávio Souza.Gustavo Murgel chegou a ser confirmado como CEO da asset na nova estrutura, mas durou poucos meses. No final do ano, o Itaú comunicou sua saída, para dar lugar a uma nova estrutura com dois co-heads, Marcelo Siniscalchi e Fernando Beyruti.

Bradesco – Não se pode dizer que a mudança na Bradesco Asset Management entra na mesma tendência de mudança de comando de outras importantes assets do mercado. A saída de Joaquim Levy, no final de 2014, foi um fato gerado por uma motivação maior, quando ele foi chamado para se tornar Ministro da Fazenda do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Um fato, porém, que chama a atenção, é que não houve uma contratação de outro executivo do mercado para substituí-lo. Reinaldo Le Grazie que assumiu o comando da Bram no lugar de Levy é um reconhecido executivo, porém, com um perfil notadamente de gestor de renda fixa. Com a compra do HSBC surge a expectativa de como será realizada a incorporação das assets e quem comandará todo esse processo.