Edição 277
Diante do quadro de ajuste fiscal que o país atravessa, os governos, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, têm buscado formas de aumentar suas receitas, o que tem gerado oportunidades de investimento para os investidores institucionais. Um exemplo recente foi a saída encontrada pelo Estado do Rio de Janeiro de vender a carteira de um fundo de crédito de empresas Triple A, arrematada em leilão pelo Bank of America Merrill Lynch por R$ 1,06 bilhão. Já em São Paulo a opção foi pela formatação de um fundo de participações em infraestrutura de R$ 1 bilhão, que vai financiar projetos nos municípios paulistas, e que deve contar com aportes de recursos dos institutos de previdência do Estado.
“Parte importante das receitas do Estado do Rio de Janeiro é proveniente da indústria de óleo e gás, e com a queda no preço do petróleo, e os problemas envolvendo a Petrobras e a cadeia produtiva em dificuldade, a arrecadação caiu muito. Chegou um momento em que o governo teve de buscar receitas extraordinárias, e a forma que encontrou foi vender a carteira de empréstimo de grandes empresas que se instalaram na região”, afirma Marco Geovanne Tobias da Silva, responsável pelas operações do BofA no Brasil. “Existem oportunidades em ativos que em outros momentos não seriam colocados à venda. O Brasil passa por um momento de ajuste profundo e vemos muitas oportunidades por já atuarmos no país há muito tempo”, comenta Geovanne.
A valor presente, a carteira com crédito de empresas como Ambev, Peugeot, Brasil Kirim e Braskem, que depositaram os valores no Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social (Fundes), de acordo com os benefícios concedidos pelo governo, soma R$ 2 bilhões. No entanto, diante da necessidade, o ente público se viu obrigado a vender o ativo praticamente pela metade do valor, que foi o preço mínimo de reserva estipulado em um leilão no qual o banco americano foi o único participante. Embora os recursos não sejam suficientes para erradicar a atual crise fiscal do Rio de Janeiro, a secretaria da fazenda informou que a operação trouxe um “importante fôlego para as finanças do Estado, provocada pela desaceleração da economia brasileira, a queda nos preços do petróleo e a crise no setor de óleo e gás”. Parte dos recursos foi destinada para pagar o décimo-terceiro salário dos servidores ativos e inativos. O regime próprio do estado do Rio de Janeiro ainda tinha uma insuficiência de caixa de R$ 1,9 bilhão para fechar as contas com pagamentos de benefícios em 2015. Com o leilão da carteira do Fundes, a insuficiência deve ser reduzida parcialmente.
A maior parte dos recursos utilizados pelo BofA neste tipo de aquisição são provenientes de mandatos de investidores estrangeiros, sobretudo do mercado americano. São fundos de pensão, family offices, hedge funds e outros tipos de investidores que contratam o banco para alocar recursos no mercado brasileiro.
Rio Grande do Sul – Uma semana antes da compra da carteira de crédito do Rio de Janeiro, o BofA também foi o único banco que participou de um outro leilão em moldes semelhantes, promovido pelo Rio Grande do Sul, mas que terminou sem acordo. O Estado gaúcho, que deve encerrar 2015 com um déficit superior aos R$ 5 bilhões, colocou à venda uma carteira de recebíveis de R$ 1 bilhão concedidos por programas de incentivo para que as empresas se instalassem no porto de Gravataí.
Nesse caso, a duration dos ativos girava em torno dos oito anos, o que resultava em um deságio maior em relação à compra do Fundes, em que o prazo da carteira era de aproximadamente cinco anos. “Três anos fazem bastante diferença”, pondera Andre Suguita, diretor executivo do BofA para operações de créditos de baixa liquidez na América Latina.
A outra diferença entre as operações foi que o governo gaúcho optou por informar o valor de reserva mínimo durante o leilão, que foi superior ao proposto pelo banco. “O governo do Rio de Janeiro divulgou o preço mínimo antes do leilão, o que nos permitiu fazer a matemática necessária para avaliar o risco dos créditos e a taxa de retorno”, acrescenta o especialista. O gestor não descarta vender a carteira no mercado secundário antes de seu vencimento, mas ressalta que vai depender de condições favoráveis no momento. “É uma questão de oportunidade de mercado. Elas vão existir, mas não devemos vender no curto ou médio prazo”.
Infrapaulista – No governo paulista, a forma encontrada para enfrentar o corte orçamentário foi por meio de uma parceria com a iniciativa privada e o mercado de capitais através do Infrapaulista, FIP de infraestrutura voltado para projetos em municípios do Estado que deve levantar R$ 1 bilhão, tendo os regimes próprios de previdência (RPPS) de São Paulo como investidores alvo. “O Infrapaulista é resultado da necessidade crescente de recursos nos municípios para fazer investimentos em infraestrutura, e da escassez de verbas orçamentárias para sustentar programas dessa natureza”, diz Milton Luiz de Melo Santos, presidente da Desenvolve SP, agência de fomento do governo paulista que idealizou o programa.
Em função da situação econômica, explica Santos, os recursos públicos não têm conseguido atender boa parte dos investimentos planejados, com o custeio do Estado e municípios consumindo praticamente a totalidade das verbas. “Os municípios contribuem mensalmente para os institutos de previdência, e boa parte não tem retorno para o bem estar da própria população porque o dinheiro é usado para financiar a dívida pública federal. Criamos um fundo de infraestrutura para os municípios, sendo que um dos possíveis aplicadores são os próprios RPPS deles”.
A Resolução nº 3.922, lembra o presidente da Desenvolve SP, autoriza que os institutos apliquem 5% do patrimônio em FIPs. Pelas contas da agência, os institutos de previdência paulistas somam um patrimônio total de aproximadamente R$ 20 bilhões. “Na hipótese de todos aportarem o que está na regra, que é até 5% em FIPs, o Infrapaulista já teria a captação prevista de R$ 1 bilhão”, pondera o especialista.
Ele ressalta que o fundo estará aberto para outros investidores qualificados, como fundos de pensão, e mesmo o fundo de investimento do FGTS. “O que nos moveu a montar o fundo foram os projetos dos municípios que podem ser transferidos para a iniciativa privada mediante uma PPP ou concessão. Esperamos que o investidor tenha interesse em alocar recursos em projetos que possam remunerar seu capital adequadamente, e o fundo vai financiar a empresa que vencer a licitação”.
Um exemplo citado por Santos de um projeto elegível para o fundo é na área de iluminação pública. “Muitas cidades precisam trocar a iluminação convencional pela de LED, que necessita de um investimento expressivo. O município pode fazer o edital de licitação de concessão para o setor privado explorar por 30 anos esse serviço, e a empresa vencedora vai fazer o investimento captando recursos junto ao Infrapaulista”. A coleta e tratamento adequado do lixo e resíduos sólidos também foi citado como um projeto passível de financiamento.
Como a legislação impede que agências de fomento atuem como gestores de fundos de investimento, a Desenvolve SP irá atuar como adviser, levando os projetos pré-selecionados para um aval final do gestor, que teve o Brasil Plural selecionado após edital público. “Poucas instituições participaram do processo de seleção, talvez por ser uma estrutura que ainda é pouco utilizada”, pontua o presidente da agência, que cumpre agora uma agenda de visitas aos municípios do Estado, tanto para explicar aos RPPS paulistas sobre o veículo, como para ouvir propostas elaboradas pelas prefeituras de projetos para o fundo.