O novo figurino da Caixa | Acostumados a olhar a instituição apen...

Edição 141

Muita gente do mercado de capitais tem se perguntado, nos últimos meses, o que está acontecendo com a Caixa. Tradicionalmente voltada ao atendimento das políticas sociais do governo e à manutenção das monótonas contas da caderneta de poupança, a instituição tem surpreendido nos últimos tempos com uma postura mais agressiva na área de gestão de recursos de terceiros, tanto no que se refere ao lançamento de produtos e na disputa pelo mercado quanto institucionalmente, participando dos grandes debates do sistema.
O logotipo azul da Caixa, com seu característico X dobrado estampado nas cores laranja e azul, tem freqüentado com uma assiduidade cada vez maior as reuniões do mercado de capitais e os eventos voltados aos investidores qualificados. Tem também participado ativamente de um número crescente de comissões técnicas da Anbid e cutucado a CVM com inusitados requerimentos de mudança de normas de fundos.
O mais recente questionamento da Caixa à CVM se deu em favor do seu fundo de recebíveis imobiliários, criado dentro do conceito do Programa de Incentivo à Implementação de Projetos Sociais (PIPS), assinado pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva em junho passado. Esse fundo, direcionado a construir projetos habitacionais com fins sociais, pelas normas da Anbid só poderia ser vendido aos investidores qualificados, com aplicações mínimas de R$ 250 mil. A Caixa pleiteou a colocação desse fundo junto aos investidores de varejo, com tíquete de apenas R$ 100. Não chegou lá, mas conseguiu um tíquete de R$ 3 mil para o novo fundo, que começou a ser vendido no mês passado aos institucionais e chega ao varejo no fim de dezembro.
“Estamos realmente surpreendendo muita gente”, admite o vice-presidente da área de gestão de recursos de terceiros da Caixa, Wilson Risolia, que entre várias idas e vindas encontra-se na Caixa desde 1983. “Sempre estivemos entre os cinco maiores gestores de recursos de terceiros do país, mas agora estamos começando a ter uma atuação mais voltada para fora, mais compatível com o nosso tamanho e a nossa importância”, diz ele.
A mudança, embora já venha de anos anteriores, aprofundou-se a partir do ano passado, logo após o episódio da marcação a mercado dos fundos de investimento. A Caixa, carregada de títulos públicos federais, viu o valor de suas cotas despencar em poucos dias e os investidores despejarem milhares de ordens de resgates sobre as mesas dos gerentes das agências todos os dias. Na área de gestão de recursos, a luta era convencer os gerentes das agências a pedir para os clientes não sacarem, com o argumento de que as cotas se recuperariam.
Bem, na maioria das vezes a missão foi impossível de ser cumprida. Os clientes, desesperados, optaram pela rota de fuga. Em pouco tempo a área de gestão perdeu nada menos do que 4,5% do seu patrimônio líquido, e o pior de tudo é que as perdas vieram principalmente dos fundos de varejo, justamente aqueles que tinham as melhores taxas de administração. Porém, passado o vendaval, a Caixa conseguiu recuperar as perdas e fechar 2002 com um patrimônio líquido de R$ 59,5 bilhões, praticamente o mesmo nível de antes da marcação.

Diversificar – A lição a tirar do episódio foi que a Caixa precisaria se abrir mais ao mercado, acompanhando um pouco mais as suas necessidades e preferências. Em primeiro lugar, precisaria deixar de concentrar tanto em títulos públicos federais, diversificando seus fundos e suas aplicações. E isso teria que ser feito rapidamente, para não perder espaço para a concorrência. Essa adequação do portfólio de fundos da caixa tem sido encarado como uma obsessão por Risolia, que comandou a estruturação e o lançamento de quase uma dezena de novos fundos nos últimos tempos, entre eles um fundo de dividendos, um de títulos privados e um com ações da Vale do Rio Doce, além do já mencionado fundo de recebíveis imobiliários e de um FAC com maior risco de crédito e outro FAC de FIF com um tíquete maior, de R$ 100 mil. Já são 23 fundos de rede e 30 fundos exclusivos, contabiliza Risolia.
Na boca do forno estão um fundo cambial e um fundo de Petrobras 50 Anos, a ser criado a partir das debêntures conversíveis da estatal do petróleo, provavelmente para o início de 2004. Um hedge fund também está nos planos, mas a decisão final ainda não foi tomada.
“Precisamos ter toda a família de fundos que o mercado quer”, diz Risolia. Ele sabe que, sem isso, será difícil convencer a equipe a se empenhar na venda dos produtos da Caixa, assim como segurar os clientes, principalmente porque a concorrência oferece a gama completa de produtos. “Nossa meta é ter todo tipo de fundo na prateleira, ou próprio ou através de parcerias”, diz.
Além disso, a Caixa também passou a concentrar mais atenção no trabalho de equipe. A área de recursos de terceiros passou por uma remodelação completa, que incluiu desde alterações no ambiente físico até a estrutura de formação dos quadros. Os locais de trabalho, antes fechados, passaram a ser mais abertos e a ter menos paredes. Áreas envidraçadas substituíram grande parte das paredes existentes e os ambientes amplos tomaram o lugar das salas individualizadas. A idéia era permitir uma integração maior entre os funcionários, resultando em mais troca de idéias e de experiências. Apenas a área de risco continuou segregada.
Para facilitar a troca de conhecimentos e permitir que cada funcionário aprenda com a experiência do outro, as reuniões dos comitês passaram a ser conjuntas e a integrar várias equipes. Além disso, realocaram-se algumas pessoas e ampliou-se o treinamento daquelas que ficaram, iniciando-se paralelamente um processo de seleção para trazer gente nova. A busca de novos quadros começou a levar em conta a formação acadêmica dos interessados, sendo que hoje só são absorvidos quadros de nível superior. Dos 60 funcionários atuais da área de gestão de recursos de terceiros, 42% possuem MBA, 45% tem o terceiro grau completo e 13% são os novos contratados que estão se formando. Do total, quase 50% já possuem a certificação da Anbid.
Ranking de fundos – O resultado começou a ser sentido no desempenho dos produtos da Caixa. Seus fundos, que nunca tinham sido destaque, começaram a ser apresentados pela mídia especializada como os melhores em várias categorias. A revista Investidor Individual, ao levantar os melhores fundos de previdência aberta com base em levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas, destacou os fundos da Caixa. O ranking da Gazeta Mercantil, dos melhores fundos, também costuma indicar vários fundos da Caixa. “Passamos a incomodar”, diz Risolia.
Ele garante que as mudanças, que começaram a ser tomadas logo após a crise da marcação a mercado de 2002, também resultaram numa melhoria da margem de contribuição por funcionário. Hoje, ela é de R$ 737 mil mensais, por funcionário. Embora não possua os indicadores antigos para comparar, o vice-presidente explica que essa relação (que representa a receita da asset, deduzida dos seus custos e dividida pelo número de funcionários) era bem menor no passado.
Na área de varejo também foi iniciado um programa de treinamento com os gerentes que participam diretamente do corpo a corpo com os clientes de fundos, para dar maior segurança à eles na hora de vender os produtos. Uma pesquisa realizada recentemente com esses gerentes mostrou que 34% deles consideram que o crescimento das captações dos fundos da Caixa se deve ao programa de treinamento, embora 55% acreditem que é conseqüência do cenário mais favorável.
O volume de recursos sob gestão fechou outubro passado em R$ 75,8 bilhões, contra os R$ 59,5 bilhões ao final de 2002, o que representa um crescimento de 27,3% em dez meses. Segundo Risolia, isso tem um significado especial pelo fato de a Caixa não ter a possibilidade de crescer por aquisições, como podem fazer outras assets, devendo aumentar seus volumes unicamente por captação.
Dos R$ 75,8 bilhões em outubro de 2003, os fundos de rede representam 22,3%, os FIF de FACs 18,8%, as carteiras sociais (FGTS, Fundo de Arrendamento etc) 47,7%, os fundos exclusivos 5%, as carteiras administradas 4% e os fundos de privatização o restante.

Governança – Com essas mudanças em curso, Risolia colocou em prática o plano de administrar a área como se fosse uma empresa privada, dotada de governança corporativa para com o acionista. Segundo Risolia, a área de gestão de recursos de terceiros comporta-se em relação à Caixa como se essa fosse uma controladora daquela. “Temos sempre à mão para oferecer à direção da Caixa os nossos resultados, market share, desempenho de produtos e as margens de rentabilidade”, explica. Para ampliar a transparência, a empresa Austin está fazendo o rating de toda a área da asset, devendo sair no início de 2004.
“Queremos estar com a área pronta para os novos desafios de 2004”, diz Risolia. “A entrada do nosso fundo de recebíveis em 2004 abre uma nova perspectiva para a Caixa. Esperamos colocar novos fundos de recebíveis no mercado a partir do ano que vem, quem sabe um a cada semestre, para vários projetos nos setores de infra-estrutura e para várias regiões”, diz ele.

Replicando fundo imobiliário para o BB
A caixa deve estruturar um fundo imobiliário para a BB DTVM, nos mesmos moldes do fundo que lançou no final do ano passado para o edifício Almirante Barroso, onde ficam duas agências suas e vários escritórios comerciais. O fundo da BB DTVM deverá securitizar imóveis em uso pelo próprio banco, explicou Risolia.
Segundo ele, o lançamento do fundo imobiliário do Almirante Barroso foi um sucesso. Além de permitir a desimobilização do edifício pela Caixa, o que facilitou o enquadramento da instituição no Acordo de Basiléia, a demanda pelas cotas foi intensa.
Pagando entre 11% e 12% ao ano antes do Imposto de Renda, as cotas do fundo tiveram ágio na compra. O fundo tem intenso movimento no pregão da Soma, tendo girado 30% das suas cotas no prazo de 1 ano. “Muitas empresas de capital aberto não tiveram esse giro”, diz Risolia.
Segundo ele, a BB DTVM escolheu a Caixa para fazer a securitização e a formatação do seu fundo imobiliário justamente por causa dessa experiência anterior.