Edição 238
Por mais que a queda da taxa de juros já fosse considerada uma tendência no Brasil, a celeri-dade e a intensidade dos cortes recentes na Selic pegaram o mercado de surpresa. Em nove meses, a taxa básica de juros caiu de 12,50% para 8,50% ao ano.
“A redução de juros que aconteceu principalmente nos últimos seis meses não foi muito antecipada. O próprio governo sinalizava que tinha interesse de buscar condições para a queda dos juros até o fim do mandato da Dilma, mas isso acabou acontecendo antes. Os juros menores já seriam um desafio para os institucionais se o processo fosse mais lento, porque todos estavam acostumados com taxas elevadas. O fato de a redução ter vindo de surpresa faz esse desafio ser ainda maior”, observa Marcelo Giufrida, presidente da BNP Paribas Asset Management.
“A taxa de juros vem seguindo uma trajetória de declínio desde que a economia brasileira se estabilizou e o País passou a conseguir, por meio de políticas econômicas, controlar a inflação e manter os pilares de responsabilidade fiscal e câmbio livre. Na última década, o Brasil teve crescimento sustentável. É claro que houve diferentes ciclos econômicos, com o crescimento vindo um pouco acima ou abaixo do potencial, e as políticas fiscal e monetária são adotadas conforme esses ciclos vão acontecendo. Mas o fato é que a taxa de juros vem caindo tanto do ponto de vista real quanto nominal. A novidade é que no período mais recente houve uma aceleração dessa queda”, endossa Gabriella Antici, CIO e Head da Goldman Sachs Asset Management Brasil (GSAM Brasil). Ela acrescenta que o Brasil é um país que tem uma inflação estruturalmente alta. Dado que a meta atuarial dos fundos de pensão é estabelecida em inflação mais uma taxa de juros (que hoje, em geral, varia em torno de 5% a 6% ao ano), atingir esse objetivo de rentabilidade com uma taxa de juros baixa é bastante desafiador.
Casamento –Roberto Cintra, gestor de renda fixa e moedas da GSAM Brasil, lembra que o primeiro passo a ser dado pelos fundos de pensão é casar a duration de ativos e passivos para neutralizar o risco do reinvestimento.
“É preciso identificar claramente esse passivo para casá-lo com os ativos disponíveis. Vamos imaginar que uma fundação vai começar a pagar aposentadorias e pensões daqui a 20 anos, mas a maioria dos seus investimentos tem prazo de quatro anos. Existe um risco aí, porque nós não sabemos em que patamar estarão as taxas de juros reais no Brasil quando esse prazo vencer”, alerta o gestor.
Pegando as NTN-Bs com vencimento em 2045 como referência, ele informa que o juro real pago por esses papéis estava próximo de 9% ao ano entre 2005 e 2006, atingiu 6% antes da crise de 2008, voltou a 7% e desde então vem caindo paulatinamente, estando entre 4,5% e 5% atualmente, mas já tendo chegado a 4%. “Só para comparar, o juro real de dez anos nos Estados Unidos está negativo. Lá, os investidores compram um título e recebem rendimento de inflação menos alguma taxa depois de dez anos. O juro só fica positivo para títulos com prazo perto de 20 anos”, observa. Cintra reforça que, ainda que o juro real já tenha recuado significativamente no Brasil, fazer o casamento entre passivo e ativo agora é necessário para reduzir a exposição das entidades ao risco de reinvestimento lá na frente.
“Obviamente, os fundos de pensão estão atentos a isso. Portanto, uma boa parte deles já fez esse trabalho e outra deve estar estudando algo nessa linha. Mas é importante ressaltar que um grande risco que eles correm é o do descasamento”, sublinha o gestor.
“Cumprida essa etapa da neutralização, vem a necessidade de diversificação. É preciso tomar mais risco para potencializar o retorno do portfólio além dos cerca de 4,5% pagos pelos títulos mais longos e perseguir a meta atuarial”, completa Cintra.
Segundo gestores ouvidos por Investidor Institucional, entre as alternativas para melhorar a capacidade de geração de alfa nas carteiras dos fundos de pensão estão os segmentos de crédito privado, ações, multimercados e fundos estruturados como os de private equity e os imobiliários, além do investimento no exterior (leia mais na página 24).
Crédito – Arturo Profili, diretor de renda fixa da Capitânia, comenta que a carência de funding de médio e longo prazo no Brasil de um lado e a busca por ativos que consigam fazer com que as entidades atinjam suas metas atuariais de outro resultarão em uma participação cada vez maior dos institucionais no mercado de crédito privado brasileiro. “O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e outros bancos de fomento não dipõem de recursos suficientes para financiar todos os projetos de investimento. Posso dizer com total segurança que nos próximos dez anos haverá uma demanda abundante por funding, por exemplo, na área de infraestrutura. Cada setor tem uma necessidade de capital muito relevante. Haverá muitas oportunidades de investimento em projetos saudáveis de médio e longo prazo nos próximos anos”, aponta o executivo.
Ele informa que a Capitânia conta hoje com mais de R$ 1 bilhão sob gestão, com a fatia preponderante desse montante alocada em ativos de renda fixa de médio de longo prazo. Os investidores institucionais respondem por cerca de um terço dos recursos sob os cuidados da gestora.
Gabriella Antici, da GSAM Brasil, acredita que deve aumentar a parte dedicada ao crédito privado nas carteiras dos fundos de pensão. “Essa classe de ativos já vem crescendo, mas deve ganhar ainda mais espaço nesse contexto de diversificação”, estima ela. Tanto é que a asset, que hoje tem mais de 50% dos ativos dos fundos locais alocados no segmento de ações, coloca o crédito como prioridade em sua estratégia de longo prazo de ser uma gestora completa no Brasil – até porque, diz Gabriella, outras classes como a de private equity e de fundos imobiliários ainda têm um histórico razoavelmente recente do Brasil e são mais ilíquidas.
“Preferimos priorizar o crédito porque já há um histórico para medição de risco e retorno. O único ponto é que nós gostaríamos de ter um mercado secundário mais líquido. Acreditamos que isso vai acontecer, mas está demorando mais do que o desejado”, opina. Ela afirma que, com o juro mais baixo e o mundo menos interessado em financiar as empresas brasileiras, as companhias tendem a olhar mais para o mercado interno como fonte de recursos.
“Costumamos dizer que a primeira revolução do mercado brasileiro foi a dos IPOs e a segunda será de dívida coporativa local. Para nós, as companhias nacionais vão se financiar cada vez mais localmente e o mercado secundário finalmente deverá deslanchar”, projeta Gabriella.
Ações–Assim como na renda fixa a tendência é fugir um pouco do tradicional, na renda variável o caminho percorrido por algumas fundações tem sido o de busca por fundos mais descorrelacionados de índices como Ibovespa e IBrX. “Dentro do segmento de ações, será aberto espaço para fundos cujo benchmark não seja o índice global da Bolsa, mas sim indicadores setoriais, e para produtos com retorno absoluto. São propostas de retorno não tão vinculado ao ciclo da Bolsa”, aponta Marcelo Giufrida, presidente da BNP Paribas Asset Management.
Gabriella Antici, da GSAM Brasil, concorda que os fundos de pensão, de uns anos para cá, vêm se interessando por produtos do tipo “best ideas”. Além disso, ela diz que as fundações estão exigindo cada vez mais que os seus gestores tomem risco. “Até porque, se olharmos historicamente, houve muito pouca atividade em mandatos Ibovespa Ativo ou IBrX Ativo de forma geral. Os fundos de pensão estão querendo uma atividade real mesmo nas alocações mais tradicionais, e não um mandato ativo que é quase passivo”, sublinha ela, ao destacar que, apesar de haver um interesse crescente por fundos desatrelados de benchmarks, produtos desse tipo ainda correspondem a uma pequena parte da alocação das entidades em renda variável.
Para a executiva, há espaço para aumento da exposição das fundações ao segmento de ações em geral. “Acredito que os fundos de pensão estejam pensando em aumentar a alocação em renda variável, mas esse é um processo gradual. Mesmo porque, a performance da Bolsa tem sido muito fraca. Há inúmeras razões para isso, ligadas às incertezas globais e às revisões de estimativas de resultado das empresas significativamente para baixo”, enumera. “Começamos o ano com uma expectativa de crescimento do lucro para as empresas do Ibovespa na casa dos 8% a 9%, e agora ela já está em 2%. E estávamos com algo entre 12% e 15% de expectativa há um ano”, detalha.
Gabriella ressalva, porém, que esse é o cenário de curto prazo. Ela diz que não há dúvida de que em algum momento essa incerteza global vai ser resolvida – para o bem ou para o mal. “Se a crise na Europa resultar em uma recessão global, teremos mais quedas na Bolsa. Se não, a incerteza diminuirá e à medida que a economia brasileira se recuperar nós veremos uma retomada também nas expectativas de resultado para as empresas”, aponta a executiva da GSAM Brasil.
Longo prazo –Marcelo Giufrida, da BNP Paribas Asset Management, resume que o curto prazo deve perder participação nos portfólios dos fundos de pensão, dando mais espaço para investimentos médios e longos.
“Os retornos dos investimentos de curto prazo são historicamente bastante altos, mas eu diria que essa foi uma longa exceção. Em geral, esses ativos não trazem resultados capazes de bater a meta atuarial”, analisa.
Ele diz que os investimentos de médio prazo, em que estão inseridos ativos de renda fixa e fundos multimercado, têm retorno melhor do que os de curto. “Nesse caso, são atribuídos risco de mercado ou de crédito aos investimentos”, aponta. No longo prazo, estão classes como as de ações e de private equity. “Nesse terceiro bloco, há risco de perda de principal em horizontes curtos, o que não costuma acontecer nos investimentos de médio prazo”, pondera.
Giufrida ressalta que hoje os investimentos de curto prazo respondem pela maior parte das alocações dos fundos de pensão, com a renda fixa e as ações vindo em seguida. “Essa composição tende a mudar, não só porque o tamanho de cada fatia vai ficar diferente, com o médio e o longo prazos ganhando participação em detrimento do curto, mas também por conta da abertura de espaço para investimentos alternativos”, estima o executivo.