Edição 360
O setor de fundos, atualmente com cerca de 28 mil fundos e patrimônio líquido de R$ 7,5 trilhões, ganha a partir do dia 2 de outubro um novo marco regulatório. A Resolução 175, resultado da maior audiência pública da história da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em termos de volume de contribuições em audiências, coloca todo o setor sob um único arcabouço e aproxima o mercado do Brasil aos modelos implementados na Europa e nos Estados Unidos.
O extenso documento de quase 200 páginas traz inúmeras inovações, muitas das quais já deverão ser executadas de imediato nos produtos novos. O estoque tem até dezembro de 2024 para se adequar, exceto os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) que precisam estar alinhados até abril do ano que vem. A expectativa é que, em 2025, o setor tenha migrado totalmente para o novo regime.
Nesse primeiro momento de transição, os ajustes têm sido mais nos regulamentos e acordos entre gestores e administradores, que passam a ter o mesmo status de prestador de serviços essenciais e dividem as principais responsabilidades dos fundos. Mas as casas vêm trabalhando intensamente para organizar sistemas, processos, documentação e uma infinidade de camadas envolvidas na estrutura dos negócios.
“O mercado está longe de ter concluído o processo de assimilar totalmente as mudanças dessa legislação. O que temos conversado internamente é se entendemos os pontos principais, mas cada vez surge um novo olhar, uma nova abordagem. Acho que o ponto principal está na relação entre os agentes do mercado financeiro. É a grande mudança dessa legislação, a mais profunda”, conta Francisca Brasileiro, sócia da TAG Investimentos, onde o time de risco e compliance foi remanejado para focar no novo arcabouço.
Em algumas gestoras, os próprios clientes têm solicitado assistência para compreender as mudanças à frente. “Recebemos bastante dúvidas. Principalmente como ficaria, em casos de parceiros, a questão da governança, da aprovação de rebate, de performance. São alguns pontos que ainda não estão tão claros para o mercado ou a interpretação é bem diversificada. Em especial, essa questão da remuneração e da distribuição”, afirma Luis Ravassi, da área de Relacionamento com Investidores da Suno Asset. Ele explica que, pela 175, as taxas de administração, gestão e máxima de distribuição dos fundos serão divulgadas separadamente, ampliando a transparência para o cotista.É consenso que as alterações são positivas e aproximam a regulação brasileira das indústrias de fundos de investimentos mais desenvolvidas. “Mas tem dado trabalho entender todas essas alterações da 175. Requer um entendimento porque são muitas nuances. Gastamos muito tempo, e isso foi necessário não só com o time próprio como também com advogados, para entender todas as nuances dessas alterações. O que gerou mais questionamentos, sem dúvida nenhuma, foi a criação das classes e subclasses”, diz Marcelo Mello, CEO da SulAmérica Vida, Previdência e Investimentos.
Com a estrutura multiclasses, que vale a partir de abril do ano que vem, os fundos poderão ser divididos em classes (ativos) e subclasses (passivos, incluindo público-alvo, prazos e taxas), sendo que cada classe terá o seu próprio patrimônio, assim como direitos e obrigações. Embora o mercado veja o ganho de eficiência operacional no longo prazo e, consequentemente, uma possível redução de custos para o investidor, não estão totalmente claros alguns pontos da nova estrutura e o impacto para os clientes.
Para Mello, “no nosso caso, a principal dúvida que temos é a questão de tributação. Como diferenciamos os regimes tributários em diferentes classes e subclasses? Essa é a maior dúvida operacional que temos aqui. Como vamos controlar tudo isso? Como, dentro do mesmo fundo, vamos controlar aquele cliente que é isento, aquele que tem um regime tributário diferente do outro? Como vamos trabalhar o passivo dessa forma? Nesse momento, é o principal tema trabalhado na SulAmérica”.
Classes e subclasses – O novo formato de classes e subclasses ainda está sendo trabalhado internamente nas gestoras e administradoras para que a nova grade de produtos esteja pronta no prazo em 2024. “Certamente haverá a necessidade de reorganização das estruturas, considerando que, via de regra, os feeders serão transformados em subclasses de classes de cotas de fundos de investimento. A ARX Investimentos já definiu as prováveis futuras estruturas dos fundos, entretanto, esse movimento somente será viável a partir de abril de 2024, quando entram em vigor os artigos referentes às classes e subclasses”, conta Mônica Marchevsky, responsável pela área de Relacionamento com Investidores Institucionais da ARX Investimentos.
No Bradesco, há seis meses foi criada uma força-tarefa com cerca de 150 funcionários e a contratação de uma consultoria externa para dar apoio no processo de adaptação à Resolução 175. Sob o guarda-chuva do banco estão cerca de 5 mil fundos.“É um esforço enorme que estamos fazendo para diagnosticar tudo aquilo que será impactado, definir planos de ação e, a partir daí, iniciar um processo de execução. No caso dos sistemas, é uma questão de desenvolvimento. Também há todo um esforço de comunicação para os diversos públicos aqui no Bradesco. Estamos falando de investidores institucionais, pessoa física, pessoa jurídica, clientes corporate. Mas há ainda toda a rede de gerentes e de agências que precisam tomar conhecimento da alteração da norma e dos impactos. Existem frentes de trabalho endereçando a definição de produto. O que é o ‘de/para’ do fundo, por exemplo, na estrutura de classes e subclasses. É um projeto interno muito grande”, pontua Ricardo Mizukawa, superintendente de risco e compliance da Bram e membro da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Na avaliação de Mizukawa, a nova estrutura de classes e subclasses deve reduzir a quantidade de fundos que hoje existem, o que pode significar ganho de eficiência operacional e melhor organização da oferta de produtos. Em alguns casos, no entanto, não haverá impacto. “Muito provavelmente, quando falamos de fundos de investimentos de cotas exclusivos eles vão continuar sendo fundos de classe única. Vão continuar comprando eventualmente cotas de outros fundos. Então, quando olhamos para uma estrutura de fundos de fundos que hoje são FICs, eles vão ser transformados em fundos de classe única que vão comprar cotas de outros fundos e eventualmente também ativos. Portanto, o fundo exclusivo não é impactado. Só vai mudar o formato jurídico de FIC para um fundo de classes”, avalia.
Mesma opinião de Mello, da SulAmérica, que acredita que esses veículos, muito utilizados pelos fundos de pensão, devem continuar. “Até porque são veículos com mandatos customizados para esses investidores especificamente. O modelo de classes e subclasses nesse caso, na minha opinião, não vai se aplicar. Nós, por exemplo, temos 200 fundos exclusivos de investidores institucionais. Esse número vai diminuir? Acredito que não. Eu acho que esses veículos vão continuar porque são muito específicos. A criação de classes e subclasses pega mais nos fundos abertos, nos fundos mútuos. Eu não vou mais precisar criar um fundo mútuo dedicado para o segmento institucional, outro dedicado para alta renda ou para outro segmento”, explica.
Incompatibilidades – Em relação aos investidores institucionais, existe uma certa preocupação que a Resolução 175 possa trazer algumas situações de incompatibilidade com as regras atuais da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Mizukawa, da Bram, diz que, enquanto esses reguladores não divulgarem uma alteração das regras específicas olhando para o processo de adaptação da 175, o mercado fica com uma quantidade enorme de dúvidas dado que existem algumas situações de desalinhamentos no que diz a nova norma da CVM com as regras atuais do CMN.
Para ele, “esse é o X da questão. Se eu tiver que constituir um fundo novo agora, a partir de outubro, cujo público-alvo sejam entidades abertas ou entidades fechadas, o regulamento terá que seguir as normas atuais do CMN e não, necessariamente, as regras previstas na 175”. Ainda segundo o superintendente, “isso significa que, para alguns itens previstos na 175, por exemplo, os novos limites de investimento no exterior, a possibilidade de investir em criptoativos, em crédito de carbono, CBIOs, tudo o que está relacionado a flexibilizações que a CVM promoveu do ponto de vista de política de investimento acaba não tendo efeito no caso dos fundos novos de previdência, porque a regulamentação atual não endereçou à 175. Nesse caso, o limite estabelecido segue a regulamentação mais restritiva”, observa.
Com a proximidade do final do ano, em que os fundos de pensão rediscutem suas políticas de investimento, o mercado fica mais ansioso. “Estamos em um momento crítico, porque em outubro, novembro e dezembro, os fundos de pensão têm que, necessariamente, rediscutir suas políticas de investimento para 2024. Então, muito provavelmente, eles vão entrar nessa discussão de política de investimento sem todas as definições. Se não houver nenhuma orientação em relação à 175, muitas dúvidas surgirão entre as fundações que vão entrar nesse processo de discussão”, diz o executivo da Bram.
A expectativa é que essa questão com a Susep e a Previc seja resolvida nos próximos meses. Até o final do ano e ao longo de 2024, a CVM também deve endereçar todas as pendências que o mercado for relatando por meio de notas retificadoras ou de esclarecimento. O entendimento é que será um processo de aprendizagem, adaptação e também despesas. “Nesse início temos mais custos, sem dúvida nenhuma. No nosso caso, por exemplo, foram muitas horas de escritórios terceirizados de advocacia para entender de forma estruturada todo esse processo, além da adaptação sistêmica que envolve squads de TI. Então, num primeiro momento, é custoso mas você tem que acreditar, e a gente acredita nisso, que esse investimento inicial que está sendo feito traz benefícios intangíveis e uma eficiência operacional que vai pagar essa conta. Em 2023 e 2024, tem um custo adicional para eu pagar que tem nome de 175. A partir de 2025, isso vai retornar”, prevê Mello, da SulAmérica.