Mercado mais seleto | Segmento de fundos de direitos creditórios ...

Ricardo MizukawaByung Hong

Edição 247

O mercado de fundos de investimentos em direitos creditórios, mais conhecidos como FIDCs, está voltando a funcionar em 2013. Com a deflagração dos problemas que levaram às intervenções nos bancos Cruzeiro do Sul e BVA, entre outros, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) começou a preparar uma nova regulamentação para o setor. Na verdade, as mudanças nas regras já vinham ocorrendo nos últimos dois anos, mas foi no ano passado, com a nova proposta de legislação que ficou em audiência pública na CVM durante todo o segundo semestre, que o mercado ficou praticamente congelado. Com a publicação da Instrução Normativa 531, no final de fevereiro passado, o mercado está voltando gradualmente, porém, com um novo perfil de produtos. Um dos impactos das novas regras é o aumento dos custos para estruturação e manutenção dos FIDCs, o que está provocando aumento do tíquete médio de patrimônio dos novos fundos. 

Se antes não eram raros os FIDCs de R$ 20 milhões ou R$ 30 milhões de patrimônio, agora o mercado está estimando um aumento do tíquete mínimo para estruturação de novos fundos dessa modalidade. “Com as novas exigências e regras dos FIDCs acredito que o mínimo para lançar novos fundos deve girar em torno de pelo menos R$ 100 milhões”, diz André Bernardino, diretor da área de ações e custódia do Bradesco. Com as novas regras definidas pela IN 531, um dos serviços que teve os custos aumentados foi o de custódia. “Não dá mais para manter as taxas cobradas anteriormente. Agora o custodiante assume riscos e responsabilidades muito maiores”, explica Bernardino. 

O aumento das taxas de custódia é justificada pela maior responsabilidade do prestador do serviço. Com as novas regras, o custodiante deve se responsabilizar pela guarda dos documentos originadores dos direitos creditórios. A regulamentação até permite que o custodiante contrate um terceiro para realizar a guarda física, mas é ele quem deve verificar a existência e regularidade de tais contratos. “Antes o originador do direito creditório podia fazer a guarda dos documentos. Isso dificultava o resgate dos documentos em caso de cobrança judicial no processo de liquidação e falência do banco”, explica Ricardo Mizukawa, presidente do comitê de FIDCs da Anbima e superintendente executivo de produtos da Bram. 

Outra mudança que afeta o originador, é que o fluxo financeiro do FIDC deve contar com uma conta exclusiva (escrow account) para os pagamentos e liquidações dos direitos creditórios. “A criação da escrow account também fica sob responsabilidade do custodiante”, explica. O especialista explica que as novas regras tiveram a preocupação central de evitar o conflito de interesses e as irregularidades verificadas na gestão dos FIDCs das instituições financeiras que enfrentaram dificuldades nos últimos anos. “As novas regras dizem que quem vende não compra, e que o originador não seja do mesmo grupo que o administrador e o custodiante”, diz Mizukawa. 

Antes mesmo da nova instrução da CVM, os órgãos reguladores vinham estabelecendo novos mecanismos de funcionamento dos FIDCs. Foi ainda em 2011, que ocorreu a criação da C3 pelo Banco Central, que é a Câmara de Cessão de Crédito, para registrar as operações dos fundos de direitos creditórios. “Todas as novas exigências provocaram um aumento dos custos de administração dos FIDCs, tanto para a custódia quanto para a auditoria e demais serviços”, diz Byung Soo Hong, advogado-sócio do escritório MHM. O especialista acredita, que o aumento dos custos não é impeditivo para o lançamento de novos produtos, mas que o mercado está mais seletivo. 

“A tendência será a estruturação de fundos maiores e mais sofisticados”, diz o advogado. Ele explica também que as novas regras trazem mais segurança ao mercado com a filtragem de produtos com problemas de estruturação e irregularidades. “As novas regras representam uma reação do mercado às irregularidades que alguns bancos promoveram no passado e que afetou todo o setor”, diz Hong. 

Viabilidade – Um dos pontos de preocupação do mercado era a proibição que administrador e custodiante não pertencessem a um mesmo grupo econômico. A CVM chegou a apresentar esta proposta, que segundo os custodiantes e gestores poderia inviabilizar a estruturação de novos FIDCs, pois a operacionalização ficaria muito complexa, com um aumento muito alto nos custos. Ao final, depois da audiência publica, a CVM acabou voltando atrás e permitiu que a custódia e a administração fiduciária pudesse ficar sob responsabilidade de empresas do mesmo grupo, porém, com total segregação de funções. 

Mesmo assim, ninguém nega que os custos não aumentaram substancialmente. Não há estimativas oficiais, mas há quem diga que os custos de administração de um FIDC duplicou. “Acredito que o custo do FIDC no mínimo tenha dobrado, pois os serviços de custódia e auditoria ficaram muito mais caros, sem falar em outros serviços”, diz Pedro Mac Dowel, sócio-diretor da Quatá Investimentos, uma asset especializada na gestão de FIDCs. O executivo diz que os preços já vinham sofrendo reajuste para cima desde o ano passado, antes mesmo da publicação das novas regras, pois o mercado já veio se ajustando ao longo de 2012. 

Os fundos já existentes antes da nova regulamentação possuem um prazo até 2014 para se adequar às exigências. Os gestores estão avaliando a viabilidade de manutenção de alguns fundos. “Temos alguns fundos menores que estamos repensando o destino deles. Uma das opções é a incorporação dos FIDCs menores por outro maior”, revela Mac Dowel. Porém, o sócio da Quatá ainda aguarda uma revisão das novas regras antes de qualquer mudança. “As novas exigências apertaram demais, espero que haja alguma revisão”, diz o gestor. 

Ele coincide na avaliação que o tíquete mínimo para estruturação de novos FIDCs deve aumentar. “Antes dava para pensar em lançar um FIDC de R$ 20 milhões, agora não pensamos em produtos com menos de R$ 100 milhões”, diz Mac Dowel. Ele comenta ainda que não dá pra pensar em reduzir alguns custos, por exemplo, com os custodiantes, pois são poucos os “players” que oferecem este tipo de serviço atualmente. Há alguns anos haviam mais opções de instituições que ofereciam custódia para FIDCs, mas o mercado foi selecionando as empresas até sobrar alguns poucos concorrentes. 

Na avaliação de Ricardo Mizukawa, atualmente existem alguns FIDCs que terão maiores dificuldades de se manter com a nova regulamentação. “Avaliamos que cerca de uma dúzia de FIDCs serão liquidados ou terão que se adequar às novas exigências”, diz Mizukawa. Outra tendência que pode ocorrer, é a fusão ou incorporação de algumas assets especializadas em FIDCs por outras de maior porte. 

Resumo das principais mudanças nas regras dos FIDCs – IN 531 

– Definição dos controles e funções das atividades de administração e custódia, para que seja facilitada a segregação total das atividades. Por exemplo, custodiante fica responsável pela guarda dos documentos originadores dos direitos creditórios. 

– Utilização de escrow account para a cobrança e o recebimento de pagamentos, evitando, assim, o risco de confusão dos fluxos financeiros relativos aos direitos creditórios cedidos ao fundo. Isso permite o efetivo controle e segregação da arrecadação. 

– Restrição de concentração da carteira em ativos de um mesmo devedor até o limite de 20% do patrimônio liquido do fundo. Autoriza a elevação de tal limite quando se tratar de títulos públicos federais e cotas de fundos que possuam como política de investimento a alocação exclusiva em tais títulos.