“Lula está indo bem” | Ex-diretor de política econômica do Banco ...

Edição 149

Se o governo petista tem enfrenta do artilharias de inimigos desconhecidos, algumas até do próprio partido, um suspeito ele já pode eliminar da lista: Luiz Fernando Figueiredo, que durante os últimos quatro anos do governo Fernando Henrique ocupou o cargo de diretor de política monetária do Banco Central. Bastante otimista, o administrador de empresas especializado em finanças mostra confiança na sustentabilidade do crescimento econômico e diz que, hoje, o Brasil é outro país – mais estável e com capacidade para crescer, sem a contrapartida de estouro da inflação e do dólar. Sua projeção para o PIB deste ano, por exemplo, não é nada modesta: chega a 5%.
Figueiredo, além de não criticar pontualmente nenhum aspecto macroeconômico do atual governo, diz que a equipe de Lula tem sido muito boa e que, em nenhum minuto, fugiu da linha de responsabilidade fiscal. Ele avalia como “espetacular” a conta-investimento e é o primeiro a aplaudir o novo pacote tributário de Palocci.
Desméritos no atual governo? Sim, diz, “mas porque todo mundo tem, menos Deus”. Em uma das salas do imponente prédio no bairro paulistano dos jardins que serve de sede à Gávea Investimentos, da qual é sócio com o ex-presidente do BC, Armínio Fraga, e com ex-integrantes da institução, Figueiredo comemora o patrimônio de US$ 1 bilhão acumulado por seus dois fundos, que completaram um ano em agosto.
Entre um charuto e outro, Figueiredo lembra bastidores das diversas reuniões que teve com o mercado nos últimos anos e só mostra algum incômodo quando ouve a frase “herança maldita de FHC” – bastante pronunciada pela atual equipe econômica para justificar dificuldades e tropeços. Veja, a seguir, os principais trechos da sua entrevista à Investidor Institucional:

Investidor Institucional – Existe uma taxa de juros real da economia?
Luiz Fernando Figueiredo – Existe e todo mundo gostaria de saber qual é. Só que é muito difícil de medir. Tem que ir testando porque a economia muda. Uma taxa real de equilíbrio para um momento é diferente da taxa real de equilíbrio para outro.

II – O Brasil mudou de 99 para cá?
LF – É um outro País. Até 99, o Brasil tinha um déficit em conta corrente de 4,5% a 5% do PIB. Hoje, ele tem superávit de 1% a 1,5%. Naquela época, a inflação estava presa pelo câmbio fixo e a taxa de juros exercia o papel de atração do capital de curto prazo para financiar esse déficit. Hoje, não tem nada de capital de curto prazo no Brasil – as linhas de curto prazo que temos são de comércio, que são as mais saudáveis possíveis. Os juros não têm nada a ver mais com a questão do balanço de pagamentos.

II – E do ponto de vista fiscal?
LF – O País tinha, de fato, uma situação fiscal muito difícil. Nós tínhamos um aumento sistemático da dívida com relação ao PIB. Hoje, ao contrário, a dívida pública está relativamente estável, mas a tendência daqui para frente é, sem dúvida, de uma redução bem razoável ao longo do tempo.

II – Uma dívida pública de 57% do PIB não é crítica?
LF – A questão da dívida não é só o tamanho. Também importam o prazo, o custo e quem financia essa dívida. A dívida do Brasil é 100% financiada por locais. Países que dependeram ou que tiveram sua dívida interna financiada por estrangeiros, em sua grande maioria, quebraram.

II – Então, nesse aspecto, essa situação é confortável hoje?
LF – A situação é confortável porque a trajetória é de queda e a fragilidade do Brasil é muito menor. Não só temos bons fundamentos que fazem com que a dívida venha a cair ao longo do tempo, como também a chance de dar errado é muito pequena. Esse governo não mudou a linha de responsabilidade fiscal em nenhum minuto. Ele tem mérito.

II – O que permitiu essa melhora nos fundamentos da economia?
LF – Primeiro foi um ajuste fiscal relevante. Tínhamos um déficit primário e passamos a ter um superávit primário. Segundo, mudamos completamente a partir da desvalorização do câmbio. Havia um déficit em conta corrente – precisávamos de dinheiro disposto a vir para o Brasil – e agora temos superávit. Hoje, precisamos de mercados crescendo para demandar nossos produtos. Não precisamos de dinheiro.

II – Para crescer o País ainda precisa acabar com os gargalos, não?
LF – Não são muitos setores que têm gargalos; só os que são mais ligados à exportação. Energia não é gargalo hoje mas pode se tornar lá na frente. Os gargalos que temos mais visíveis, no curto prazo, são portos, estradas, e tudo o que é ligado ao escoamento da exportação. O investimento nessa área não vem sendo feito há muito tempo e, com o crescimento brutal das exportações, a oferta desses serviços piorou.

II – Quais são suas projeções para o crescimento econômico?
LF – Uma grande novidade no Brasil é que, pela primeira vez, o crescimento não está trazendo problema no balanço de pagamento. Essa era uma restrição. A gente não podia crescer muito porque batia no balanço de pagamento, batia na conta corrente… Agora, a economia brasileira vai crescer entre 4,5% e 5% este ano e a balança comercial continuará melhorando.

II – Não corremos o risco de uma acentuada desvalorização do real?
LF – Não. A performance da nossa balança comercial é mais do que um dado. É uma segurança de que o nosso câmbio está muito mais desvalorizado do que valorizado. É natural que um País como um Brasil tenha algum déficit em conta corrente – por exemplo, 1%, 2% seria razoável – , porque ele precisa importar capital para investimento.

II – As PPPs podem ajudar?
LF – Depende. A PPP, na verdade, é uma regulamentação. Vamos ver se pega. Eu tenho dúvida. Independente de ser contra ou a favor o ponto é o seguinte: isso vai gerar investimento ou não? Algum, com certeza, vai. Só não sei se será na dimensão esperada e até na necessária.

II – O sr. defende a intervenção da autoridade monetária no câmbio?
LF – Graças a Deus o Brasil tem um sistema de câmbio flutuante. De 99 para cá, ocorreram vários choques muito severos e se não tivéssemos um câmbio flutuante o País teria quebrado, sem a menor dúvida. Em momentos de muita volatilidade o BC deve intervir sim. Ao longo de 2002 faltaram US$ 28 bilhões e o BC ajudou a suprir isso injetando US$ 9 bilhões. O resto foi ajuste no câmbio. Existe sempre a tentação, mas o objetivo é realmente deixar que a taxa de câmbio desempenhe o seu papel.

II – Quanto dependemos, hoje, do capital externo para sustentar o crescimento?
LF – Do ponto de vista externo, do balanço de pagamentos, nós não precisamos de investimento. Ele é importante para ajudar o investimento local, que ainda é pequeno. Importante, mas não fundamental. O fundamental é que o investimento doméstico cresça. E ele já está crescendo, mas nunca se sabe se ele vai crescer o suficiente. Mas, por algum tempo, ainda temos espaço para crescer sem a contrapartida do investimento porque a gente ficou muito tempo parado. O pressuposto para o crescimento é a estabilidade, além de uma política fiscal responsável, de um balanço de pagamentos em ordem e de uma inflação sob controle.

II – Então, o “espetáculo do crescimento” é factível?
LF – Não é questão de espetáculo do crescimento. Todo país tem que crescer. A população cresce e você tem que gerar emprego para essa turma que está no mercado de trabalho. Esse é o objetivo de qualquer governo. O importante não é crescer muito, é crescer sempre.

II – Nesse contexto, foram acertadas as primeiras decisões do Copom no governo Lula de elevar a Selic?
LF – Eu fiquei no governo até o final de março e participei desse processo. Para nós, começou a ficar claro que o novo governo iria realmente ter uma postura responsável a partir de agosto, de setembro. Temos que ter um orçamento equilibrado. E foi isso que esse governo fez. Qualquer governo deveria fazer, independente se é de esquerda, de direita ou de centro.

II – As decisões quanto ao rumo do juro primário têm sido políticas ou técnicas?
LF – Nunca é política. E não pode ser. Essa é a garantia que a sociedade tem de que as coisas vão bem. Nas reuniões das quais participei não havia discussão política. Só de fundamentos, porque se for diferente disso nós estamos fritos. As coisas vão bem se o BC ao longo do tempo toma decisões corretas. Não quer dizer que o BC não erre. Ele erra, como todo mundo.

II – Um desses ‘erros’ teria sido a elevação inesperada dos juros em março de 2001, quando grande parte do mercado estava na ponta contrária?
LF – Nós não erramos naquele caso. Estávamos certos, mas surpreendemos o mercado. O ideal é não surpreender, mas não tinha jeito. Nós estávamos fugindo da meta, a economia estava muito forte, tínhamos um déficit no balanço de pagamentos e o ambiente externo estava muito ruim. O mercado estava otimista demais.

II – Então, quais foram os erros?
LF – Eu acho que em 2002, antes de toda a crise começar, teve um mês – se eu não me engano foi maio – que demoramos para reduzir os juros. Tinha ali uma janela de oportunidade e não reduzimos. Antes, em 99, fomos criticados pelo contrário, por termos reduzido o juro muito rápido. Talvez ali, em algum momento, a gente tenha errado realmente, mas no final foi muito bom.

II – Em 99 foi mesmo necessário o choque de juro que o jogou a 45% ao ano?
LF – Era muito difícil dizer qual era o número. O que sabíamos é que era melhor errar para cima do que errar para baixo. Eu acho que aquela decisão foi absolutamente acertada embora muita gente achasse que o Brasil ia quebrar. O mercado sempre exagera no pessimismo, e também no otimismo.

II – Hoje há exagero para uma das pontas?
LF – Climas extremamente otimistas são sempre muito ruins. O ideal é ser o mais equilibrado possível. Nunca é assim. Eu acho que, hoje, está ótimo. Os mercados estão melhorando, o câmbio está abaixo de R$ 3,00, a Bolsa está subindo e o risco-Brasil tem caído. Na política econômica, o governo Lula está indo muito bem.

II – Há espaço para o juro recuar?
LF – É difícil dizer. Eu jurei, quando saí do Banco Central, que não comentaria isso. Criticar de fora é muito fácil e, na maioria das vezes, é errado. Acho que, como algo mais de longo prazo, o Brasil pode ter uma taxa de juros mais baixa em termos reais: 4% a 5% é razoável. E acho que nós vamos chegar lá. Pode ser um pouquinho mais lento ou mais rápido, mas os fundamentos do Brasil permitem que isso aconteça.

II – O SPB e a marcação a mercado personificaram a sua gestão no BC. Como foram esses processos?
LF – O SPB foi o projeto mais bacana que já fiz na minha vida. Foi muito duro e teve total empenho do BC. O SPB acabou com um problema que custou aos cidadãos mais de R$ 100 bilhões, já que os bancos quebravam em cima da conta de reserva bancária. É difícil ter um país que tenha o sistema de pagamentos que o Brasil tem. Já a marcação a mercado foi uma escolha de Sofia. Não foi uma decisão minha e nem só do BC. Foi também do Ministério da Fazenda. Eu fui explicar a decisão e virei o culpado.

II – Por que foi uma escolha de Sofia?
LF – Os fundos já teriam que estar marcando a mercado e não estavam. Nós chamamos as instituições várias vezes e elas sempre nos pediam mais tempo. Começou a haver uma distorção incrível no preço das cotas e não tivemos mais o que fazer. Falamos: é agora para todo mundo e acabou.

II – Como vocês enfrentaram as críticas de que o BC teria ‘jogado a toalha’ em 2002 para ligar a candidatura de Lula ao nervosismo do mercado?
LF – Faz parte do jogo. A pessoa que está lá é que nem juiz de futebol. Alguém vai ficar insatisfeito. Às vezes o juiz de futebol foi perfeito na partida – a gente não foi –, mas sempre tem alguém que critica. Desde 99 já nos programávamos para não ter vencimento ao longo do segundo semestre de 2002. Se não tivéssemos preparado esse campo a situação ia ser muito pior.

II – O sr. não se incomoda quando falam na “herança maldita da era FHC”?
LF – Na verdade eu me incomodo sim. Não existe herança maldita. Pelo contrário. Existe uma herança espetacular que esse governo, graças a Deus, está sabendo usar muito bem. Esse governo herdou uma inflação baixa e uma situação de finanças públicas e de balanço de pagamentos em ordem. Nós vivemos uma crise em 2002 e eu não diria que foi o Fernando Henrique que produziu essa crise.

II – Quem foi?
LF – Um componente produzido no governo Fernando Henrique, e que realmente atrapalhou, foi a crise de energia. O governo errou feio aí. Mas, além dela, nós tivemos dois outros fatores muito fortes no ano de 2001 que não tiveram nada a ver com o governo: um foi a crise da Argentina e o outro foi o 11 de Setembro. Fizemos tudo o que podíamos para entregar o melhor governo possível. Em 2002 fizemos um forte ajuste na conta corrente e 2003 mostrou esse resultado. Estamos falando de uma mudança de US$ 30 bilhões. De necessidade de financiamento passamos a superávit.

II – As privatizações eram necessárias?
LF – Vamos ver quanto valeriam essas empresas hoje e por quanto o governo poderia vendê-las.

II – Como o sr. vê a conta-investimento?
LF – Espetacular.

II – E o novo pacote tributário?
LF – Achei ótimo. Nosso sistema está muito investido em ativos de curto prazo e precisamos de incentivos reais para que as pessoas coloquem o seu dinheiro em prazos maiores. Um deles é a estabilidade. Só que ela não é suficiente. Já incentivos fiscais ou tributários são importantes. A própria curva de juros é um incentivo natural porque, em algum momento, ela será mais positiva.

II – Não haverá o risco de o investidor se posicionar em um fundo de curto prazo por dois anos e, mesmo assim, obter o benefício tributário de longo prazo?
LF – Tem toda a razão. Para o estoque, deveria valer como está, independentemente de onde se está, mas para as novas operações o benefício só deveria valer se a aplicação fosse em títulos de longo prazo.

II – Qual a sua posição sobre a taxação dos servidores inativos?
LF – Ela é muito positiva, mesmo do jeito que ela saiu. O importante é o conceito do direito adquirido. Países quebram quando ficam com direitos adquiridos demais sem ter capacidade de atender esses direitos. Tem sentido gastarmos R$ 70 bilhões por ano com os aposentados? Claro, porque eles precisam, só que o País também precisa. Tem sentido o setor público ter dois terços disso? Todos os países desenvolvidos no mundo têm problemas com a previdência e eles vão ter que resolver isso.

II – O presidente do BC deve ser ministro?
LF – A questão não é ser ministro ou não. O presidente do BC desempenha um papel, que é mais importante do que o de muitos ministros. O presidente personifica a instituição do BC. Estamos falando de preservar a instituição. Não é para não investigar o Henrique Meirelles. Pelo contrário, tem que investigar, mas um juiz há dois meses no cargo pode expedir um mandado de prisão e o presidente do BC pode ser preso. Você acha que tem sentido isso? Não tem.

II – Mudando de tema, como está sendo sua experiência no setor privado?
LF – Muito boa! Nós tínhamos um sonho, o Armínio e eu, de trabalharmos juntos. Não tem relação mais testada que a nossa. O que um está pensando, o outro já sabe. Desde o início, tínhamos uma ambição empresarial e queríamos fazer um negócio de excelência. Isso aqui é o negócio das nossas vidas, não dos próximos seis meses.

II – Está nos planos da Gávea abrir outros fundos?
LF – A nossa preocupação é ter muita qualidade. Temos que tomar cuidado com o crescimento para não diminuir a qualidade. Tanto que o fundo externo e o local estão fechados para captações, porque o que nós conseguimos administrar é isso. Com o tempo, com a empresa se desenvolvendo, e dependendo do tamanho dos mercados, é possível ter mais ativos para investir.