Inflação traz riscos adicionais | Timing do aperto monetário e pr...

Edição 347

Frente ao baixo grau de visibilidade para as diversas variáveis do cenário econômico, a questão que se impõe aos gestores este ano é o timing do aperto monetário conduzido pelo Banco Central e o risco de haver ou não um ciclo de corte de juros à frente. Inflação resistente e sob pressão de novos gastos em tempos eleitorais é um risco adicional. A situação exige atenção especial às curvas de juros reais domésticos para avaliar a atratividade de novas compras de NTN-Bs. Nos multimercados, depois de fortes ganhos com a volatilidade de juros e câmbio aqui e lá fora nos primeiros cinco meses do ano, os gestores medem o impacto do cenário eleitoral e procuram identificar sinais de equilíbrio no jogo dos mercados.
“É verdade que a Selic subiu muito, mas no juro real ainda não vimos um patamar parecido com o que houve no passado, no Brasil. Apesar de, hoje, o nível ser atrativo, há preocupações porque a inflação continua a rodar alta e não dá para comprar títulos e tirar férias, ficar tranquilo esperando a eleição. É preciso achar prêmios nas curvas e na gestão”, argumenta Daniel Celano, diretor-presidente da Schroders no Brasil. Ele salienta a volatilidade nas NTN-B e que é preciso discutir com atenção o duration desses títulos diante dos riscos embutidos tanto na questão fiscal quanto no processo eleitoral. “A compra de NTN-Bs tem sido mais cuidadosa este ano. No prefixado há o dilema do timing: ou entra agora ou espera um pouco mais para aproveitar o fechamento”, argumenta.
A recessão global, cuja probabilidade é cada vez maior nas projeções para os próximos dois anos, não permite uma visão clara do que já está ou não está nos preços dos ativos, o que aumenta o cuidado. “A demanda pela renda fixa cresceu, mas não tanto como em outros momentos do passado. Atualmente o cenário é mais desafiador e, ao mesmo tempo, traz oportunidades maiores”, prevê Celano.
Os mandatos de previdência aberta estão entre os destaques da gestora, que acaba de conseguir um mandato de R$ 50 milhões nesse tipo de veículo. Também entram na lista dos veículos mais demandados pelos investidores os fundos multimercado de baixa volatilidade e com maior exposição à renda fixa, assim como os fundos de crédito. No pipeline da asset há cerca de R$ 75 milhões desses produtos a serem lançados.
“O investidor começou a migrar para os investimentos de menor risco e volatilidade, o que explica a mudança no perfil dos multimercados. Os produtos bancários, como CDBs e LFs começaram a concorrer justamente porque têm menor volatilidade”, conta Huang Seen, head de renda fixa da Schroders. Ele observa que há prêmios relevantes hoje nas curvas nominal e real de juros e, embora o Banco Central tenha sinalizado que o ciclo de alta da Selic será encerrado, a inflação continua pressionada, o que redobra a necessidade de atenção das posições compradas ao timing correto do final desse ciclo. A situação privilegia posições em juros reais em detrimento dos prefixados.
“O momento do pré vai chegar, mas isso ainda não aconteceu, poderemos ver um processo de fechamento das taxas mais à frente, porém o cenário por enquanto é de juro elevado e aversão a riscos”, diz Seen. Nesse ambiente, os produtos com performance mais atrativa tendem a ser os fundos de renda fixa de gestão ativa e os fundos de crédito, também ativos, e os fundos de previdência aberta, que têm crescido.
Entre as classes que perderam captação estão a renda variável local e os fundos no exterior, mas Celano avalia que entre os fundos de pensão a renda variável apenas vê o dinheiro trocar de mãos porque há muita disparidade nesse mercado. “Os fundos multimercados, por sua vez, conseguiram entregar retornos altos e estamos vendo uma recuperação em sua captação. A performance positiva desses fundos esteve ligada às oportunidades locais criadas pela incerteza em relação aos juros e ao pico da inflação, assim como à agenda do próximo governo”, afirma.
Os multimercados de baixa volatilidade/CDI passaram a ser um porto seguro de caixa e uma alternativa à renda variável, com demanda contínua. “Perdemos dinheiro em renda variável este ano, principalmente nos mandatos de global equities, mas em amplitude diferente das perdas do mercado. Ao mesmo tempo, o crédito privado tem sido positivo e, embora tenhamos perdido em mandatos no exterior, ganhamos em mandatos customizados de investment solutions, que estão com R$ 250 milhões positivos na captação este ano”, conta Seen.
Há uma reacomodação de prioridades em volumes e velocidade este ano, no entanto as fundações seguem atentas ao exterior. “As compras de títulos públicos elas podem fazer diretamente e não por meio de fundos, mas temos discutido algumas alternativas para que sejam menos dependentes das NTN-Bs e comprem outros ativos, lá fora, para complementar suas carteiras de renda fixa local”, afirma.
Com R$ 3,2 bilhões sob gestão em crédito privado, a asset vê esse segmento como uma oportunidade de agregar valor às estratégias de renda fixa das fundações. “Em algumas emissões, nós conseguimos participar e os fundos de pensão, não. É onde vemos valor para adicionar e evitar que eles fiquem limitados apenas a comprar e vender NTN-Bs”, informa. A casa lançou no mês passado um fundo multimercado de crédito enquadrado (não estruturado) Brasil/Latam, que pode ter ativos locais e de outros mercados, com ou sem exposição cambial, de baixa volatilidade. O fundo, enquadrado às regras da Resolução 4661, é uma alternativa para as fundações terem seu caixa melhorado sem necessariamente ficarem restritas a NTN-Bs.

O atual ambiente macro, resultado do choque da crise da Covid turbinado pela guerra na Ucrânia, é inédito pelo menos há cinco anos no Brasil, com a Selic perto de 14%, lembra Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos. “A questão fiscal pesa e as curvas de juros podem começar a se acomodar lá na frente, mas ainda estamos vivendo um processo de ajuste pelo BC e o mercado segue o ditado segundo o qual ‘enquanto a faca ainda está caindo, é melhor não se mexer’, o que se traduz em maior cuidado frente ao risco”, lembra.
Para Roberto Pilnik, head da área macro, os papéis públicos com taxas nominais de 13% a 14% parecem bonitos, mas tudo depende de onde a inflação vai parar e é preciso considerar o horizonte de tempo porque não se sabe se haverá ou não um ciclo de corte dos juros uma vez que a inflação apresenta resiliência global. “Hoje, a demanda é por investimentos indexados à inflação mais um prêmio, porém há muita incerteza e o CDI+, às vezes do mesmo emissor, acima do IPCA, fica sem demanda devido à falta de segurança sobre o rumo da inflação”, comenta Pilnik. O fechamento das curvas globais é o grande trade do momento e os fundos têm se colocado mais no curto prazo em busca de proteção contra a inflação.
“O investidor quer produtos que protejam da inflação e prefere o IPCA +, fazendo com que os títulos de empresas com esse indexador tenham demanda forte”, conta. Várias delas emitiram dívidas em dólar e tem sofrido com a abertura dos spreads. Os preços de dívidas de companhias brasileiras em dólares subiram recentemente e começa a haver oportunidades para os emissores recomprarem essa dívida lá fora para emitir aqui localmente, mais barata.
O momento é de paixão pelas dívidas corporativas e do governo indexadas à inflação. Nos mercados secundários, a Corretora XP negocia hoje títulos públicos indexados em inflação cerca de 20% acima do que é transacionado, além de ter um forte volume de negociação na mesa de crédito privado. Temos market share de 60% em crédito no secundário”, esclarece. Ele acrescenta que há uma “busca desesperada” por ativos, inclusive em IGP-M, porque algumas fundações ainda têm seus passivos atrelados a esse indexador, mas não há emissões de títulos em IGPM, então o investidor compensa comprando dívida para compor sua carteira. “Os hedge funds venderam títulos públicos de longo prazo indexados à inflação e as fundações estão na ponta compradora”.
A expectativa é de um segundo semestre agitado e com ainda maior volatilidade, a depender da deterioração fiscal à frente. Na B3, conta Pilnik, as apostas sobre a decisão do BC a respeito dos juros em agosto mostram que 70% acreditam em alta de 0,50 pontos-base. São os contratos de opções digitais de Copom, mercado criado em maio de 2020 e no qual a XP tem 75% de market share. “É um mercado com liquidez, que negocia sempre a próxima reunião e opera mais fácil do que os contratos de DI listados na bolsa, permitindo contrapor opiniões de econonomistas”, conclui.

O aperto monetário global tem afetado preços e valuation de vários ativos em todo o mundo, depois do período de afrouxamento monetário brutal que houve por conta da pandemia, mas o Brasil saiu um pouco na frente da maioria dos países, em ritmo que fez o câmbio desancorar e pressionou a inflação, analisa Carlos Calabresi, CIO da Garde Asset Management, gestora com quase R$ 4 bilhões sob gestão e especializada em fundos multimercados e previdência. Para ele, o ciclo de alta do juro está no final, mas já criou oportunidades relevantes de ganho com a reprecificação dos ativos de renda fixa aqui e no mundo. Até porque os multimercados têm flexibilidade suficiente para explorar as janelas trazidas pela alta volatilidade nos mercados doméstico e internacional.
“O BC errou ao achar que não precisaria sequer chegar ao juro neutro e depois teve que fazer a normalização monetária”, lembra o gestor. Para a asset, esse cenário abriu oportunidades com a puxada dos juros, que no Brasil já é um movimento relativamente conhecido. “Passamos por esses ciclos mais vezes do que nos países desenvolvidos. Lá fora, desde 2008 não sabiam o que era juro e há profissionais de mercado que nunca viram isso, então a volatilidade no exterior no momento é igual à do nosso DI e isso nos deu uma oportunidade enorme de ganhos”, conta. O foco da casa sempre foi mais em juros e moedas, mercados que vivem este ano momentos de altíssima volatilidade.
A reação rápida garantiu o retorno interessante para os hedge funds. “Conseguimos reagir rápido e o retorno aconteceu em função dessa reprecificação na renda fixa e seus efeitos sobre os preços das ações. O Ibovespa hoje tem um desconto que não é só por conta do juro, porém inclui receios em relação às eleições e à situação das estatais”, diz Calabresi.
Com as oportunidades aqui e lá fora, o ano tem sido interessante para esses fundos, que conseguiram crescer um pouco. “Mas a indústria está sofrendo demais. Agora o CDI está no mesmo nível do juro prefixado, e os multimercados geram alfa acima do CDI, então temos tentado mostrar que o jogo começou a se equilibrar”, afirma.
Hoje a asset está quase sem posição em juro prefixado porque a inflação depende das canetadas do governo e seu repasse aos preços, o que atrapalha um pouco porque muda a dinâmica dos movimentos e gera perturbação na renda fixa no que diz respeito aos juros reais. Ele lembra que a taxa real entre 5,5% e 6% é impraticável ao longo do tempo e, embora crie oportunidades, também é um aspecto delicado para o market making, “até porque precisamos considerar a inflação implícita pelas canetadas, então calibramos muito bem o tamanho das posições compradas. Estamos julgando o timing das canetadas”, conta Calabresi.
As posições cambiais também foram quase zeradas em função do ruído em torno da piora fiscal e das eleições. “O custo da ancoragem já entrou na conta. A bolsa, por sua vez, está bem desagiada, mas é difícil ver o Ibovespa abaixo de 94 ou 95 mil pontos, acredita Calabresi. Do ponto de vista global, a análise feita pela gestão dos hedge funds agora terá que ser mercado a mercado, país a país, porque os grandes movimentos já foram feitos.