Ganhando no longo prazo | Assets com fundos de ações que superara...

Abalado pelo coronavírus, o Ibovespa registrou no primeiro trimestre de 2020 uma queda de 36,86%, a maior já registrada em um intervalo de três meses em seus 52 anos de história – até então o pior trimestre para a bolsa local, com uma desvalorização de 36,25%, havia sido de julho a setembro de 1986, quando o governo Sarney batalhava, sem muito sucesso, contra a hiperinflação com o lançamento dos planos Cruzado.
Difícil dizer em qual momento o grau de incerteza é maior. O fato é que os gestores de recursos de renda variável têm se fiado nas perspectivas de retomada e posterior crescimento das empresas no longo prazo para levar a cabo suas estratégias no mercado. Até porque, foi praticamente impossível evitar perdas expressivas nos portfólios diante da magnitude da derrocada recente. E isso mesmo entre as assets que mais se destacaram entre os pares nos últimos anos, tomando como base levantamento da Economatica que identificou os 17 fundos de ações de casas independentes que superaram o Ibovespa em janelas móveis de três anos por sete períodos consecutivos de 2010 a 2019.
A gestora Equitas, com seu fundo Selection, liderou o estudo ao obter durante a década passada um prêmio médio anual de 15,37 pontos percentuais em relação ao benchmark. De janeiro a março deste ano, contudo, o fundo perdeu 41,94% e acabou indo pior do que o Ibovespa. O sócio-fundador da Equitas, Luis Felipe Amaral, não se deixou abalar pelas circunstâncias do momento e tem mantido suas convicções, e posições do fundo, mesmo diante dos prognósticos desfavoráveis para os próximos meses. Um caso emblemático é o da companhia área Azul, inserida em um dos setores mais impactados pela pandemia e que vê suas ações caírem quase 70% no primeiro trimestre.
“Caso o setor aéreo consiga atravessar a crise do coronavírus, a Azul por sua resiliência é uma das principais candidatas a sobreviver”, afirma o sócio da Equitas. “Nosso foco não é necessariamente voltado para as companhias líderes em seus setores, mas naquelas que em momentos de crise ganham mercado de forma desproporcional ante os concorrentes”, diz Amaral, que antes de fundar a Equitas teve uma passagem pelo Lehman Brothers. Segundo o especialista, desde 2016, enquanto o setor aéreo doméstico teve um minguado crescimento de apenas 3%, o da Azul foi de quase 65%.
Fugir das obviedades e pinçar nomes que por vezes fogem do consenso tem sido uma das estratégias da asset para bater o mercado consistentemente. A empresa hospitalar Intermédica representa atualmente, com cerca de 9%, a maior posição do fundo. “Entramos no IPO da companhia em 2018 e desde então mantemos e aumentamos a exposição ao papel”, afirma Amaral. Segundo ele, o próprio investimento na Intermédica também pode ser interpretado como uma aposta longe da unanimidade entre os pares. “Na época da abertura de capital, falava-se mais da Hapvida dentro do segmento médico”, recorda o gestor.
Ele cita ainda a incorporadora Eztec como outro exemplo que se encaixa dentro da estratégia da Equitas de auferir rentabilidades acima do mercado por meio de exposições fora do lugar comum. “A Eztec tem uma capacidade financeira muito destacada, e se beneficia em momentos de crise quando os concorrentes precisam vender o estoque a qualquer custo”, afirma Amaral.

Já o sócio-fundador da Oceana Investimentos, Alexandre Rezende, se diz mais animado hoje do que estava na virada do ano, com as perspectivas de investimento que está vendo após a queda do mercado em março. Na avaliação do especialista, os ambientes mais propícios para gerar retorno aos clientes são exatamente os de alta volatilidade, quando o caráter racional perde espaço em detrimento do emocional e se reflete em distorções nos preços das ações.
De acordo com Rezende, a margem de segurança que rege a filosofia de investimentos da casa é fundamental para a assertividade do fundo ao longo períodos relativamente longos – o fundo Oceana Valor também teve destaque no levantamento da Economatica ao entregar aos cotistas um alpha anual em relação ao Ibovespa de 6,66 pontos percentuais entre 2010 e 2019. Nos três primeiros meses deste ano, o fundo caiu 35,51%.
“Nosso foco é voltado para a preservação do patrimônio, em um processo que se orienta mais em proteger a carteira em momentos de forte queda do que se sobressair quando a bolsa está subindo”, afirma Rezende. “Por isso, temos uma carteira conservadora no sentido das premissas adotadas na hora de fazer a precificação da empresa, o nos leva a investimentos com níveis de preço que aguentam bastante desaforo”, afirma o sócio da Oceana, que explica que essa forma de atuação não deve ser confundida com uma predileção da asset por papéis intrinsicamente mais conservadores. “Até porque há ocasiões em que esse tipo de empresa é o preferido dos investidores e portanto não estão baratas”.
Rezende diz ainda que, dado o patamar no qual a bolsa se encontrava antes da crise do coronavírus, vinha tendo dificuldades para identificar oportunidades atraentes. “Com a forte realização das últimas semanas já temos bem mais casos de ativos com bastante margem de segurança”, afirma ele. “Buscamos oportunidades sem tentar prever o que vai acontecer com a empresa nas próximas três semanas ou nos próximos três meses, mas sim daqui a três anos”.

Em linha com Rezende, o CEO da ARX Investimentos, Rogério Poppe, também entendia que o patamar do mercado anterior à recente e brutal realização recomendava alguma dose de cautela. “Do meio para o fim do ano passado começamos a diminuir o risco do portfólio, não porque estivéssemos antevendo a crise, mas por prudência já que alguns papéis haviam subido muito”, afirma Poppe, um dos responsáveis pelo fundo Income, que também entrou no levantamento da Economatica. De 2010 a 2019, o veículo gerou a cada ano um alpha médio ante o Ibovespa de 6,30% – no primeiro trimestre deste ano o fundo caiu 33,75%.
Para chegar a um prognóstico parecido em relação à bolsa no fim de 2019, no entanto, a ARX e a Oceana se valem de abordagens com diferenciações importantes. A Oceana não conta com um time de gestão macro, que costuma passar as diretrizes gerais sobre as perspectivas econômicas. “Não temos discussões sobre o que vai acontecer com a economia, com a política”, diz Rezende. ”Nos preocupamos em entender os fundamentos das companhias”.
Para ter sucesso na análise dos potenciais investimentos, o sócio da Oceana destaca a importância do trabalho de campo. “Visitamos a empresa e todos os parceiros que compõem a cadeia produtiva na qual ela está inserida, como seus fornecedores e também os seus concorrentes”, diz o executivo. “Dessa maneira, buscamos ter uma compreensão superior a dos outros investidores sobre o que está acontecendo dentro da empresa e como será seu desempenho em cenários mais desafiadores”.
Diferentemente da Oceana, na ARX a equipe macro é quem primeiro norteia quais são os setores mais promissores da economia, que posteriormente serão esmiuçados pelo time micro para pinçar as melhores empresas em cada um dos segmentos. “Embora nossa atuação seja guiada pelos setores selecionados pelo time macro, nos preocupamos em ter uma disposição da carteira com ações que tenham uma correlação baixa entre si”, afirma Poppe. “Por mais atrativo que determinado investimento possa ser, sempre avaliamos qual será seu impacto para o risco da carteira como um todo”. As posições nos fundos da gestora não podem ser superior a 10% por ação e a 30% por segmento.
Antes do início da crise a ARX já carregava posições em ativos do setor elétrico, que têm mostrado alguma resiliência em meio à pandemia. Dado o perfil mais conservador com o qual o portfólio já vinha desde janeiro, Poppe entendeu que não era necessário promover grandes alterações na carteira após a eclosão da crise. “O mercado está muito competitivo, com um grande número de competidores e de informações à disposição dos investidores. Nesse ambiente, conseguimos agregar mais valor na gestão de longo do que de curto prazo”, afirma o CEO da ARX. “Muitas vezes vemos os papéis reagindo mal a um resultado trimestral, ou até reagindo bem se o balanço for positivo, o que cria distorções das quais tentamos nos aproveitar”.

Fundos de ações campeões em 10 anos 
Levantamento da Economatica mostra os 17 fundos
que seguidamente bateram o Ibovespa na década passada
Fundo  Gestora  Média anual do prêmio vs
Ibovespa dez/10-dez/19 (p.p.)
Equitas Selection FIC FIA Equitas 15.37
Squadra Private FIC FIA Squadra 13.37
Mosaico FIA Vinci Equities 11.87
Vinci Mosaico FIA Vinci Equities 11.8
Brasil Capital FIC FIA BC Gestão 11.78
Bresser Ações FIC FIA Bresser 11.52
Constellation Master FIA Constellation 11.31
Xp Investor FIA XP Asset 9.03
EXG FIA IE Gerval 8.75
Claritas Valor FIA Claritas 8.58
Constellation FIC FIA Constellation 8.16
Oceana Valor Fc FIA Oceana 6.66
Tempo Capital Pg FIC FIA Tempo Capital 6.61
Dracena FIC FIA Tempo Capital 6.5
ARX Income FIA ARX 6.3
Tempo Capital Manaca FIC FIA Tempo Capital 6.13
Polo CSHG FIC FIA Polo Capital 3.42
Fonte: Economatica