Abalado no passado recente por envolvimento com operações fraudulentas de alguns grandes fundos de pensão investigados pela Operação Lava Jato, o segmento de Fundos de Investimento em Participações (FIPs) já exibe sinais de reação. Depois de retroceder 2,68% em 2016, para a casa de R$ 193,38 bilhões, o patrimônio líquido constante (deflacionado pelo IGP-DI) desses veículos de investimento apresentou crescimentos de 18,19% e 2,64% nos dois últimos anos. Ainda é pouco, se comparado à evolução média de 31,82% ao ano, registrada na primeira metade da década, mas, ao que parece, a curva desses fundos é ascendente.
“A recuperação contou com as decisivas contribuições dos órgãos reguladores do mercado de capitais e da previdência complementar fechada, CVM e Previc, que estabeleceram, para o produto, regras mais rígidas de governança e de proteção aos investidores”, comenta Carlos Massaru, presidente do comitê de FIPs da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). “Como decorrência dos ajustes, os FIPs estão retomando o crescimento, mas ainda será preciso reconquistar os investidores institucionais locais, que, ao contrário de seus pares estrangeiros, retraíram suas aplicações nesse segmento.”
Dois fatores prometem contribuir para uma nova arrancada. O primeiro, e mais decisivo, é a manutenção da taxa Selic em níveis reduzidos, que obrigará os fundos de pensão a deixarem de lado aplicações em títulos públicos e buscarem opções de risco para cumprir metas atuariais. Também registrada no exterior, a tendência provocou uma migração massiva de recursos de renda fixa para ações. “Mais recente no Brasil, esse fenômeno, contudo, já dá sinais de esgotamento. As dez maiores bolsas de valores do mundo apresentaram, nos últimos seis meses, as maiores taxas de volatilidade em dez anos”, diz Álvaro Gonçalves, membro do conselho deliberativo da Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital (ABVCap). “Há sérias dúvidas, portanto, sobre o potencial das bolsas seguirem em alta aqui e lá fora.”
Ao redor do globo, as operações na área de private equity saltaram de US$ 2,5 trilhões para US$ 12 trilhões nos últimos cinco anos. “A rigor, o private equity se transformou de classe de investimento incipiente em um forte mercado”, assinala Gonçalves, que vê a necessidade de um esforço concentrado da ABVCap, Anbima e da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) para apresentar o produto de forma mais eficaz aos investidores institucionais.”Alguns fundos de pensão nacionais são muito fiéis ao private equity. Já há, enfim, um bom elenco de profissionais na área que conhecem a opção.”
Além dos juros baixos, conspiram a favor dos FIPs no plano doméstico os novos projetos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em dezembro, a instituição federal lançou edital de chamada pública para investimentos em até oito fundos de participações, sendo quatro de venture capital e quatro de private equity, com aporte total de até R$ 2,2 bilhões. A iniciativa ganhou ainda mais pontos junto ao mercado com a indicação de Joaquim Levy, ex-titular do Ministério da Fazenda e da Bradesco Asset Management (Bram), para o comando do banco. “O BNDES tem tudo para injetar mais gás na recuperação dos FIPs”, diz Massaru. “Levy conhece tudo da indústria de fundos e tem uma visão estratégica desse produto, que pode vir a ser utilizado em privatizações e em investimentos em infraestrutura.”
Inova Empresa – A retomada das safras do segmento contará ainda, na esfera estatal, com a colaboração da Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep). Subordinada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a agência receberá, até 8 de fevereiro, inscrições para a seleção de gestor para o FIP Inova Empresa. Criado em 2014, o fundo, que tem a Finep como única cotista, investiu, ao longo dos últimos quatro anos, cerca de R$ 100 milhões em quatro negócios. O administrador escolhido terá à disposição recursos adicionais de até R$ 300 milhões para inversões em companhias de ponta, devendo destinar 50% dos recursos para o setor de telecomunicações. “O desafio do gestor será incorporar à carteira pelo menos mais cinco ou seis empresas”, observa Dalmo Moreira Júnior, gerente do departamento de investimento em fundos e participações da Finep. “Sistemas de automação industrial, semicondutores e biotecnologia são alguns dos setores prioritários.”
Atuante nos nichos de private equity, venture capital e seed capital, a Finep contabiliza, desde o início do século, o aporte de R$ 498 milhões em 33 fundos, dos quais quatro, ainda em processo de investimento, receberão mais R$ 157 milhões. A relação inclui iniciativas estratégicas, casos do FIP Primatec, voltado a empresas de parques tecnológicos e incubadoras, e do FIP Aeroespacial, que conta com a participação do BNDES, da Embraer e da Agência de Desenvolvimento Paulista, a Desenvolve SP. “Com sete empresas investidas até o momento, a carteira do FIP Aeroespacial abrirá espaço para outras sete. Do capital total comprometido, de R$ 161,3 milhões, a Finep responderá por R$ 40 milhões, diz Moreira.
Inalterado desde 2016, quando surgiram os FIPs Sul Inovação, Venture Brasil Central e Primatec, o cardápio da Finep deve ganhar novidades nesta temporada. A agência pretende criar, nos próximos meses, pelo menos dois novos fundos. Os formatos em estudo incluem private equity, seed capital e corporate venture, opção que abriria espaço para um parceiro. “As carteiras deverão contar com algo entre 15 e 20 empresas. A ideia é trabalhar com negócios do ecossistema de inovação em diferentes estágios de evolução”, comenta Moreira.No setor privado, a Gávea Investimentos prepara para um novo projeto envolvendo participação minoritária, com direitos de governança, em empresas locais. A empresa já iniciou o processo de análise das empresas que formarão a carteira. “A intenção é captar algo em torno de US$ 1 bilhão de cerca de 20 cotistas até o terceiro trimestre”, diz o sócio Bernardo Carvalho. “Claro que os investidores institucionais brasileiros serão muito bem-vindos”, diz.
Fundada em 2003 pelos primos Armínio Fraga, presidente do Banco Central de 1999 a 2002, e Luiz Henrique Fraga, a asset, com R$ 12,9 bilhões de patrimônio, acumula grande experiência em FIPs. Desde 2006, lançou cinco fundos de private equity, com ativos totais de US$ 5,35 bilhões, dos quais 90% correspondem a cotas de investidores institucionais internacionais. “A concentração em estrangeiros foi fruto exclusivo da demanda. Fundos de pensão, endowments e fundos soberanos do exterior já estão acostumados com essa classe de investimento, que ainda é relativamente nova no Brasil”, explica Carvalho.
Focada em investimentos alternativos, a Vinci Partners também faz planos. A asset conta com vários investidores institucionais entre os cotistas do FIP Nordeste III, um fundo de private equity de âmbito regional, como seu próprio nome indica. Ainda em fase de aporte de recursos, o veículo de investimento já ostenta em sua carteira, de R$ 100 milhões, três empresas e receberá o reforço de mais duas ou três companhias. “O Nordeste III deverá se multiplicar. Planejamos, a curto prazo, conversar com os cotistas institucionais, que estão se familiarizando com o modus operandi do produto, sobre a constituição de novos fundos do gênero”, diz o sócio Bruno Zaremba.
O mesmo vale para segmento de projetos de infraestrutura, no qual a asset atua com o Infra Transmissão. A Vinci só aguarda a retomada de grandes programas de inversões de recursos na área, que constam da programação do governo federal, para propor novidades na área aos institucionais que já marcam presença nos quadros de cotistas do fundo.
Oxigenar a cabeça – Frequentador compulsivo de reuniões e encontros promovidos por gestoras, Rogério Tatulli, diretor-superintendente da Previ-Ericsson, sempre carrega consigo, em tais ocasiões, pelo menos um dos integrantes dos conselhos deliberativo e fiscal da casa. O objetivo, explica, é oxigenar permanentemente a cabeça dos conselheiros, que, ao contrário dos integrantes das diretorias executivas das EFPCs, não necessitam, em sua totalidade, de certidões emitidas pelo Instituto de Certificação dos Profissionais de Seguridade Social (ICSS) para o exercício de suas funções. Ou seja, nem todos eles detêm conhecimentos profundos sobre mercado de capitais. “No caso dos FIPs, esse esforço de esclarecimento é particularmente importante, já que é um produto de longa maturação, com características bem distintas”, comenta o executivo.
A iniciativa de Tatulli surtiu efeito. Hoje, a Previ-Ericsson aloca 5,6% de seus ativos totais, da ordem de R$ 1,3 bilhão, em FIPs, representando 4,2 pontos percentuais acima da média do sistema, segundo estatísticas da Abrapp. “O índice atual representa um crescimento de 5,6 pontos percentuais em relação há oito anos, quando assumi a superintendência da entidade. Traduzindo em miúdos: a parcela dos FIPs decolou de zero para 5,6%”, ressalta Tatulli.
Efetuado ao longo de etapas, o salto foi referendado pelos conselheiros do fundo de pensão devido aos excelentes resultados alcançados pela aplicação. Desde que começaram a marcar presença no portfólio do fundo de pensão, os FIPs vêm proporcionando uma rentabilidade média de 12% ao ano, seis pontos percentuais acima dos ganhos em renda fixa. Distribuído por 16 veículos de investimento de seis gestoras, o portfólio de participações da FIP, que contempla projetos florestais, imobiliários e de energias renováveis, entre outros ramos de atividades, está prestes, agora, a abrir espaço ao venture capital, escolha rara entre as EFPCs nativas.
“Optamos pelo setor de tecnologia da informação, em nossa primeira incursão na área”, revela Tattuli que considera os riscos da alternativa semelhantes aos de projetos mais convencionais no amplo cardápio das participações. “Essa classe de investimento é assim mesmo: às vezes, os FIPs rendem 16% acima do IPCA; em outras, ficam aquém da inflação. O importante, como digo, é ganhar de balde e perder de colherinha.”