Edição 238
Depois de 12 anos trabalhan-do no Cruzeiro do Sul, onde atuava na área de captação de recursos de investidores institucionais, Fernando José Daier decidiu montar, em sociedade com o ex-presidente da Associação Brasileira dos Institutos de Previdência dos Estados e Municípios (Abipem), João Carlos Figueiredo, a Eternum. Estão na carteira dessa empresa mais da metade dos R$ 459 milhões aplicados pelos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) no produtos do Banco Cruzeiro do Sul e de sua controlada, a BC Sul Verax.
A Eternum foi montada sob medida para atuar junto aos RPPS. Ao sair do Cruzeiro do Sul, dois anos atrás, Daier fez um acordo com essa instituição pelo qual levaria com ele os clientes que atendia. Figueiredo, por sua vez, levava na bagagem um amplo relacionamento com os institutos de previdência após dois mandatos na presidência da Abipem e um anteriormente na Associação Paulista de Entidades de Previdência (Apeprem), os quais ocupou em paralelo com a presidência do RPPS do município de Jundiai (SP).
O carro-chefe da Eternum eram os fundos de investimentos do Cruzeiro do Sul, principalmente os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (Fidcs). Até a intervenção no banco, a empresa vinha distribuindo três Fidcs abertos e um fundo fechado. Cerca de 40 RPPS, clientes da Eternum, têm aplicações nesses Fidcs. Segundo Daier, os Fidcs do Cruzeiro do Sul não enfrentarão problemas de liquidez. “Todos os cotistas vão receber suas aplicações de volta, com as devidas remunerações”, garante.
Uma pessoa com acesso às informações do banco, no entanto, acha que a situação dos cotistas poderá se complicar se os R$ 300 milhões das operações de consignados ainda pendentes de comprovação junto ao BC não forem confirmados. Mas essa mesma fonte reconhece que as operações dos Fidcs eram, em geral, “bem estruturadas”. Além de consignados, os cotistas do Cruzeiro do Sul tinham aplicações em DPGE (Depósitos a Prazo com Garantia Especial, que são garantidos pelo Fundo Garantidor de Crédito.
Ainda de acordo com essa fonte, os problemas do Cruzeiro do Sul não estariam nos Fidcs mas num Fundo de Participações (FIP) de R$ 270 milhões, chamado Platinum. Esse fundo investia na Maragato, uma empresa privada pertencente ao controlador do banco, Luis Octávio Índio da Costa. Seria através dessa empresa que ele fazia suas operações privadas, incluindo transferências de recursos e compras de bens como os dois helicópteros Eurocopter, com dez lugares cada, e o iate de 110 pés avaliado em R$ 30 milhões. Sem rating e contando apenas com garantias solidárias, que são muito tênues, esse fundo era vendido apenas para pessoas físicas de alta renda. Não era oferecido aos institucionais, cujos controles exigiriam rating e garantias mais sólidas. Até agora o Banco Central não conseguiu chegar a nenhum ativo pertencente à Maragato, mas já interditou os helicópteros e o iate.
Para Daier, mesmo se houver algum problema com as operações do banco, inclusive no que se refere ao FIP, isso não deverá contaminar os fundos de investimento. “Não houve contaminação dos Fidcs, até porque trata-se de um produto muito seguro e bem estruturado, com um eficiente sistema de cotas subordinadas que garante baixo risco para o investidor”, explica. Segundo ele, as cotas subordinadas ficam nas mãos do originador, no caso o Cruzeiro do Sul, e são elas que assumem as perdas decorrentes de problemas como inadimplência e outros. Já as cotas sêniores, que são aquelas nas quais os investidores aplicam, serão afetadas apenas se as subordinadas não conseguirem absorver as perdas. “O Fidc é um fundo blindado, com os maiores riscos assumidos pelo originador”, reforça.
Amizade – Índio da Costa e Daier eram amigos pessoais. O primeiro gostava de dar festas espetaculares, às quais compareciam famosos do mundo empresarial, político e artístico. Já trouxe Elton John e Tony Bennet para animar suas festas, realizadas em sua casa de Embu das Artes, com 6 mil metros quadrados de jardim. O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e o ex-governador paulista José Serra, faziam parte da lista de convidados. Também a ex-ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, o governador do Rio, Sérgio Cabral, e o publicitário Roberto Justus, assim como a apresentadora Luciana Gimenez e a top model internacional Naomi Campbell. Suas conquistas amorosas também geravam notas apimentadas nas colunas de fofocas, como os namoros com a modelo e apresentadora Daniela Cicarelli e com a estilista Cris Barros.
Daier costumava ser convidado. Era expansivo, falante, mas também conhecido por um temperamento explosivo. Conta-se que ele, quando ainda trabalhava no Cruzeiro do Sul, uma vez ao deixar o estacionamento do banco encontrou um BMW bloqueando a saída do seu carro da vaga. Sem hesitar, abriu o porta-mala do seu carro, tirou de lá uma dessas chaves usadas para trocar pneus, e com ela arrebentou os vidros da BMW podendo assim soltar o freio de mão e deslocar o BMW para liberar a saída da sua vaga. Esqueceu-se, porém, que o estacionamento tinha câmeras e a cena estava sendo filmada. O dono da BMW requisitou o filme, processou-o e conseguiu na Justiça uma indenização.
Patrocínio – O Cruzeiro do Sul era um dos principais patrocinadores dos eventos da Abipem, desde a época em que Figueiredo ocupava a presidência dessa entidade. Estava presente em praticamente todos os eventos. Mas não era tão generoso com os Congressos da Aneprem, a outra entidade representativa dos RPPSs e que, atualmente, tem da fato menor expressão dentro do sistema. “Nunca tivemos o patrocínio do Cruzeiro do Sul aos nossos congressos”, reclama o presidente da entidade, Heliomar Santos.
Os patrocínios aos eventos da Abipem, que se mantiveram mesmo após a saída de Figueiredo da entidade, aliados ao relacionamento deste último com o sistema de RPPS, ajudaram a alavancar a posição da Eternum nesse segmento. A instituição atuava em cerca de 430 entes públicos onde tinha acordos para oferecer crédito consignado. “É um setor no qual a competição aumentou muito. Se não tiver recurso disponível para o crédito, a instituição perde os clientes para a concorrência”, observa Daier.
A Eternum vinha captando recursos para os FIDCs do Cruzeiro do Sul normalmente, até o final de abril e início de maio, pouco antes da intervenção do BC. Mesmo quando começaram os rumores de problemas com o Cruzeiro do Sul, a empresa continuou distribuindo os produtos da instituição. “Não havia nenhum sinal mais evidente, nem as agências de rating mudaram a classificação dos fundos. Não podemos nos pautar por boatos do mercado”, argumenta o sócio da Eternum. Ele sublinha que a empresa vai continuar assessorando os clientes até que os recursos dos Fidcs, que estão com os resgates suspensos, sejam pagos.
Apesar da Eternum ter dado seguimento às captações, as novas aplicações nos Fidcs da instituição estavam diminuindo nos últimos meses, pois muitos regimes próprios e demais investidores estavam receosos por conta dos boatos. Porém, já havia um grande volume de aplicações nos fundos do Cruzeiro do Sul, a maioria com prazos de carência. No caso de Fidcs fechados, o investidor não pode resgatar os recursos antes do encerramento do fundo.
Outros distribuidores – A Eternum não é a única distribuidora de Fidcs do Cruzeiro do Sul. Outras empresas que atuam no segmento de regimes próprios, como a Privatiza, ou o próprio banco e sua asset coligada BC Sul Verax, também atendem os investidores institucionais. A carteira de clientes da Privatiza é formada por cerca de 20 RPPS que aplicam em Fidcs do banco.
Além dos produtos do Cruzeiro do Sul, a Eternum também distribui fundos de outros gestores, tais como BTG Pactual (renda fixa) e Western (renda variável). “Somos clientes do Daier há uns cinco ou seis anos, desde a época em que ele trabalhava no Cruzeiro do Sul. Quando ele montou a própria empresa, houve uma transferência praticamente automática dos recursos para a sua empresa”, diz Kleber Cavalcante, diretor-presidente do regime próprio da Praia Grande.
O dirigente do RPPS está na expectativa da realização das assembleias dos Fidcs nos quais possui aplicações, avaliadas em R$ 12,4 milhões. São Fidcs fechados do Cruzeiro do Sul que contam com prazo de carência. “Não tivemos a opção de resgatar os recursos pois ainda estavam no prazo de carência”, afirma Cavalcante. As aplicações nestes fundos representam cerca de 7% do patrimônio total do instituto, que está em R$ 174 milhões. “Agora estamos torcendo pela liquidação dos fundos com devolução dos recursos. Mesmo que não haja remuneração, ficaremos aliviados se conseguirmos reaver as aplicações iniciais”, aponta o dirigente de Praia Grande.
Ele revela que até um mês antes da intervenção do Banco Central, não recebeu nenhum aviso da Eternum e nem da consultoria Crédito e Mercado, com quem trabalha para avaliar os Fidcs. Por isso, foi realizada a renovação de uma aplicação em um dos Fidcs fechados do banco. “Não dá para se assustar com boatos. O rating estava normal e nossa consultoria não fez nenhuma advertência. Não tinha como advinhar”, diz Cavalcante. Só agora depois da intervenção é que a consultoria recomendou o resgate das cotas, assim que for possível.
Daqui para frente, os regimes próprios devem aumentar sua aversão ao risco dos Fidcs. “Nesse momento, estamos preferindo mais entrar em bolsa do que analisar aplicações em Fidcs”, afirma Cavalcante. O regime próprio de Praia Grande acumula resultado acima da meta atuarial em 2012, impulsionado pela rentabilidade dos fundos IMA. Porém, com a redução das taxas de juros, já está buscando alternativas para diversificar suas aplicações. “Os Fidcs eram uma excelente opção, mas agora vamos aguardar para entrar novamente nesse segmento”, avisa o diretor-presidente. Além dos Fidcs do Cruzeiro do Sul, o instituto também possui aplicação em um Fidc do Banco Rural.