Edição 362
Com dificuldade de acompanhar o sobe e desce frenético que marcou a Bolsa de Valores neste ano, em um cenário de incerteza sobre as contas fiscais no Brasil e sobre os juros nos Estados Unidos, não são poucos os casos dos gestores que não vão conseguir superar o desempenho do índice Ibovespa no fechamento do ano. Dessa forma, como o recebimento de bônus de performance pelos gestores depende do atingimento de metas, 2023 deve ser um ano de vacas magras no que diz respeito ao pagamento de bônus.
Segundo levantamento da S&P Dow Jones Indices, cerca de 60% dos fundos de ações de gestão ativa no Brasil não conseguiram superar os respectivos benchmarks no primeiro semestre do ano. O Ibovespa cravou uma alta de 7,6% no intervalo.
Em comum entre muitos desses fundos, a aposta na valorização de ações de empresas do setor de consumo, que viria na esteira da queda dos juros e do crescimento da economia, movimento que até aqui ainda não se materializou. Com dificuldades para engatar uma retomada consistente, o PIB (Produto Interno Bruto) do país ficou praticamente estável no terceiro trimestre de 2023, com um pequeno avanço de apenas 0,1%, na comparação com o trimestre imediatamente anterior, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Não conseguir bater o benchmark significa que não haverá remuneração variável advinda da taxa de performance, cobrada quando os fundos superam os índices de referência e a principal fonte para o pagamento do bônus. Isso porque a taxa de administração cobre basicamente os custos do dia a dia, como salários, aluguel, além de terceiros como distribuidores, administradores e custodiantes.
O resultado ruim dos fundos, por sua vez, mantém o resgate contínuo de recursos da renda variável por parte dos grandes investidores, com as gestoras se vendo obrigadas a se readequar e reduzir as estruturas para conseguir se manter no mercado.
“Se não tem taxa de performance, necessariamente a remuneração acaba sendo menor”, diz Luiz Nunes, co-fundador e CEO da gestora de ações Forpus Capital. “Se o fundo não vai bem, não tem dinheiro para pagar o variável aos funcionários. Não dá para fazer mágica.”
Ele acrescenta que, de modo a reter os talentos, os principais sócios devem abrir mão de parte da remuneração a que teriam direito para premiar, dentro das possibilidades, aqueles que se destacaram no ano. “Conseguimos premiar as pessoas que foram muito bem, mesmo em um ano em que a gestão não foi bem”, afirma.
Resultados ruins – O principal fundo da casa, o Forpus Ações, acumula queda de 5,95% em 2023, até novembro, contra uma alta de 16% do Ibovespa no mesmo período. O fundo cobra uma taxa de administração de 2% ao ano, com uma taxa de performance de 20% do que exceder o Ibovespa em janelas semestrais.
Não trouxeram o retorno esperado as apostas em commodities, em especial agrícolas e de siderurgia e mineração, calcadas na expectativa de uma valorização do dólar em função das dúvidas do mercado sobre a responsabilidade fiscal do governo Lula – a moeda americana registra queda de 6,9% contra o real em 2023, até novembro.
O CEO da Forpus assinala que a resposta do mercado ao risco fiscal acabou se dando principalmente por meio de sessões de forte alta nas taxas dos juros futuros, que embutem as apostas dos agentes sobre os rumos da política monetária. As dúvidas dos investidores acerca da estratégia de política monetária adotada pelo Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, também exerceram influência sobre os movimentos dos juros no mercado brasileiro.
A expectativa de juros mais altos à frente embutida nos contratos futuros teve como consequência um impacto negativo nos preços das ações do setor de consumo na Bolsa, também presente no portfólio do Forpus Ações. O Icon (índice de ações de consumo da B3) encerrou novembro praticamente no zero a zero, com leve alta de 0,95% no acumulado do ano, mas com uma série de papéis com queda acumulada de dois dígitos no período.
Sem bônus – “Nosso ano é sem bônus”, diz Luiz Fernando Alves, sócio e gestor da Versa Asset Management. Carro-chefe da casa, o Versa Long Biased FIM recua 16,5% em 2023, até novembro, contra uma alta de 12% do CDI. Há cobrança de 2% de taxa de administração, com 20% de performance sobre o excedente ao CDI no semestre.
A carteira do fundo da Versa tem como característica guardar uma alta relação com as oscilações diárias no mercado de juros, contando com a presença de ações de empresas cujos resultados dependem, em grande medida, do crescimento do crédito e da renda.
São nomes como Multilaser, Grupo Soma, Guararapes e Trisul, que viram os papéis sofrerem na Bolsa, pressionados pelo risco fiscal, que foi agravado pelas recentes discussões em torno da meta de déficit a ser buscada pelo governo nos próximos anos, e também devido às incertezas sobre a continuidade da alta dos juros pelo Fed para controlar a inflação nos Estados Unidos.
Alves diz que a Versa tem como política carregar um caixa estratégico relativamente grande e que, diferentemente da maioria das gestoras, paga um salário fixo atraente, além do variável conforme os resultados. “O caixa que carregamos permite pagar salários altos mesmo com a empresa deficitária como neste ano, esperando o momento melhorar”, afirma o gestor.
Em suspenso – Na gestora de ações GTI Administração de Recursos, o GTI Dimona Brasil FIA tem alta de 11,13% de janeiro a novembro, ficando cerca de cinco pontos percentuais abaixo do Ibovespa no intervalo. O fundo cobra 2% de taxa administração, com 15% de taxa de performance sobre o que exceder o benchmark.
Sócio-fundador e gestor da GTI Administração de Recursos, André Gordon afirma que o pagamento do bônus em 2023 ainda está pendente de definição.
Se conseguir manter o desempenho positivo de novembro e do começo de dezembro e tirar a diferença em relação ao Ibovespa nos últimos pregões do ano, então é provável que seja possível fazer algum pagamento relativo à remuneração variável, diz Gordon.
“Há três meses, a perspectiva de pagamento de bônus era muito boa. Há um mês, estava péssima. E agora, pode ser que tenha algum pagamento de bônus, mas também pode ser zero”, diz o gestor da GTI, em referência à alta volatilidade característica da Bolsa brasileira em 2023.
“Os sócios têm um percentual da empresa e são 100% sensíveis ao resultado do fundo”, acrescenta Gordon. Ele diz que, da taxa de administração cobrada, cerca de 50% sobra para o pagamento dos custos fixos, incluídos os salários, que permitem aos gestores da casa a manutenção de um padrão de vida de qualidade. Mas é o pagamento do bônus que permite a formação de um patrimônio, afirma o sócio da GTI.
O setor de consumo, via ações de empresas como Lojas Renner e Blau Farmacêutica, foi, novamente, um dos principais detratores de retorno para o fundo da gestora no ano. Na ponta oposta, a Petrobras, impulsionada pela alta na cotação do petróleo no mercado internacional, e o Itaú, com a apresentação de robustos resultados trimestrais, contribuíram para o retorno positivo, bem como a Sanepar, de saneamento.
No caso da estatal petroleira, contudo, a GTI optou por zerar recentemente a posição que carregava há seis anos. Isso mesmo com a avaliação de que as ações seguem negociadas em níveis de preços atrativos, mas pelo fato de enxergar sinais de interferência “cada vez mais presentes na gestão da empresa”. Por isso, a opção foi realocar os recursos em outras companhias relacionadas a commodities e com múltiplos parecidos, como a Vale.
Reter os talentos – Segundo um gestor que preferiu não se identificar de uma asset tradicional com estratégias de ações e multimercado que também não devem conseguir bater os benchmarks em 2023, a opção que tem sido adotada na casa para reter os talentos, e também em outras gestoras do mercado, é os principais sócios abrirem mão de parte de suas participações para repassar aos profissionais do time de gestão que têm se destacado nos últimos meses.
“Tem muita gestora de multimercado que não tem entregado 50% do CDI nos últimos dois, três anos. Elas vão ser obrigadas a tomar mais risco para tentar se recuperar, o que pode funcionar, mas também pode acabar fazendo com que a situação fique ainda mais difícil do que já está” , diz o gestor.
Ele acrescenta que, além de ficarem sem a remuneração variável oriunda da taxa de performance, as assets do mercado local também estão tendo de lidar com uma remuneração fixa cada vez menor.
Com a onda de resgates da indústria, os recursos oriundos da taxa de administração, que é cobrada com base no tamanho do patrimônio líquido de cada fundo, vêm em queda.
De acordo com dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), os fundos multimercados registram resgate líquido de aproximadamente R$ 98,6 bilhões em 2023, e os de ações, de R$ 26 bilhões, mantendo a toada já observada no ano passado, quando as saídas somaram R$ 87,6 bilhões e 70,5 bilhões, respectivamente.
O gestor diz que o orçamento reduzido, fruto da drenagem de dinheiro dos fundos, levou a uma redução no tamanho da operação da empresa, com corte nas equipes e migração para um escritório menor.
“Quando o fundo anda, o cotista ganha e o gestor ganha. Quando não anda, pagamos as contas e continuamos vivendo”, diz Nunes, da Forpus. “A remuneração variável é o que realmente vale nas gestoras”, acrescenta.