Edição 331
O crescimento global do tema dos investimentos sustentáveis – ESG, ou o conjunto de critérios ambientais, sociais e de governança na sigla em inglês – chegou este ano com maior força aos institucionais brasileiros. As evidências dos impactos ambientais e sociais sobre a economia e a vida do planeta como um todo foram reforçadas agora pela crise da pandemia de coronavírus, o que ajudou a mudar o sinal de amarelo para vermelho junto às corporações, indústria de gestão e investidores.Gestores como a Schroders e outros listados em bolsas lá fora, sentem cada vez mais firme a cobrança também de seus próprios acionistas para garantir que seus portfólios reproduzam princípios de responsabilidade aliados ao desempenho financeiro. “Quando acontece um evento como o de Brumadinho, por exemplo, que pode ter sido um “cisne negro” ou não, nossos acionistas na bolsa de Londres exigem saber o que fazemos para cobrar providências e melhorias da Vale e acompanhar as medidas efetivas da empresa”, diz o Country Head da Schroders no Brasil, Daniel Celano.
O Brasil e o mundo querem saber se há apenas o risco de uma nova parada da produção ou se pode ocorrer novo rompimento de barragem com a morte de centenas de pessoas, explica Celano. E precificar esses riscos adequadamente é dar materialidade ao investimento ESG, o ponto central da questão.
A percepção, hoje consensual, de que a rentabilidade e os critérios ESG têm uma correlação positiva são o lado favorável da atual situação, observa Marcelo Mello, vice-presidente de Investimentos, Vida e Previdência da SulAmérica Investimentos. “No passado não muito distante, a percepção dos mercados era de que discutir ESG seria apenas uma “distração” de assuntos mais importantes, mas isso mudou à medida que ficou clara a relação com a mitigação de riscos”, diz Mello. Do lado negativo, há o risco de que a discussão fique superficial demais e o tema seja levado para o lado mercadológico e não-técnico. Seria o predomínio do “greenwashing”, conceito que define sustentabilidade apenas como instrumento de marketing.
No Brasil, até há pouco tempo os temas ligados ao meio ambiente não traziam liability tão significativa, mas eventos como o de Brumadinho evidenciaram o risco de uma empresa arcar com passivos grandes demais. “O investidor não tem mais dúvida sobre a questão da rentabilidade ESG, mas o gestor ainda precisa sensibilizar o portfólio todo com essas questões subjetivas”, acredita Mello. “O mais importante é ter um processo que aplique o melhor julgamento dos fatores A, S e G em cada caso, que vá além dos relatórios divulgados pelas companhias e ouça todos os stakeholders”, diz Mello.
A SulAmérica pesquisa a materialidade ESG nas empresas de capital aberto e nos emissores de dívidas, a partir de uma matriz que inclui vários fatores para definir pesos e scores. E acaba de contratar uma consultoria externa para aprimorar sua análise. “Não eliminamos empresas, mas elas podem ficar melhor ou pior posicionadas na análise ESG. Começamos esse trabalho em 2009, quando nos tornamos signatários do PRI”, conta o gestor.
Os índices ESG das bolsas local e internacionais são apenas o ponto de partida. O fundo de ações de impacto ESG lançado recentemente pela gestora usa os indicadores ICO2, IGC, ISE e o Dow Jones Sustainability Index. Companhias que não estiverem em pelo menos dois desses índices não passam sequer pelo primeiro filtro. Em seguida são aplicados outros filtros de qualidade até restarem apenas vinte papéis. As receitas resultantes das taxas de administração do fundo são totalmente revertidas, segundo Mello, para o projeto da ONG Vagalume, dedicada a disseminar bibliotecas para crianças na Amazônia Legal.
O fundo de ativos globais 100% ESG, lançado no Brasil em agosto pela Schroders, deve fechar o ano com patrimônio de R$ 100 milhões. A gestora não vê espaço, por enquanto, para montar um fundo desse tipo com ativos locais, devido ao número ainda restrito de companhias locais 100% ESG, diz Daniel Celano.
Para fundos com ativos locais a gestora usa o modelo de fundos integrados, que selecionam as empresas, seja no mercado de ações ou dívidas, levando em conta uma série de fatores. “O fundo compra os papéis de uma companhia e acompanha suas tendências de estabilidade, melhora ou piora. Se as coisas não acontecerem como esperado, ele pode deixar a companhia”, argumenta Celano.
Na modelagem 100% ESG, porém, o portfolio é montado exclusivamente com as melhores empresas de cada setor, as best in class, o que exige uma barra mais alta de análise e impõe diferente grau de exposição do investidor aos papéis. As análises acabam rejeitando até 50% das empresas, inclusive marcas que integram os índices globais de sustentabilidade. “No Brasil, entretanto, procurar apenas empresas que sejam 100% sustentáveis seria mais complicado, porque não há tantas best in class e a concentração atrapalha a mitigação de riscos”, diz Celano.
A gestora quer trazer mais um ou dois fundos 100% ESG ao Brasil no próximo ano, mas os fundos de crédito e de renda variável com ativos locais devem continuar seguindo o modelo integrado. “Mesmo nesse caso a carteira pode ter ativos 100% ESG, mas com pesos diferentes”, explica Celano.
Signatária do PRI desde 2010 mas com experiência em ativos sustentáveis desde 2007, este ano a BRAM decidiu ampliar o seu esforço de engajamento junto às empresas investidas em renda variável e crédito. Para isso, começou a montar relatórios específicos sobre cada empresa à medida em que trabalha para engajá-las à sua visão ESG. “O objetivo é apontar melhorias e acompanhar a evolução, dentro do nosso sistema de filtros positivos”, informa o CIO da asset, Marcelo Nantes. Em 2021 a asset deverá encerrar seu primeiro ciclo de engajamento antes de partir para o segundo ciclo e fazer follow up das conversas com as companhias. Além das iniciativas individuais, a BRAM participa de engajamentos coletivos como o Investidores pelo Clima.
A preocupação da indústria de gestão com o greenwashing é real, diz Nantes, mas a BRAM já faz uma avaliação rigorosa de ESG para 99% dos seus ativos. “Nos fundos específicos de sustentabilidade, só mudam os critérios. Todos têm notas, mas o nosso portfólio tem que apresentar nota superior à média que atribuímos ao benchmark”, explica. São 264 empresas no total dos portfólios de renda variável e de crédito e o engajamento ocorre com um número entre um terço e a metade desse total, por meio de reuniões entre o time da BRAM e os times das empresas.
Um fator relevante é que, por trabalhar com a integração ESG em todo o processo de investimentos, a asset não têm um time dedicado exclusivamente ao tema mas sim analistas de diversos setores olhando para a questão da sustentabilidade. “Estamos vivendo um momento interessante, de muita discussão global sobre padronização de relatórios e produtos novos, esse é um debate positivo mas nem mesmo a Europa, que está muito à nossa frente, tem essa padronização ainda”, pontua Nantes.
O avanço do ESG, uma febre que chegou muito rapidamente no Brasil, encontrou o mercado de investimentos despreparado mas não do lado das empresas e sim dos investidores, acredita o CFA da Fama Investimentos e um dos precursores desse debate no País, Fábio Alperowitch. Ele discorda da visão segundo a qual há poucas companhias no universo local. “Isso não é verdade e não há dificuldade para montar um bom portfolio”, afirma Alperowitch.
Um equívoco é definir a sustentabilidade das companhias pelo setor em que elas se encontram e não pelo seu processo. A Tesla, por exemplo, apesar de produzir carros elétricos não é ESG porque seus processos não são. Já empresas como a Renner, Fleury, Duratex, Klabin e Localiza, entre outras, são ESG pelos seus processos, ilustra o gestor. “A Localiza, do setor de locação de veículos, já é muito desenvolvida em governança e agora está cuidando também dos temas ambientais e sociais, tem uma frota de carros novos e movidos a bio-combustível, usa energia solar e faz lavagem a seco dos carros”.
Segundo ele, em muitos casos o compromisso ESG é apenas de fachada, sem levar muito a sério os pilares do meio ambiente e dos direitos humanos. “A falta de reação adequada do mercado ao assassinato cometido no Carrefour foi gritante, tudo parece muito superficial”, diz. “Mas também é verdade que, há dez anos, ninguém sequer esperaria uma reação, então já houve uma mudança importante”.
As questões ESG, por serem complexas e encontrarem um mercado ainda despreparado, vão levar tempo para serem plenamente compreendidas”, avalia Alperowitch. Na Fama, cujo fundo ESG tem patrimônio de R$ 2,7 bilhões, os investimentos seguem o modelo integrado e consideram a análise da cultura corporativa. Segundo o gestor, a demanda por esses ativos aumentou em 2020 mas não de forma proporcional ao noticiário sobre o assunto. “O ESG foi o assunto mais falado do ano, mas não foi o que deu mais dinheiro”.
Marcelo Nantes concorda e observa que tem havido um aumento do interesse do investidor institucional, via consultas e pedidos de informação, mas isso ainda não se transformou em demanda por produtos ESG. “Já temos fundos com históricos longos, com processos e políticas bem definidas, então acredito que a decisão de investimento dos institucionais ainda vai acontecer”.
Na BB DTVM, a percepção este ano é não só de aumento na demanda por ESG como de uma mudança cultural em andamento. “A geração de novos investidores, a geração Z, com jovens entre 20 e 25 anos de idade, deixou de buscar retorno exclusivamente pelo retorno para investir com um propósito”, avalia Vinícius Ribeiro Vieira, gestor de fundos de ações ativos da casa. Até o final de novembro, diz Vieira, houve captação positiva com mais de R$ 550 milhões pelos quatro fundos da BB DTVM com apelo ESG. Entre eles, o fundo temático de retorno absoluto voltado aos papéis de empresas com boas práticas de equidade de gênero. “Foi o de melhor performance este ano, mas também o que mais resgates apresentou. É uma carteira que só investe em empresas integrantes do programa Princípios de Empoderamento Feminino da ONU Mulheres e conta com 22 empresas e quatro BDRs”, explica Vieira. A carteira está em fase de revisão e deve aumentar o número de BDRs porque houve um aumento das empresas signatárias.
A equipe acompanha esses portfólios e quando detecta problemas pode reduzir ou até zerar posições nesses ativos. “Este ano tivemos um caso desses na carteira de Equidade; adotamos uma visão crítica tanto para o bem quanto para o mal”, comenta Vieira. Ele observa que falta uma divulgação de dados mais consistente pelas empresas, que muitas vezes não reportam os números se eles não forem positivos. E no fundo de equidade nem sempre as empresas informam o número de mulheres em cargos de liderança. “Isso dificulta a análise porque ESG não se trata de “ser ou não ser” mas de quanto a empresa está avançando”.
Os drivers de sustentabilidade trazem cada vez mais o engajamento das empresas e a construção de pontes entre elas e os investidores, uma forma de superar a carência de dados das análises ESG”, enfatiza o responsável pela área de estratégia beta e integração ESG na Itaú Asset Management, Renato Eid. Segundo o gestor, as empresas percebem que os gestores também trazem elementos que ajudam seus modelos de negócios de maneira perene e sustentável. “Então, chega um momento em que nós não precisamos procurar as empresas, mas somos procurados por elas”. .
O diálogo com as empresas acontece não só através de assembleias, usando o poder de veto em companhias desalinhadas com boas práticas, mas também em interações individuais ou engajamentos coletivos, afirma Eid. Ele pondera que há uma demanda crescente por produtos dedicados ao ESG, seja por fundos temáticos com focos específicos ou por fundos ativos que se valem de metodologias ESG, mas olhar só para os produtos não é suficiente. “Não posso me basear só nisso. É preciso pensar na integração e em ter processos robustos”. Tanto é que a Itaú Asset, com 15 anos de trabalho voltado aos investimentos ESG, só tem três produtos dedicados especificamente ao tema: dois ETFs e um fundo ativo de renda variável lançado recentemente. Mas os filtros de sustentabilidade permeiam todos os processos de investimentos da gestora, diz Eid. “Procuramos mostrar ao investidor que as empresas atentas ao ESG tendem a ter performance superior às demais; essa compreensão é fundamental para que o assunto tenha um crescimento bem estruturado”.
Depois de dois anos de estudos, o BTG Pactual criou no começo deste ano sua área de ESG Impact, voltada ao lançamento de produtos de impacto, com uma primeira emissão de debêntures sustentáveis. “Foram apenas R$ 15 milhões nessa operação inicial, para entender a demanda e testar o apetite dos investidores, mas aprendemos muito com isso. Temos participado também de várias emissões, somando US$ 750 milhões em 2020, que foram distribuídos aos nossos clientes em papéis “verdes” ou sustentáveis”, conta a head da área de ESG e Investimento de Impacto da casa, Mariana Oiticica.
Investimentos ESG provocam impactos por sua natureza, mas os investimentos “de impacto” são os que devem apresentar resultados mais facilmente. “Esses investimentos não são tão “pacientes” quanto o ESG tradicional”, detalha Oiticica. Segundo ela, desde o ano passado tem havido uma curva crescente de apetite por esse tipo de alocação, no Brasil e no mundo, com o resgate de fundos mais tradicionais de sustentabilidade em direção aos de impacto.
Segundo o diretor executivo do BTG Pactual e também head da área de ESG e Investimento de Impacto, Iuri Rapoport, as empresas estão mudando drasticamente este ano. “A maioria delas nem publicava relatórios antes de 2020 e começam a perceber que o investidor exige, o mercado ainda é pequeno mas o movimento é crescente nos segmentos de ações, debêntures e fundos estruturados”, conta Rapoport.
No exterior, os ratings ESG já impactam no custo de capital das empresas, lembra Oiticica. No Brasil isso ainda não acontece, mas é uma tendência e ela informa que as empresas que não tiverem relatórios de sustentabilidade em 2021 vão ficar sem análise.
Embora tenha começado recentemente a avaliar fatores ESG nos investimentos e operações de crédito locais, globalmente o Credit Suisse já faz isso há dezoito anos. “O ano de 2020 foi importante para o tema, mas há muitas ações que são apenas marketing”, diz Erica Stols, que responde pela área de asset allocation do Credit Suisse. Entre as companhias abertas, há muitas notas ESG baixas mas há também um número expressivo de empresas best in class. “O ponto central é obter informações relevantes que tenham qualidade, a divulgação terá que ser mais recorrente e transparente”, constata Stols.
Ela observa que a pesquisa Relate ou Explique, da B3 no ano passado, revelou dados preocupantes: das mais de 420 empresas listadas, apenas 127 responderam e dessas, só 24% divulgaram relatórios em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Entre empresas que vão a IPO, há dificuldade em diferenciar as que são ESG por obrigação de seguir protocolos das que o fazem por uma cultura genuína, diz o sócio da Brasil Capital, André Ribeiro. “Não basta ter membros independentes nos conselhos ou apenas apoiar a diversidade, cuidar dos stakeholders ou ter uma meta de carbono zero, esse compromisso tem que estar disseminado por toda a cultura corporativa”.