Edição 122
O dia da diretora de investimentos da Petros, Eliane Lustosa, começa cedo, normalmente antes das sete da manhã, quando acorda para levar os dois filhos à escola. No café da manhã, enquanto atende e controla os ímpetos à mesa de um menino de sete e uma menina de nove anos, ela já começa a ordenar as idéias e as ações que terá que encaminhar durante o dia, à frente da área de investimentos de um fundo de pensão cujo patrimônio atual é de nada menos que R$ 16,8 bilhões.
Apesar das turbulências dos mercados nos dias de hoje, ela diz que já teve tempos mais difíceis, logo após assumir a diretoria da fundação, em agosto de 1999. Ela refere-se a um período duro, de intensas negociações com todos os parceiros da Petros, para convencê-los a aceitar condições de remuneração mais de acordo com as regras do mercado. “Tivemos que negociar muito duro com alguns parceiros, para diminuir as taxas”, conta Eliane.
Um dos casos mais gritantes contados por ela é de um gestor que administrava uma carteira de R$ 200 milhões de renda fixa, cobrando uma taxa de 1,5% ao ano. Era claramente exagerada, visto que a média das carteiras da fundação, incluindo renda fixa e renda variável, era na época de 0,7%. Após um complicado processo de renegociação, a taxa para essa carteira caiu para 0,2%, a mesma adotada para as outras carteiras de renda fixa.
Claro que o gestor não gostou, mas não teve escolha. A alternativa seria abandonar a carteira, o que nenhum gestor fez. Em outros casos, onde os excessos estavam nos contratos de participações da fundação, ela esperou o melhor momento para negociar. “Esperamos pelo momento em que os nossos sócios precisavam de recursos novos para então renegociar, não só a rentabilidade mas também algumas cláusulas novas como o direito de preferência, o tag along etc”, diz Eliane. “Em alguns casos não havia sequer um acordo de acionistas, então aproveitamos para fazer isso”.
O processo, levado a efeito sem romper nenhum contrato, foi finalizado com todos os parceiros, à exceção do Opportunity, com quem a Petros mantém uma disputa antiga por causa de um fundo de private equity que atua na área de telefonia. Esse fundo, do qual participa também o Citigroup dos Estados Unidos, tem como principais cotistas brasileiros a Previ e a Sistel e mantém o controle da Brasil Telecom e da Telemar. As fundações acusam o banco de controlar o fundo com um percentual mínimo de cotas, através de participações cruzadas e de artifícios jurídicos, mas o banco responde que foi tudo previsto nos estatutos e nos contratos assinados na época.
Certo ou errado, essa é a participação mais polêmica das fundações, pelas controvérsias que envolve. Anteriormente, o Opportunity já tinha se envolvido numa outra disputa com a Petros, por causa de uma carteira de renda variável de R$ 500 milhões, a primeira que a fundação tinha terceirizado na gestão do antigo presidente, Francisco Gonzaga. “Aquele contrato foi anulado ainda na gestão passada, pela própria patrocinadora”, conta Lustosa. “Era uma carteira de renda variável que cobrava taxa de êxito pelo que conseguia acima da renda fixa, e não da renda variável, como seria o correto”.
Retornos – Foram alguns meses de trabalho intenso, que exigiam dedicação quase total. Vinda de Brasília, onde por dez anos tinha trabalhado em diferentes governos e com diferentes pessoas, Eliane diz que aceitou o convite para trabalhar na fundação por dois motivos: o desafio de supervisionar a área de investimentos de um dos maiores fundos do país e a vontade de voltar à cidade onde nasceu.
Renegociados os contratos possíveis, e com outros na bica para serem renegociados no momento oportuno, Eliane saiu em busca de investimentos novos que pudessem maximizar os retornos, basicamente na área de project finance e private equity. A fundação tem realizado algumas operações de project finance, principalmente com a Petrobrás, como são os casos dos campos petrolíferos de Marlin e Albacora, e das termelétricas
Termobahia (BA), Termocanoas (RS) e Ibi-rite (MG).
Mas, além da Petrobrás, a fundação também tem a Guaraniana como parceira de um project finance em termelétrica e o Macquarie e o BNDES como parceiros em fundos de private equity nas áreas de transporte e óleo e gás. A fundação também estuda a participação em novos fundos de private equity nas áreas de reestruturação de empresas e de uso de biomassa para geração de energia por fontes alternativas. O objetivo é fazer com que essa carteira de participações, que hoje representa 4% dos investimentos, chegue aos 10% até o final do ano que vem.
Para Eliane, a combinação de investimentos mais líquidos com investimentos menos líquidos, mas de maior retorno, é fundamental para permitir o cumprimento da meta atuarial no longo prazo. Assim, os benefícios de longo prazo podem depender de investimentos de maturação mais demorada, e que trazem um maior retorno, como é o caso dos project finance e dos fundos de private equity. “Quando cheguei aqui, havia uma visão, que acho errado, de que todos os investimentos tinham sempre que bater a meta atuarial”, conta ela. “Acho que não, acho que a expectativa de retorno de um investimento tem a ver com sua taxa de risco, quanto maior ela for e maior o tempo de maturação maior deve ser a expectativa de retorno”.
Assim, embora a superação da meta atuarial deva ser um objetivo da carteira total de investimentos, nem sempre ele é cumprido por carteiras específicas. No ano passado, por exemplo, devido à queda das bolsas de valores a fundação não conseguiu bater a meta, que era de INPC + 6%, ficando em 14,3%. Neste ano, já prevendo a instabilidade que viria com as eleições, a fundação reduziu a sua carteira de ações e fez hedge para boa parte do que sobrou. Está com 60% da carteira seguindo o Ibovespa e 40% no que chama de carteira seleção, definida de acordo com os fundamentos das empresas. Assim, ganhou recentemente com a venda da CSN, depois que a empresa anunciou associação com a Corus.
Governança – O conceito básico que vem norteando o processo de reestruturação e a passagem de Eliane pela Petros é a governança corporativa. Ela acredita que até bem pouco tempo os fundos de pensão no país não tinham esta preocupação. “Diferentemente do que acontecia antes, hoje há fundações e órgãos que exigem clareza na gestão de empresas, no que concerne aos acionistas controladores e aos executivos,” ela conta. Até bem pouco tempo, não havia contestação na avaliação das gestões, tudo era muito passivo, mas hoje com a Governança Corporativa há um constante questionamento das decisões tomadas pelas instituições”.
Hoje, a Petros se preocupa bastante com as gestões das demais empresas com as quais está envolvida e participa ativamente dos conselhos fiscal ou de administração de 21 delas. “Ao nos preocuparmos com os interesses da empresa, estamos zelando também pelos interesses da Petros,” justifica Eliane. Segundo ela, os conselheiros que representam a fundação nessas empresas são escolhidos de acordo com seu currículo, que deve aliar a parte acadêmica e a vida prática. Se antes o critério para a escolha dos conselheiros se baseava no fato de alguém ser ou não oriundo dos quadros da patrocinadora (na maioria das vezes aposentados), hoje baseia-se nos conhecimentos que ele tenha dos negócios da empresa.
“Disclosure” – Clareza e objetividade sempre estiveram no topo da lista de prioridades da equipe de Eliane. A economista acha que agora, em meio a tantos escândalos contábeis em grandes empresas multinacionais, a “disclosure” ganha mais importância. Atualmente, a Petros trabalha com as corretoras num sistema de rodízio já pré-definido para evitar que as relações ocorram sempre entre as mesmas pessoas. Como sempre, os critérios de avaliação devem ser muito claros e o processo deve ser acompanhado por três pessoas de áreas distintas que estabelecem critérios para a escolha de objetivos.
Além de um processo sofisticado de “compliance”, e de um código de ética para definir as posições a tomar em determinadas situações críticas, a fundação optou recentemente pela contratação do Mellon como administrador fiduciário dos seus investimentos. Isso estabelece regras rígidas a serem seguidas pelos gestores e corretoras, entre elas um intervalo de preços dentro do qual podem comprar e vender os papéis. “Fora desse intervalo, o administrador fiduciário não aprova a transação”, explica Eliane.
A postura moderna de Eliane à frente da Petros caracteriza a nova leva de executivos que hoje começam a ocupar altos postos nos fundos de pensão do país. Ao contrário de seus antecessores nas fundações, praticamente todos saídos das empresas patrocinadoras, os novos executivos não fizeram carreira dentro das empresas cujos fundos administram e, ao mesmo tempo, vem tornando estas fundações mais ativas na administração dos recursos aportados.
Única mulher a ocupar a posição de diretora financeira e de investimentos de um fundo de pensão nacional, a carioca Eliane acredita que a presença do chamado sexo frágil em papéis importantes no país só tende a aumentar. Eliane diz que nunca se achou diferente dos demais executivos por ser mulher, mas que mais do que nunca tem encontrado outras mulheres muito determinadas e competentes. “Elas são firmes e sabem exatamente o que querem. Fizeram uma opção e sabem do preço que terão de pagar por ela, por isso sabem que precisam de muita força e determinação, além de competência, é claro”.
Eliane se enquadra perfeitamente no perfil da nova executiva brasileira. Além da carreira na Petros, ela tem dedicado o pouco do tempo que lhe resta a sua tese de doutorado na PUC-RJ, sob orientação do Professor Tara Baydia. O tema não poderia ser outro senão Governança Corporativa.
Remuneração variável
A Petros também tem adotado uma interessante política de recursos humanos, com o pagamento de bônus aos funcionários por superação de metas. No caso dos 80 funcionários da área de investimentos, os bônus foram pagos integralmente em 2000 e parcialmente em 2001.
Em 2000 foram superadas a meta atuarial e as metas de investimento em renda fixa (CDI) e em renda variável (Ibovespa). Em 2001 apenas as duas últimas foram superadas, sendo que a meta atuarial não foi batida, razão pela qual o pagamento do bônus foi parcial. “É uma política que incentiva o funcionário”, conta Eliane Lustosa.
O desafio de outras áreas, segundo o diretor administrativo da Petros, Flávio Chaves, concentra-se na redução dos custos de administração. “A política de remuneração da empresa está evoluindo para pagamentos variáveis de acordo com o cumprimento e superação de metas”, conta ele. “Isso permite ter o funcionário integrado aos interesses da empresa”.
Segundo ele, as novas áreas de interesse da fundação, como project finance e fundos de private equity, abrem ótimas perspectivas para os funcionários que quiserem se especializar nelas. “Estamos num momento de especialização, o empregado que enxergar isso vai se dar bem”
A Petros tem hoje 362 funcionários, entre eles os 80 que atuam na área de investimentos. Segundo Chaves, as exigência para ingressar na fundação são cada vez maiores, incluindo conhecimentos nas áreas de previdência, atuaria e legislação, além de conhecimentos específicos nas áreas em que pretende atuar.