Dilema dos independentes | Assets de pequeno porte precisam super...

Edição 234 

Gestores independentes mais antigos que não conseguiram em dois ou três anos mostrar a que vieram, ultrapassando a barreira de uma centena de milhões de reais, estão em uma situação delicada. Precisam se reinventar, sob o risco de sair do radar dos investidores e minguar. Especialistas do mercado veem um movimento de divisões de equipes de assets e reestruturações nas casas mais esquálidas nos próximos anos. E o alerta vale também para os novos. Diferentemente dos primeiros tempos desse setor, no início dos anos 2000, quando bastava dois ou três colegas de mercado se juntarem e começarem um negócio de gestão, hoje as barreiras de entrada são muito maiores. “A ressaca da crise de 2008 tornou os investidores e distribuidores de private banks mais exigentes”, diz o ex-diretor do Banco Central, vice-presidente da comissão de fundos multimercados da Anbima e fundador da Mauá Sekular Investimentos, Luiz Fernando Figueiredo. “Muitos grandes investidores nem sequer podem olhar para empresas com menos de R$ 100 milhões”, afirma.
No caso dos investidores institucionais, há o limite de concentração imposto pela Resolução 3.792 do Conselho Monetário Nacional (CMN), de setembro de 2009. Ela determina que um fundo de pensão pode ter no máximo 25% de participação em cada carteira multimercado, tipo de fundo predominante entre os gestores independentes. E, se para um fundo de pensão com bilhões sob gestão fazer aplicações de R$ 5 milhões, R$ 10 milhões é pouco, ao mesmo tempo já o levariam a ter parcelas imensas das carteiras de alguns independentes menores. Agrava essa situação a forte queda de patrimônio de muitos gestores nos últimos anos após os maus resultados dos multimercados por conta da crise internacional, que acabaram por afastar as pessoas físicas dessas aplicações. A piada é que se alguém quisesse perder um amigo, era só sugerir a ele aplicar em um multimercado, brinca um gestor de recursos. E nem mesmo a melhora dos resultados das carteiras no ano passado animou os investidores. “A categoria fechou o ano com ganho acima do CDI (juro interbancário referência da renda fixa), mas com resgates”, observa Figueiredo.

Sem colher de chá – O segmento de independentes ainda é muito novo no Brasil. Só começou a tomar corpo em 2003. Houve então um ambiente propício e uma explosão de novas assets. Tudo foi bem até o primeiro semestre de 2007, quando surgiram os primeiros sinais de que havia algo errado na economia americana. “A crise de 2008 do subprime (hipotecas de alto risco nos EUA) foi horrível para o segmento independente, poucos conseguiram se sair bem em meio aos solavancos dos mercados, e mesmo quem foi menos mal teve saques pesados”, lembra Figueiredo. Ele estima que o setor de independentes, incluindo aí alguns que já começavam a deixar essa categoria, como a Hedging-Griffo, atingiu o pico de patrimônio em 2007, com R$ 60 bilhões. No começo de 2009, deve ter voltado para algo em torno de R$ 25 bilhões, subindo para R$ 35 bilhões este ano. Se forem descontados desse total os cerca de R$ 10 bilhões da Hedging-Griffo, hoje Credit Suisse, e mais R$ 5 bilhões da Gávea, comprada pelo JP Morgan, os independentes devem administrar hoje algo em torno de R$ 20 bilhões.
O tamanho se tornou mais importante também porque os independentes, diante da retração das pessoas físicas, passaram a disputar os recursos dos fundos de pensão e outros institucionais, que exigem estruturas muito mais completas das empresas. “Hoje é preciso partir de uma empresa mais estruturada, com mais controles, e são poucos os que podem começar do zero, sem um sócio capitalista forte”, diz. Claro que há exceções, como é o caso dos medalhões do mercado, pessoas muito conhecidas que já começam com patrimônio alto. Foi assim com a Ibiuna, criada por dois ex-bancos centrais, Rodrigo Azevedo – que já tinha passado pela JGP após sair do governo – e Mário Torós, que em pouco mais de um ano reuniram quase R$ 1 bilhão em ativos. Ou a SPX, criada por um ex-executivo do Banco BBM, Rogério Xavier, e que já ultrapassou R$ 2 bilhões em dois anos. Mas são poucos. “Não temos mais o setor de multimercados crescendo 25% ao ano para ajudar os novatos”, afirma Figueiredo.
Apesar das dificuldades, Figueiredo não vê as fusões como a tendência do mercado de independentes. Ele lembra que nos últimos anos alguns gestores fecharam, enquanto outros que eram apenas multimercado macro passaram a ter um mix maior de estratégias, como fundos de ações ou de participações (private equity). E alguns se juntaram para adquirir uma experiência específica. A Mauá passou por isso, fundindo-se com a Sekular no final de 2009 e depois, no fim de 2010, absorvendo a Apoena, uma pequena gestora de ações com estratégia quantitativa, lembra Figueiredo. Já a Águas Claras, uma casa de ações com potencial e histórico, foi incorporada em 2011 pela Gávea.
A partir de 2009 e especialmente em 2010 e 2011, os saques levaram também a vários rachas de equipes, lembra Figueiredo. Do Banco BBM saíram a Kapitalo e a SPX, o Opportunity deu origem à Pacífico, a Rio Bravo originou a Effectus, de um grupo da Quest surgiu a Apex Capital e outro grupo da Fram criou a Lotus. Além disso, há as casas maiores que foram compradas por estrangeiros. Foi assim com a Gávea e o JP Morgan, a ARX com a BNY Mellon, a GAP com a Prudential e a Hedging-Griffo com o Credit Suisse.
Uma empresa de gestão é um negócio que depende do dinheiro de terceiros, não precisa de grande capital próprio, lembra George Wachsmann, sócio da BAWM Investimentos e presidente da comissão de gestão de patrimônio da Anbima. Se o negócio não parar em pé, o gestor vai trabalhar em um banco ou em outra asset. “O principal são as pessoas, não a empresa”, diz.
Mesmo gestores pequenos podem sobreviver por anos, pois têm estruturas enxutas e simplesmente ficam tocando o dinheiro dos sócios e de alguns conhecidos, lembra Wachsmann. “Mas também não saem disso, ficam estagnados até alguém cansar e sair”, afirma. “E fundo não quebra”, observa ele. “Quem quebra é o investidor, que pode perder tudo. O gestor não perde nada e ainda sai com a taxa de administração, que é cobrada adiantado”, diz.

Concorrência – Um ponto que tem jogado contra os independentes é o fato de a estratégia multimercado estar em baixa. “Com as taxas de juros ainda muito altas, poucas estratégias, liquidez reduzida e um mercado que não cresce, fica difícil conseguir grandes resultados”, diz Wachsmann. Além disso, há a concorrência dos papéis de crédito com isenção fiscal para pessoas físicas.
Esse é um grande desafio para os gestores independentes, avalia Figueiredo, da Mauá. Instrumentos de crédito como fundos imobiliários ou Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) afastam o investidor dos multimercados de menor risco e rentabilidade. Sem marcação a mercado, esses papéis passam a impressão errada de que não têm oscilações de preços, mesmo tendo prazos muito longos. “Esses fundos, que rendem 101%, 102% do CDI, devem continuar existindo, mas sem o apelo do passado”, afirma Figueiredo.
Por isso, os gestores estão buscando diversificar mais suas estratégias, avalia Wachsmann. Os multimercados são hoje muito mais ousados e quase todas as casas têm equipes de ações, diferentemente de dez anos atrás. Os fundos de arbitragem ou long/short, que eram apenas neutros, agora dividem espaço com os “equity hedge” ou “long bias”, concentrados ou alavancados, saindo de 1% de volatilidade ao ano para mais de 5%. Para ele, há dois caminhos: agregar valor com estratégias diferenciadas ou com maior risco. E mesmo assim, os fundos acabam sendo muito parecidos. “Temos quatro ou cinco estratégias no mercado, é muito pouco”, diz Wachsman.
Em meio a essas mudanças, os fundos de pensão passam a ter um papel mais importante para os independentes. “Vamos ter mudanças gigantescas quando o juro nominal cair abaixo de 10% ao ano e os institucionais vão ter de sair da toca”, avalia Wachsmann. Já Figueiredo, da Mauá, acha que os fundos de pensão apenas colocaram o pé na água com relação ao investimento em independentes. “O aumento da parcela do patrimônio que eles podem destinar aos multimercados para cerca de 10% é muito recente, eles estão ainda aprendendo a lidar com isso”, diz. E há poucas casas preparadas para receber esses investidores, mais exigentes com relação a controles e estrutura. “Ainda vai demorar para a aplicação dos institucionais em independentes crescer.”
Essa falta de conhecimento faz os gestores de fundos de pensão, seguradoras e outros institucionais procurarem a ajuda das consultorias especializadas. E essa pode ser a grande esperança dos pequenos e dos novos independentes. Na Mercer, dos 65 clientes institucionais, 25 usam o serviço de seleção de gestores independentes, diz François Racicot, diretor da área de consultoria de investimentos. E a escolha não se dá apenas pelo patrimônio. “Não temos essa questão de corte por tamanho, olhamos mais o histórico do gestor, da equipe, a estrutura da gestora e, principalmente, de quem é o dinheiro do fundo”, afirma Racicot. “Se os sócios têm 20%, 25% do patrimônio do fundo, é um sinal de compromisso, pois se o fundo perder, eles perdem também”, diz. A regra do patrimônio se aplica apenas aos fundos muito conservadores, que evitam os pequenos, explica.
De olho na maior procura por independentes, a Mercer estuda um sistema de monitoramento da performance desses gestores. “A ficha está caindo nos fundos de pensão, o juro não vai ser alto para sempre, a Bolsa não é uma maravilha e a maioria está buscando soluções para aumentar os resultados, o que significa ser mais criativo e correr mais risco”, diz.

Satélites – Para driblar o problema do tamanho dos gestores, alguns fundos de pensão estão montando o que Racicot chama de estruturas satélites. Em um fundo separado, a parte principal dos recursos fica aplicada numa gestão passiva, em um fundo que reproduz o IBrX por exemplo, e uma parcela menor é distribuída entre vários pequenos gestores independentes com estratégias específicas em renda variável como dividendos, small caps e assim por diante. “Vemos interesse também por multimercados com moedas, algumas coisas diferentes, para dar uma pimentinha. Sempre começando com valores pequenos, R$ 5 milhões, R$ 10 milhões, para um test drive, até porque os gestores são pequenos”, afirma.
As exigências são grandes, mas compensam. Os institucionais pagam a menor taxa de administração possível na parcela passiva do satélite e mais para os independentes, na faixa de 1% a 1,5% ao ano mais 10% a 15% de taxa de performance. Apesar de menos que os tradicionais 2% mais 20% cobrados das pessoas físicas, o volume maior e a estabilidade dos recursos dos fundos de pensão compensam, dizem gestores independentes.
A barreira do tamanho sempre existiu, e toda casa nova de gestão tem de conviver com isso, diz Guilherme Benites, sócio da Aditus Consultoria. Existem, porém, algumas alternativas, como fundos criados somente para investir nesses gestores menores, o que evita uma participação exagerada no patrimônio e permite captar o desempenho melhor desses independentes. “Há casos em que o gestor tem patrimônio baixo, mas possui uma qualidade especial, uma estratégia diferente”, afirma.
O maior valor dos fundos de pensão para os independentes talvez seja a estabilidade dos recursos, avalia Benites. Nos outros tipos de distribuidores, como os private banks, ao menor sinal de mau desempenho, o dinheiro pode fugir e acabar com um gestor. Já com o fundo de pensão, os recursos são de mais longo prazo e o investidor entende as flutuações do mercado. “Por isso vemos uma busca de independentes por esse público, alguns montando equipes para institucionais e focando mais em renda variável”, afirma Benites. Esse é outro ponto importante, pois renda variável é mais fácil de ser compreendida pelos fundos de pensão do que os multimercados, em que os prazos de retorno não são tão longos e as estratégias são mais complexas. Outra vantagem para a renda variável é que não há limite de 25% de participação dos fundos de pensão nessas carteiras, como ocorre nos multimercados.
Do total de 46 clientes da Aditus, Benites estima que 20 aplicam em independentes. A consultoria tem como meta para este ano aumentar o número de avaliações (due diligence) de gestores independentes para 100, mais que o dobro das 40 do ano passado, para oferecer mais opções aos clientes. Benites estima que hoje, passados cerca de oitos anos do surgimento dos primeiros independentes, existam cerca de 400 gestoras não ligadas a bancos no mercado. As casas independentes, porém, precisam disparar, ganhar patrimônio. “Caso contrário, elas verão seus profissionais saírem ou suas equipes serem absorvidas por casas maiores”, prevê Benites.