Dessa vez vai? | Mercado lança FIDCs de infraestrutura para supri...

Estudo do Banco Mundial mostra que, em consequência da falta de investimentos, a qualidade da infraestrutura brasileira degradou-se consideravelmente nos últimos anos. Há uma década apenas 80 países estavam à frente do Brasil em termos de qualidade de infraestrutura, mas essa posição veio se deteriorando ano a ano e hoje mais de 110 países estão à nossa frente. Para recuperar essa qualidade o Brasil precisaria investir cerca de R$ 150 bilhões anuais, cerca de 50% acima dos R$ 100 bilhões que são investidos atualmente.

Como o estado não tem recursos, em virtude de um déficit fiscal que só este ano chega a R$ 159 bilhões, uma das saídas é repassar parte dessas atividades para a iniciativa privada. O BNDES lançou no ano passado uma licitação para constituição de um fundo, em parceria com gestores privados, para investir R$ 500 milhões em projetos de infraestrutura na área de energia renovável. Uma dezena de empresas se candidataram à gestão desse fundo, e em meados de setembro o banco público divulgou o escolhido, que foi a Vinci Partners.

A gestora fará a gestão desse fundo de R$ 500 milhões, dos quais metade serão aportados pelo BNDES e a outra metade serão buscados no mercado junto a investidores institucionais. O fundo, um FIDC de debêntures emitidas por SPEs (Sociedades de Propósitos específicos), vai financiar projetos de infraestrutura na área de energia renovável como linhas de transmissão, geração por usinas eólicas etc. Assim que soube da notícia de que a gestora tinha ganho a concorrência, o sócio da gestora, Marcelo Rabbat, preparou a mala e começou a visitar os potenciais investidores, que são os fundos de pensão, previdência aberta e seguradoras.

De acordo com ele, os investidores institucionais são o público apropriado para investimentos nesse tipo de projeto, uma vez que possuem recursos de longo prazo casados com compromissos também de longo prazo. Com a queda da taxa de juros, grande parte das aplicações que estavam em NTNBs vão ter que ser realocadas, pois o prêmio dessas aplicações já não paga o atuarial dos fundos. Segundo Rabbat, a tendência é que as fundações aloquem uma parte significativa de suas carteiras em ativos de mais risco, como acontece em fundos de pensão da maior parte do mundo.

 

Segundo momento – Mas segundo a líder da área de clientes institucionais da Tag Investimentos, Francisca Brasileiro, embora seja correta a análise de que os institucionais devem buscar mais risco com a queda da taxa de juros, os investimentos em infraestrutura não devem ser incluídos nas principais opções num primeiro momento. Segundo ela, há outras alocações que são mais fáceis num primeiro momento. “Os institucionais vão olhar em primeiro lugar para a renda variável e talvez até para algumas classes de imóveis, acho que fundos de private equity e os FIDCs com SPE são interessantes mas eles devem ficar para um segundo momento”, diz. Ainda de acordo com Francisca, uma barreira que os investimentos em infraestrutura terão que superar será a das garantias a serem colocadas nos projetos, de forma a impedir a interferência do governo na política das empresas investidas. Ela lembra que, no passado recente, a interferência do governo em preços e tarifas de áreas reguladas acabaram afetando empresas investidas por fundos e reduziram sua TIR (Taxa Interna de Retorno). “Tudo isso vai ter que ser explicado ao investidor”.

Segundo Rabbat, essa é a vantagem de investir em infraestrutura através de um fundo, já que geralmente esse tem equipes especializadas para olhar todos os aspectos regulatórios da área e das empresas investidas. Ele lembra que a Vinci tem como sócios Gilberto Sayão e Alessandro Horta, que quando ainda faziam parte do BTG Pactual coordenaram os investimentos do banco na Equatorial Energia, que opera distribuidoras de eletricidade no Maranhão e Pará. Ao criarem a Vinci, trouxeram com eles os fundos da Equatorial Energia. “Eles conhecem muito bem essa área”, diz Rabbat.

De acordo com ele, a equipe da Vinci já está conversando com uma dezena de SPEs com vistas a fazer investimentos nessas empresas. A expectativa de retorno do fundo, que possui rating duplo A dado pela Fitch, é de 150 a 250 basis point acima da NTNB. “Acredito que haja demanda para produtos como o nosso fundo, com a queda da taxa de juros os institucionais terão que buscar alternativas de investimento de mais longo prazo”, diz. Segundo ele, “ou o investidor alonga o prazo e mantém o rating da entidade ou se mantém no curto prazo e aceita colocar um risco maior na carteira”.

 

Rating e prêmios – Na opinião de Luiz Eugênio Figueiredo, responsável pela área de private equity da BNP Paribas Asset Management, a combinação de um bom rating com bons prêmios na rentabilidade será fundamental para definir a aceitação dos projetos de infraestrutura junto aos institucional. O BNP também está lançando, até o final do ano, um FIDC de debêntures de infraestrutura. A meta é captar R$ 500 milhões, sendo que R$ 25 milhões de recursos próprios e R$ 25 milhões do Banco de Desenvolvimento da América Latina, o CAF, já estão acertados. A gestora também está conversando com o BNDES para um possível aporte da instituição.
Assim como o fundo da Vinci, o FIDC da BNP será direcionado a projetos de infraestrutura desenvolvidos por SPEs, incluindo as áreas de parques eólicos, transmissão de energia, saneamento básico, tratamento de água, aeroportos, rodovias etc. “Há muita demanda por investimentos nesses segmentos e hoje o governo não consegue atender, o que abre espaço para a iniciativa privada”, explica Figueiredo. “Por serem projetos de longo prazo, de oito, dez, doze anos, eles podem proporcionar uma rentabilidade bastante superior à das NTNBs”.

Um dos fantasmas que assustavam os institucionais era a isenção tributária oferecida aos investidores pessoas físicas nas negociações com debêntures incentivadas. Havia o temor de que a entrada desses investidores no mercado pudesse achatar os prêmios dos papéis, que desceriam ao nível zero em relação às NTNBs ou até negativo em alguns casos. Entretanto, a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários estabeleceu uma diferenciação entre debentures incentivadas emitidas por empresas de capital aberto, que podem ser compradas por pessoas físicas, e debêntures incentivadas de SPE, vedadas a pessoas físicas e direcionadas exclusivamente à investidores qualificados através de FIDCs. As corporativas são regidas pela instrução CVM nº 400 e as SPE pela instrução CVM nº 476.

Com isso, afasta-se o risco de uma deterioração dos prêmios das debêntures incentivadas voltadas aos institucionais, explica Figueiredo. Segundo ele, a carência de projetos de infraestrutura no Brasil deve abrir muitas oportunidades para os institucionais nos próximos anos. Ele lembra que, no passado recente, quando as taxas de juros caíram para menos de um dígito os fundos de pensão demoraram para se posicionar em ativos estratégicos e quando finalmente entenderam que teriam que fazer isso já não encontraram disponíveis os de melhor qualidade. Na sua opinião, dessa vez os fundos de pensão não cometerão esse erro. “Acho que esse tipo de ativo mais estratégico, de longo prazo, vai ter demanda logo de início”, diz. “Os institucionais não vão ter a mesma hesitação nesse novo ciclo da queda de juros”.

 

Planos maduros – Mas para o presidente da Fundação Fibra, Sylvio Rangel, o mantra de que os institucionais são os investidores de longo prazo por excelência precisa ser requalificado. Em primeiro lugar porque os planos mais adequados a esses investimentos de longo prazo são os de Benefício Definido (BD), e esses hoje são desinvestidores líquidos e não mais investidores. Segundo Rangel, quase todos os BDs estão maduros, numa fase em que pagam mais benefícios do que recebem contribuições. São cerca de R$ 35 bilhões saindo anualmente desses planos.

Já os planos de Contribuição Definida possuem um horizonte mais curto de investimento, sendo difícil pensar neles alocando por um prazo de oito, dez, doze anos. Além disso, a política de investimento de grande parte deles não permite esse tipo de alocação, tendo que ser modificadas para viabilizar os investimentos. Segundo Rangel, o ideal seria criar uma versão incrementada das debêntures incentivadas, que oferecessem condições mais adequadas às necessidades dos fundos de pensão, por exemplo começando a pagar já no início de funcionamento da operação e enquanto esse momento não chegasse as empresas pagariam cupons semestrais. Segundo ele, uma discussão nesse sentido chegou a ser levantada junto ao BNDES e Banco Mundial, mas não evoluiu.

Para Rangel, o mantra de que os institucionais são investidores de longo prazo as vezes acaba mascarando a realidade de que eles devem, fundamentalmente, buscar as aplicações mais rentáveis e mais seguras para suas carteiras. “Não temos que fazer o papel do BNDES”, diz. De acordo com ele, “cada operação de infraestrutura é diferente da outra, assim como cada FIDC é diferente do outro, temos que olhar um a um”.

À exemplo de Francisca Brasileiro, da Tag Investimentos, Rangel também lembra da questão regulatória, que tem que ser trazida para o risco do negócio. “Isso é uma coisa que deve ser bem analisada, pois pode afetar a rentabilidade dos projetos e das arteiras das fundações”, avalia. Além disso, ele lembra os insucessos dos fundos envolvidos na operação Greenfield, da Polícia Federal, como Sete Brasil e FIP Florestal. Na sua opinião, “esses insucessos também podem comprometer os novos lançamentos”.
De acordo com ele, embora seja correto avaliar que a queda da taxa de juros deve levar os institucionais a tomar mais risco nas carteiras, as alocações de mais risco podem ir para diversos setores. “Tenho minhas dúvidas com relação à demanda para essa área de infraestrutura”, afirma. “Não é que não haverá nenhuma demanda, acho que tem, mas acho que ela está sendo superestimanda”.