Demanda aquecida pelos papéis

Edição 378

Jean-Pierre Côte Gil, da Vinland: mapeamento mostra recorde de mais de 250 emissões marcadas a taxas inferiores aos respectivos títulos públicos

Em meio à debandada dos investidores para a renda fixa, atraídos pelos elevados níveis da taxa Selic, não passa desapercebida a alta demanda por debêntures incentivadas de infraestrutura nos últimos meses. A procura por esses títulos, criados pela Lei 12.431/2011, ganhou tração a partir da MP (Medida Provisória) 1.303, de junho de 2025, que prevê o fim da isenção tributária do instrumento a partir do ano que vem.

A MP acabando com o benefício fiscal, que ainda precisa ser aprovada pelo Congresso, estabelece que investimentos até então isentos –além das debêntures, também estão isentos as LCI, LCA, CRI e CRA–, passam a ser tributados em 2026, com retenção na fonte de 5% do valor do investimento.

“Ao reduzir a competitividade da debênture incentivada, vai cair o interesse dos investidores por esse tipo de título. E os responsáveis pelos projetos de infraestrutura, para manterem a atratividade do título, vão ter que aumentar a remuneração. Ou seja, o custo de financiamento dos projetos vai subir”, afirmou Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados e especialista em direito empresarial e mercado de capitais.

Como as debêntures emitidas até 31 de dezembro de 2025 seguem com o benefício tributário, há uma corrida de investidores e empresas para garantir a isenção, com a demanda em alta provocando um achatamento das taxas de retorno (spreads) dos títulos, mesmo com as emissões batendo recordes históricos.

Dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) mostram que, de janeiro a junho, as emissões de debêntures incentivadas totalizaram R$ 74,54 bilhões, um crescimento de 15,7% na comparação com o mesmo período do ano passado e novo recorde de captação da série histórica pelo quarto semestre consecutivo. No recorte setorial, energia elétrica e transporte e logística dividiram a liderança, com R$ 23,8 bilhões cada, cerca de 64% do total encerrado no semestre.

Gestor de crédito da Vinland Capital, Jean-Pierre Côte Gil afirmou que a taxação de 5% deve alterar a percepção de risco e retorno dos investidores, mas não a ponto de desestimular o investimento na classe, considerando que outras classes também estão sendo tributadas, e que a distorção tributária entre elas permanece.

Segundo o gestor, as carteiras de debêntures incentivadas da Vinland apresentam, na média, retorno entre 0,5% e 1% sobre o título público de referência, em um mercado em que os spreads de crédito das debêntures vêm fechando “de maneira consistente”.

“Atualmente, mapeamos mais de 250 emissões de debêntures incentivadas que estão marcadas a taxas inferiores aos respectivos títulos públicos de referência, um recorde histórico”, assinalou Côte Gil.

Encurtando durations – Para o co-gestor do time de crédito high grade da XP Asset, Vinicius Romero, as taxas de retorno abaixo dos títulos públicos têm sido comuns entre emissões de empresas de rating AAA. “Apesar da redução dos spreads, o retorno total esperado segue elevado, devido ao nível alto dos juros reais e nominais. Além disso, seguimos vendo como atrativa a alocação em ativos isentos no relativo do mercado de crédito”, afirmou Romero.

Ele disse que a gestora tem adotado uma gestão ativa no mercado secundário, visando encurtar as durations dos portfólios. “Além disso, seguimos bastante atentos ao nível de preço de novas alocações, principalmente para ativos de maior risco”, disse Romero.

Gestor dos fundos de crédito da Trígono Capital, Marcelo Peixoto afirmou que, em um cenário de spreads comprimidos das debêntures, a gestora tem se aproveitado da parcela na carteira destinada a títulos não isentos. Lançado em fevereiro de 2024, o fundo Trígono Polaris Debêntures Incentivadas FIC FIRF precisa manter, por regulamento, até 67% em debêntures, e tem aproveitado o restante para alocar em títulos bancários. Após completar dois anos, os fundos precisam alocar ao menos 85% em debêntures.

“Temos uma vantagem competitiva em relação a fundos mais antigos”, afirmou Peixoto. “Em um mundo com pouco spread de crédito, temos um colchão para investir em outros tipos de papéis não isentos e auferir uma rentabilidade melhor nessa parcela.”

Preferidos – Côte Gil, da Vinland, acrescentou que, do ponto de vista estritamente de risco, setores mais regulados e com receitas previsíveis são os preferidos, como energia elétrica, saneamento, rodovias e logística. Contudo, ele lembra que são também aqueles que concentram o maior número de emissões com spreads negativos em relação aos títulos públicos de referência.

“Setores como telecomunicações e petróleo e gás trazem maiores riscos por terem resultados menos previsíveis, assim como projetos mais complexos trazem maiores riscos de execução. Porém, se bem remunerados, e respeitando-se limites mais restritivos de alocação, podem ter um papel importante de incremento do retorno e da diversificação dos nossos portfólios”, afirmou o gestor.

Sócio e CIO da área de crédito da Ibiuna, Eduardo Alhadeff disse que sentiu a demanda pelos fundos de debêntures incentivadas aumentar de maneira significativa principalmente a partir de abril deste ano, com cerca de R$ 1 bilhão a R$ 1,5 bilhão captados a cada semana.

“É uma demanda alta e constante, mais direcionada a fundos indexados ao CDI. Nesses casos, as gestoras compram o papel indexado ao IPCA e fazem o hedge para o CDI”, explicou Alhadeff.

Além de setores estáveis que comportem dívidas de longo prazo como concessões de estradas, saneamento e energia, ele afirmou que também gosta de manter uma exposição fora do Brasil, através de bonds corporativos de empresas brasileiras e da América Latina, fazendo o hedge cambial para reais via derivativos.

O gestor da Ibiuna disse que, para o segundo semestre, espera que a demanda dos investidores se mantenha aquecida, mantendo a pressão sobre os spreads de crédito, que devem continuar diminuindo ou, pelo menos, ficar nos níveis apertados em que se encontram.

Segundo Alhadeff, sem uma taxa Selic significativamente mais baixa e um consequente aumento dos investimentos pelas empresas que geraria mais oferta de papéis para financiar os projetos, é improvável uma mudança expressiva e perene dos spreads de crédito.

Ele disse que, até nos fundos que não são dedicados à estratégia, a gestora tem feito alocações em debêntures incentivadas, devido à expectativa de que vários desses papéis no mercado ainda possuem potencial de ganho de capital.

“As taxas hoje são bem mais baixas do que observamos desde o início de 2023, mas ainda acima das mínimas que observamos no primeiro semestre de 2022”, disse. Ele afirmou ainda que as mudanças propostas pela MP 1.303 vão na “direção correta”. Ele assinalou que o Brasil tem o “péssimo hábito” de criar exceções que depois acabam virando regra.

“A regulação das debêntures incentivadas veio num cenário muito diferente do atual. O incentivo era necessário, pois não existia financiamento de longo prazo e havia a concorrência das taxas subsidiadas oferecidas pelo BNDES que distorciam o mercado. Será que, com o desenvolvimento do mercado de capitais, esses incentivos ainda são necessários? No mundo desenvolvido isso não existe, por que deveria existir no Brasil?”, questionou.

Janela de oportunidade – Sócio e gestor da estratégia de fundos de debêntures incentivadas da RB Asset, Rafael Ohmachi afirmou que a MP 1.303 gerou uma “janela de oportunidade” para a alocação em fundos de debêntures incentivadas até o final de 2025, uma vez que as cotas emitidas até o final do ano devem permanecer isentas de forma definitiva, criando uma vantagem significativa em comparação a cotas emitidas a partir de 2026.

“Outro ponto relevante fica por parte dos emissores, que devem aumentar o volume de captação, justamente para ainda obterem o benefício da isenção para o estoque, antes da vigência da nova MP”, disse Ohmachi.

Ele acrescentou que a publicação da MP é bastante recente e ainda há incertezas sobre a forma final do texto, que pode sofrer alterações durante a tramitação no Congresso. “Portanto, é incerto ainda os impactos reais sobre a demanda de debêntures incentivadas por investidores pessoa física e jurídica a partir de 2026.”

Mesmo com o fim da isenção atual, Ohmachi entende que as debêntures incentivadas vão continuar a ter um grande atrativo em comparação com outros instrumentos financeiros. Ele cita como exemplo as debêntures simples, que vão ter a taxação majorada de 15% para 17,5% em 2026. “Esperamos que a classe de ativo continue sendo bastante demandada pelo mercado.”

O gestor da RB Asset afirmou que as debêntures incentivadas têm experimentado “forte amadurecimento”, tanto em volume de emissão quanto em negociação secundária, o que traz conforto quanto à perspectiva de investimento de volumes financeiros elevados no longo prazo.

Dados da Anbima apontam que, no primeiro semestre, a negociação no mercado secundário alcançou R$ 169,21 bilhões, alta de 40% contra os R$ 120,29 bilhões em igual intervalo do ano passado.

Segundo Ohmachi, a mudança na tributação de fundos exclusivos, em vigor desde janeiro de 2024, e a Resolução CMN 5.118/2024, que restringiu os lastros utilizados para emissão de outros ativos isentos, contribuíram para o desenvolvimento do mercado de debêntures incentivadas.

Ele afirmou que a evolução do mercado tem permitido à gestora reforçar o trabalho de “stockpicking” visando geração de alfa, permitindo maior giro da carteira em busca de assimetrias de risco/retorno.

Atualmente, o fundo RB Capital Debêntures Incentivadas FIC FI RF apresenta uma taxa média de remuneração em torno de IPCA+ 9% a.a. Como o fundo faz o hedge total dos ativos do portfólio para não ficar exposto às oscilações da curva de juros, o retorno convertido fica em de CDI + 1,7% a.a.

Benefício ao emissor – Sócio responsável por crédito privado e infraestrutura da JiveMauá, Samer Serhan afirmou que tem observado um aumento da procura por fundos de infraestrutura de uma maneira estrutural no Brasil, tanto por investidores pessoas físicas quanto por investidores institucionais, ainda que de uma maneira mais tímida no segundo caso.

“Historicamente, quando as NTN-Bs tem spreads abaixo de IPCA + 6% a.a., os institucionais costumam ter demanda crescente por crédito privado e ativos reais, como imóveis e ações de empresas. Estamos longe deste cenário e vejo, portanto, manutenção de uma demanda do investidor pessoa física, ao menos para 2025 e 2026”, afirmou Serhan.

Ohmachi, da RB Asset, disse que a demanda do institucional pode se voltar à nova debênture de infraestrutura sancionada pela Lei 14.801, no qual não há isenção do IR à pessoa física, com o benefício fiscal sendo direcionado principalmente às empresas emissoras, permitindo que elas deduzam do IRPJ e da CSLL uma parte dos juros pagos sobre essas debêntures. “Essa nova classe de debênture deve ser demandada principalmente por investidores institucionais.”