Combate às armas nos EUA | Com aumento da preocupação dos investi...

Edição 301

 

Discussões sobre o papel, se é que há algum de fato, que os investidores podem ter no combate à violência praticada com armas de fogo nos Estados Unidos têm ganhado força nos últimos dias após o massacre cometido em 14 de fevereiro por um ex-aluno de uma escola de ensino médio na Flórida que resultou na morte de 17 pessoas.
A BlackRock, uma das maiores gestoras de recursos do mercado com US$ 6,28 trilhões em ativos sob gestão, informou no dia 22 de fevereiro que planejava se reunir com fabricantes e distribuidores de armas nos quais tem investimentos “para entender” qual seria a resposta das empresas ao tiroteio na escola da Flórida. Alguns dias depois, a asset State Street Corporation (STT) anunciou que pretende se engajar num processo para entender melhor as medidas que os fabricantes e vendedores de armas pretendem adotar no futuro para garantir o uso seguro de seus produtos. As informações fazem parte de reportagem publicada pela revista americana Pension&Investment.
Os anúncios feitos pelas gestoras não possuíam, no entanto, informações específicas sobre esforços passados ou futuros feitos por elas próprias para promover a segurança e reduzir os riscos por conta do uso inapropriado das armas de fogo. Ainda assim, especialistas da indústria avaliam como significativas essas iniciativas de dialogar com as empresas do setor, lembrando que medidas similares não foram tomadas em outras ocasiões em que também houve massacres realizados com armas de fogo nos Estados Unidos.
Em 2 de março a BlackRock divulgou um novo comunicado em seu site com algumas das perguntas que têm encaminhado aos fabricantes e distribuidores de armas. A gestora questiona as companhias armamentistas sobre quais estratégias elas estão utilizando para gerenciar os seus riscos reputacionais, financeiro e de litígios associados à fabricação e venda de armas aos civis; se as empresas estão investindo em pesquisa e desenvolvimento para garantir o uso seguro dos produtos; e quais são suas políticas para determinar quem pode comprar as armas.
As demonstrações públicas das gestoras sobre seus esforços para entender melhor os processos de fabricantes e distribuidoras de armas de fogo que recebem seus investimentos, na comparação com episódios anteriores, pelo menos em parte decorre da preocupação crescente dos investidores quanto aos aspectos sociais, ambientais e de governança em seus portfólios.
Sinais desse movimento de maior engajamento das assets com os aspectos ESG são os compromissos assumidos por BlackRock e State Street nos últimos anos de aumentar seus esforços para promover as melhores práticas nas empresas investidas, disse Jon Hale, diretor de pesquisas de investimento sustentável da Morningstar.
Com a disseminação cada vez maior no mercado dos investimentos passivos por meio dos fundos de índices (ETFs), muitos gestores que acompanham os benchmarks têm mantido posições relevantes em suas carteiras nas companhias do setor de armas, prática que não era tão comum no passado, observa Patrick McGurn, diretor responsável pela área de pesquisas estratégicas e análises na empresa Institutional Shareholder Services que fornece soluções de investimento responsáveis.
BlackRock e State Street Global Advisors, unidade de gestão de recursos do conglomerado financeiro, têm boa parte de seus investimentos em estratégias passivas que apenas seguem os índices de referência do mercado. No papel de grandes acionistas com posições relevantes, os investidores esperam que as gestoras tenham certa responsabilidade sobre a condução das estratégias a serem seguidas pelas empresas investidas, afirmou Hale, da Morningstar.
A senadora Elizabeth Warren solicitou recentemente à BlackRock, Fidelity Investments, Vanguard Group e outras seis grandes firmas de investimento que alocam parte importante de seus recursos em empresas do setor de armas que usem seu poder financeiro para garantir que essas companhias estejam adotando as medidas necessárias para reduzir a violência praticada com seus produtos. Dados do mercado indicam que a BlackRock é a maior acionista nas fabricantes de armas American Outdoor Brands Corp. (AOB) e Sturm Ruger & Co. Documentos da BlackRock mostram que a gestora detinha em fevereiro um total de 8,9 milhões em ações das duas empresas, por um valor de aproximadamente US$ 202,3 milhões. O rifle usado no massacre da Flórida foi fabricado pela Smith & Wesson, uma subsidiária da AOB.

Ações – A senadora Warren sugeriu, entre as ações que as empresas fabricantes e distribuidoras de armas poderiam adotar para reduzir a violência, o estabelecimento de uma “auto-regulação mais rígida, com as vendas de seus produtos nas lojas de varejo de acordo com seus próprios padrões, que devem incluir uma idade mínima mais elevada para a compra de armas, prazos de carência antes que a operação seja efetuada, além de trabalhar em um direcionamento no qual as áreas de pesquisas das companhias desenvolvam armas mais seguras”.
Judy Byron, diretora da Northwest Coalition For Responsible Investment, disse que gostaria de ver as gestoras de recursos do mercado apoiando as propostas apresentadas por acionistas das empresas armamentistas AOB e Sturm Ruger que visavam aumentar a segurança relacionada à comercialização indiscriminada de armas nos Estados Unidos. A especialista lembra da importante atuação da BlackRock e da Vanguard em 2017, relacionada à proposta de prevenção às mudanças climáticas por conta das atividades promovidas pela empresa de exploração de petróleo e gás Exxon Mobil. Com a ajuda das duas assets, a proposta da Exxon Mobil recebeu apoio majoritário de seus acionistas no ano passado, após não ter conseguido obter o suficiente em 2016.
Segundo a diretora da Northwest Coalition, as propostas que buscavam aumentar a segurança recebidas pela Sturm Ruger, em 2001 e 2002, tiveram apoio de somente 5,43% e 4,26% dos investidores, respectivamente. Já as propostas mais recentes, recebidas em 2018 pela AOB e Sturm Ruger, preveem que os fabricantes de armas divulguem de maneira clara seus esforços para que seus produtos se tornem mais seguros, mitigando assim o risco relacionado ao negócio.
Uma outra proposta foi apresentada em janeiro de 2018 à distribuidora de armas Dick´s Sporting Goods, após conversas entre os investidores e os diretores da empresa, explicou Valerie Heinonen, diretora da área jurídica da Mercy Investment Services, responsável pela apresentação da proposta.
Em 28 de fevereiro, duas semanas após o massacre na Florida, a distribuidora Dick`s anunciou uma série de mudanças em sua política de comercialização de armas de fogo, segundo a qual não irá mais vender produtos para menores de 21 anos. Rifles comumente utilizados para a prática de assaltos já haviam sido retirados da grade de produtos da distribuidora após ataque ocorrido em Connecticut em 2012 que deixou 28 mortos em uma escola primária. Grandes varejistas como Walmart e Kroger Co. também aumentaram suas exigências para consumidores interessados em adquirir armas de fogo após o episódio na Flórida.

Fundações – Semelhante ao que foi visto após o tiroteio de 2012 em Connecticut, dirigentes eleitos e participantes de fundos de pensão em alguns estados estão cobrando de suas entidades de previdência que desinvistam e restrinjam novos aportes em empresas de armas.
Em 26 de fevereiro o senador do estado de Nova Jersey, Vin Gopal, apresentou uma nova legislação que proíbe o fundo de pensão da região, que tem US$ 76,3 bilhões, de investir em fabricantes de armas.
O porta-voz do conselho de administração do estado da Flórida, John Kuczwanski, disse que recebeu uma dúzia de questionamentos sobre os investimentos do fundo de pensão local em empresas armamentistas após o tiroteio de 14 de fevereiro, sendo que alguns vieram de participantes da fundação que querem que a entidade saia dos negócios nessa área. Segundo Kuczwanskim, que está no cargo há oito anos, foi a primeira vez que ele recebeu questionamentos de participantes do fundo de pensão do estado sobre as participações em companhias fabricantes e distribuidoras de armas. O conselho do qual o executivo faz parte supervisiona cerca de US$ 209,7 bilhões em ativos, sendo US$ 167 bilhões do fundo de pensão local.
O fundo de pensão da Flórida tem aproximadamente US$ 1,7 milhão investidos nas empresas do setor de armas Vista Outdoor, AOB e Sturm Ruger, por meio de um fundo passivo que acompanha o benchmark Russell 3000. A fundação tem também outros US$ 906 mil investidos na AOB e na Vista Outdoor através de um fundo de gestão ativa, de acordo com dados apresentados por Kuczwanski.
Nenhuma decisão de desinvestimento por parte das entidades de previdência foi tomada até agora. O porta-voz comentou que o conselho de administração do estado tem o dever fiduciário de “agir apenas segundo os interesses econômicos dos participantes, e notou que “há alternativas que não apenas o desinvestimento”. Ele preferiu não comentar, no entanto, quais alternativas estão sendo analisadas.