Edição 237
O ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira mantém a mesma rotina de trabalho de quando dirigia o Banco Santos, que em novembro de 2004 sofreu intervenção do Banco Central por suspeitas de fraude contra o sistema financeiro. Aos 68 anos, ele levanta-se às 6:00h da manhã, toma um café da manhã rápido com a mulher, veste um terno geralmente escuro contrastando com gravatas vermelhas ou azuis, e desce para o andar de baixo da casa onde está morando desde que foi despejado da mansão do Morumbi que habitava havia mais de trinta anos e que ganhou notoriedade na época da liquidação pela fabulosa coleção de obras de arte que abrigava. A maioria das coleções continua lá, mas Edemar foi despejado por falta de pagamento em 2011.
O empresário e amigo pessoal José Papa Jr. emprestou a ele uma confortável casa de dois andares localizada a menos de 100 metros da casa de onde foi desalojado. É no andar de baixo dessa casa que Edemar dá expediente todos os dias, debruçado sobre relatórios, laudos técnicos, perícias e avaliações sobre o processo de intervenção no banco que dirigia. Ele quer provar que não havia motivo para a intervenção e o posterior pedido de falência apresentado pelo interventor Vânio Aguiar em setembro de 2005. “As contas do Vânio Aguiar estavam erradas, ele avaliou que tínhamos patrimônio líquido negativo de R$ 2,23 bilhões quando tínhamos na verdade patrimônio positivo de R$ 600 milhões”, defende o ex-banqueiro.
Numa rápida conversa com Investidor Institucional, Aguiar disse que Edemar estaria querendo reabrir questões que já foram arquivadas pelo processo e que não iria se pronunciar sobre as afirmações do ex-banqueiro. “Não vou colocar (minhas posições) pela imprensa. Qualquer resposta vocês devem procurar com o juiz do processo”, afirmou ele que desde a falência ocupa a posição de administrador judicial da massa falida.
A intervenção e posterior falência do Banco Santos deflagou um processo de crise em vários outros bancos de pequeno e médio porte, que de uma hora para a outra viram os clientes começarem a sacar as aplicações. Muitos teriam quebrado se não fosse medida do Conselho Monetário Nacional de atualizar uma instrução do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), dando cobertura para aplicações até R$ 60 mil e incentivando bancos maiores a comprarem carteiras de créditos de instituições menores. Essas medidas irrigaram pequenos e médios bancos com o crédito que tinha secado para eles de uma hora para outra.
O medo dos aplicadores era que outros bancos de pequeno e médio porte entrassem num processo semelhante ao que estava vivendo o Banco Santos. Alguns anos mais tarde, esse fantasma foi ressuscitado com a crise do Banco Panamericano, que foi salvo pelo aporte da Caixa. Mas segundo Edemar, a situação do Banco Santos em 2004 não justificava a intervenção nem a posterior falência. “Nosso patrimônio não era negativo”, enfatiza Edemar.
Crítica aos acordos – O ex-dono do Banco Santos não tem feito outra coisa na vida, desde a falência, a não ser revirar os papéis antigos, estudar os processos e tentar anular judicialmente vários acordos que foram e continuam sendo feitos por Aguiar, os quais considera lesivos ao patrimônio da massa falida. Principalmente daqueles que dão descontos elevados aos devedores. “Com a construtora CR Almeida, foi feito um acordo abatendo R$ 250 milhões de uma dívida de R$ 300 milhões, ela só pagou R$ 50 milhões. A Delta pagou R$ 12 milhões de uma dívida de R$ 80 milhões, a Odebrecht pagou R$ 20 milhões da sua dívida de R$ 120 milhões e a CCE da Amazônia que devia R$ 100 milhões pagou R$ 20 milhões”, enumera.
Eram empresas que tinham tomado crédito ao banco e, simultaneamente, sido obrigadas a comprar papéis do banco, ou de empresas ligadas a ele ou a seus gestores. Por serem ao mesmo tempo devedoras e credoras, após a falência elas entraram com ações buscando compensar as duas posições, mas o entendimento da Justiça nas duas primeiras instâncias foi que deveriam pagar as dívidas e buscar paralelamente os canais adequados para receber seus créditos. Sem conseguir o intento na Justiça, fizeram então um acordo diretamente com o gestor da massa falida. “Com o apoio do representante dos credores, na época o Jorge Queiróz, o Vânio Aguiar fez acordo com elas e abateu até 75% das dívidas”, reclama Edemar. “Foram acordos lesivos aos interesses dos próprios credores, que deixaram de receber valores elevados devidos por essas empresas.
Segundo o ex-presidente do Banco Santos, a alegação de que foram obrigadas a comprar papéis do banco não se sustenta. “Eram empresas de grande porte, algumas bem maior que o Banco Santos. Eu não teria poder de pressioná-las”, diz. Mas para um importante dirigente da área financeira que pediu para falar na condição de anonimato, a explicação de Edemar não é convincente. “Conversei com algumas dessas empresas, elas garantem que as exigências de reciprocidade realmente existiram”.
Na missão de revolver os números e invalidar os acordos feitos por Aguiar, Edemar conta com a ajuda de um dos seus ex-diretores da época de Banco Santos, Carlos Alberto Ribas Batista, o Beto, que atendia clientes institucionais das regiões Norte e Nordeste. “Com a falência do Banco Santos o mercado se fechou para mim, assim como para vários outros diretores do banco”, diz. “Desde então, estou ajudando o Dr. Edemar”.
Edemar diz que as despesas que tem com auxiliares e advogados são pagas por seus amigos, assim como suas despesas pessoais. Além da casa confortável, seu estilo de vida também não é modesto. Ainda anda de Mercedes Benz com motorista e tem um funcionário sempre pronto para servir água e café aos convidados. No dia em que deu esta entrevista à Investidor Institucional, pela manhã tinha tido uma audiência no Fórum a respeito dos processos envolvendo a massa falida. Chegou à casa onde mora numa Mercedes Benz preta, dirigido por um motorista. “Tenho amigos, como o José Papa Jr que me empresta a casa, eles são quem bancam tudo isso”, afirma Edemar.
Para ele, sua rotina atual é a mesma de um executivo. “Sou o CEO de uma falência, a maior falência já ocorrida no Brasil”, afirma. Não sou diferente de nenhum outro executivo, tem CEO que cuida de uma fábrica, tem CEO que cuida de um banco, eu cuido de uma falência “E tem muita coisa errada na gestão dessa falência”.
Provisionamentos – Segundo as contas de Edemar, na intervenção Aguiar fez cortes nos créditos que o banco tinha a receber que transformaram um balanço positivo em um balanço com um enorme sinal de menos na frente. Foram determinados provisionamentos de R$ 608 milhões para operações de crédito condicionadas à compra de papéis do banco, chamadas de operações com reciprocidade que Edemar nega terem existido, provisionamentos de R$ 400 milhões para operações