Assets vão as compras | Gestoras aproveitam volume recorde de emi...

A retomada do crescimento, a julgar pela evolução recente dos principais indicadores macroeconômicos, ainda não passa de um sonho, mas o mercado acionário vive momentos de euforia neste ano. No primeiro semestre, as ofertas públicas de títulos de renda variável somaram R$ 29,3 bilhões, o maior volume registrado no período desde 2002. A tendência se manteve em julho, com o lançamento adicional de R$ 21,7 bilhões em papéis de IRB, BR Distribuidora, Light e Movida, entre outros emissores. Há quem enxergue nesse movimento o prenúncio, pelo mercado, de um aquecimento da economia, mas há controvérsias a respeito.
“Grande parte das recentes operações foram frutos de desinvestimentos de estatais, como Banco do Brasil e Petrobras, ou emissões de empresas já listadas na bolsa e sem grandes projetos de investimento em pauta”, comenta Marcelo Nantes, CIO de renda variável da Bradesco Asset Management (Bram). “Não resta dúvida de que esses eventos são importantes para emissores, gestores e investidores, mas o fato é que ainda não há indícios de retomada.”
Segunda maior gestora privada do país, a Bram aproveitou a maré favorável para reforçar os portfólios de seus fundos de renda variável, inclusive de produtos voltados aos investidores institucionais, que também saíram às compras no período. Otimista, Nantes acredita num volume mais expressivo de ofertas públicas iniciais nos próximos meses, em razão das perspectivas de novos cortes de juros nos planos externo e interno e do andamento da reforma da previdência no Congresso Nacional. “O cenário tende a se tornar mais benigno para o investimento na bolsa de valores, com uma oferta ainda maior de papéis”, diz o executivo.
Com ativos totais ao redor de R$ 1 trilhão, a BB DTVM, líder do segmento de gestão de recursos, marcou presença nas principais operações realizadas nos primeiros sete meses do ano. A lista incluiu IRB Brasil, BR Distribuidora, Light e Neoenergia. “Foram ofertas de excelente qualidade. Neoenergia e BR Distribuidora são ícones em seus setores, assim como o IRB, que apresenta um ebitda altíssimo”, observa o executivo de fundos multimercados, ações e offshore Jorge Ricca.
Já há algum tempo, a asset vem dando prioridade em seus veículos de investimento a papéis de empresas mais conectadas à esfera doméstica, deixando em segundo plano companhias abertas com maior presença no mercado externo. A opção guarda relação direta com as perspectivas de desaquecimento econômico na União Europeia e, sobretudo, com a crescente escalada de conflitos comerciais entre as duas maiores potências do planeta, Estados Unidos e China.
“Alguns ramos da nossa preferência são finanças, energia e a construção civil, que conta, inclusive, com um fundo setorial. As cotas do veículo em questão apresentaram valorização de 64% nos últimos meses, superando em 23 pontos percentuais a variação do Ibovespa”, diz Ricca, que destaca a forte procura dos produtos lastreados em renda variável. “A captação líquida dos nossos fundos de ações vem crescendo na faixa de 3% a 4% nos últimos meses. Com os juros em baixa, a renda variável continua a ganhar pontos junto a investidores dos mais variados perfis.”
O fenômeno, assinala Alexandre Cancherini, superintendente executivo de gestão de fundos da Santander Asset Management (SAM), é estrutural. A captação líquida dos fundos de ações nos sete primeiros meses do ano somou R$ 32,6 bilhões, superando em 20,29% o volume registrado no período de janeiro a dezembro de 2018. “As opções de risco entraram definitivamente na rotina e nos manuais dos investidores locais”, observa o executivo da SAM, cujas carteiras de ações seguem, em linhas gerais, o figurino do mercado. “Nossos portfólios valorizam papéis de prestadoras de serviços públicos, como saneamento, e empresas do setor financeiro.”
A recente redução da taxa Selic para a casa de 6% ao ano tende, na avaliação das assets, a injetar ainda mais gás no mercado acionário. Vice-presidente da SulAmérica Investimentos, Marcelo Mello acredita que o volume de emissões no ano poderá atingir a marca de R$ 70 bilhões, quase sete vezes mais do que o montante registrado em 2018. “É uma expectativa baseada em vários fatores, como os juros baixos, as reformas estruturais em curso na economia e o pacote de privatizações e concessões do governo federal, que deve movimentar algo em torno de R$ 500 bilhões”, observa Mello. “São fortes estímulos a novas emissões de ações e debêntures.”
Assim como a BB DTVM, a SulAmérica deu prioridade em suas carteiras a papéis de empresas com atuação predominante no mercado interno. Alguns dos setores escolhidos foram locadoras de veículos, em razão do crescente uso de aplicativos de transporte, caso do Uber, estatais que passaram ou passarão por processos de desinvestimento e redes varejistas com estratégias digitais mais robustas. “Outra opção interessante foram os títulos da bolsa de valores, a B3, diretamente beneficiada pelo forte crescimento das emissões”, assinala o executivo, que, atento às mudanças em curso no mercado, vem reforçando o cardápio da asset. “Dois lançamentos recentes são os multimercados Apollo, que busca retornos entre 180% e 200% do CDI, inclusive em ações, e o Pandhora Feeder Institucional, o nosso primeiro produto quantitativo.”
A tendência da renda variável no restante do ano, na visão da SulAmérica, é de alta. A projeção toma por base a baixa alocação dos investidores nativos em ações e a perspectiva de reaquecimento do interesse dos aplicadores externos, que retiraram capitais do Brasil na primeira metade do ano. “Com a reforma da previdência e as perspectivas de retomada do crescimento a partir de 2020 por parte de alguns agentes econômicos, o Brasil tem a chance de recuperar o grau de investimentos junto às agências internacionais de risco, o que contribuiria, por certo, para a atração de recursos externos para o pregão da B3”, raciocina Mello.
A análise é endossada por Daniel Utsch, gestor de renda variável da Fator Administração de Recursos (FAR). Em sua avaliação, os juros baixos nos cenários interno e externo e a elevada liquidez são fatores que contribuirão, com certeza, para novas emissões. “Tudo conspira a favor do mercado acionário, que começa a vivenciar um novo ciclo de crescimento. A expectativa é de que setores de grande peso na chamada economia real, como saúde e agronegócios aproveitem esse movimento para ganhar espaço nos pregões da bolsa de valores”, diz Utsch.